terça-feira, 27 de maio de 2014

Bem-vindo, Direito Humanitário !


                              
       Mais um juiz federal de 1ª instância, Caio Márcio Guterres Taranto, ora recebe  denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal contra cinco militares acusados de assassínio e ocultação de cadáver do deputado federal Rubens Paiva.

      Na linha aberta pela decisão da Juíza federal Ana Paula Vieira de Carvalho (V. blog O Fim da Impunidade), o juiz Caio Márcio acolheu a denúncia do MPF,tornando-se réus o general reformado José Antonio Nogueira Belham, os coronéis reformados Raymundo Ronaldo Campos e Rubens Paim Sampaio, e os sargentos e irmãos Jurandyr e Jacy Ochsendorf e Souza.

      Há dois fundamentos para o acolhimento desta ação penal. No entender do Juiz Caio Márcio, a denúncia do MPF trata de crimes previstos no Código Penal não protegidos pelas disposições da Lei de Anistia, de 1979. Para o magistrado, a citada Lei nr. 6683/79 não perdoa os crimes previstos na legislação comum, mas tão só os crimes políticos ou conexos a esses,  “punidos com fundamento em atos institucionais e complementares”. Na ação penal ora encetada, os réus vão igualmente responder pelos crimes de associação criminosa  armada e fraude processual.

     Outro fundamento alegado pelo juiz federal  - data vênia, o de maior importância e significado – é que a morte de Rubens Paiva se insere “na qualidade de crimes contra a Humanidade” que impede a incidência da prescrição.

     Para a professora universitária Vera Paiva, ela acredita haver vivido ontem o primeiro dia “de um novo Brasil”. Transcorridos 43 anos da morte e desaparecimento de seu pai, Rubens Paiva, após ser detido por agentes da Aeronáutica em 20 de janeiro de 1971, ela finalmente recebe a notícia aguardada durante todo esse tempo pela família do parlamentar.

     No que concerne ao Direito Internacional Humanitário, já constitui doutrina nas grandes Cortes internacionais, assim como nos países mais adiantados, de que a tortura – e outros delitos contra a Humanidade – configura crime imprescritível.

     As anistias – e inclusive a auto-anistia como foi a citada lei nr. 6683/79 – se tornam, por conseguinte, írritas.

     Como aviso aos navegantes, no entanto, a luta já está empenhada e encetada, mas tal não vale dizer que a guerra esteja ganha. Se dúvidas existissem, a própria chamada de primeira página de O Globo mostra que ainda as nuvens da negação e da impunidade: “Caso Rubens Paiva vai a júri, apesar da Anístia. A Justiça Federal aceitou denúncia do M.P. contra 5 militares acusados da morte (...) do deputado Rubens Paiva. O juiz entendeu que por serem crimes previstos no Código Penal e contra a Humanidade, a Lei da Anistia (...) não se aplicaria no caso. O STF tem entendimento diferente.”

         O STF em decisão anterior desconheceu, por maioria de votos, a nova realidade no direito internacional humanitário, que torna imprescritíveis os crimes contra a Humanidade, entre os quais a tortura, e outros mais.

         Nesse contexto, não é apenas na faceta jurídica, mas também na política, que a timidez e a atitude timorata quanto ao regime militar e suas consequências, diferenciam o estamento político (e jurídico) brasileiro dos de nossos países irmãos do Cone Sul, e notadamente da Argentina.

         Decisões como a da Juíza Ana Paula e agora a do Juiz Caio Márcio, nos acenam  com a abertura de uma nova era. O STF, por certo, voltará a ocupar-se da questão, e não se pode afirmar que desta feita entrará na estrada real da nova jurisprudência internacional humanitária, ou se continuará a palmilhar a melancólica rota de sentenças, como a anterior, que se apegam ao atraso. Até lá, os membros do Supremo não serão os mesmos, conquanto o próprio Ayres Brito, hoje aposentado, tenha sufragado a boa tese do direito internacional humanitário. Esperemos que as novas aquisições, como o Ministro Luís Roberto Barroso, contribuam para dar à jurisprudência brasileira um viés mais conforme aos progressos do direito internacional humanitário.

           Será pedir demasiado que assim abandonemos a submissa e deferente  retaguarda de sempre ?

 

( Fonte:  O  Globo )

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