sexta-feira, 2 de maio de 2014

O Ocidente está ajudando a Ucrânia ?

                              

          Se Vladimir Putin, em seus tempos de agente da KGB, fez algum curso em medidas de desestabilização de países inimigos, deve ter tirado notas altas.

          Para quem não tem escrúpulos em termos de direito internacional e respeito aos tratados, a situação da Crimeia para o pretendente imperialista constituía verdadeira galinha morta. De toda maneira, com as ‘sanções’ do Ocidente e a simpatia – para dizer o menos – de boa parte da população naquela península, o referendo nem precisaria recorrer à sua linguagem ambígua – que dá ao procedimento os chamados ‘vícios redibitórios’ que invalidam a decisão, se houvesse instância com força para implementá-la -  dada a desequilibrada preferência pela reunião com Moscou.

          Mas se Kiev, na época injustamente defraudada pela cínica operação, que do inferno Hitler e Mussolini terão aprovado com louvor, agora o governo interino da Ucrânia, cercado pela boa vontade da União Europeia e dos Estados Unidos, se defronta com o mesmo agressor, a que se agregam o treinamento anterior, a frouxidão dos laços do leste ucraniano com o poder central e a falta de qualquer apoio efetivo de parte ocidental ?

          Para quem tem dúvida, as sanções de Barack Obama, que visam os cupinchas de Putin e os supostos fundos do presidente russo, não parecem fazer o senhor do Kremlin perder o sono, nem o intento de abocanhar o que melhor lhe pareça do leste ucraniano. É duro dizê-lo – levada em conta a sanhuda captura dos observadores da OSCE -, mas se o arreganho ocidental tivesse alguma credibilidade seria de acreditar que Vladimir Putin nada tenha feito para libertá-los (ou alguém acredita que os separatistas tenham algum poder discricionário)?

         Pela andança da carruagem, com as seguidas falhas do poder central ucraniano, a evolução desta segunda fase da agressão russa procede a inteiro gosto de Moscou. As débeis tentativas de Kiev de fazer algo – a exemplo do envio de helicópteros para a região – se contrapõe a debilidade do esforço, eis que dois foram derrubados pelos ‘separatistas’ – presumivelmente por mísseis terra-ar – com a morte dos pobres pilotos, vítimas de um combate iniquo e desigual.

         O poder central ucraniano – conceito de resto que, por ora, vem sendo desmoralizado pelos agentes russos e seus comparsas locais – deveria ter pensado no passado quanto à conveniência de estruturação digna desse nome das defesas da nação de Kiev. Se bem que ora seja um pouco tarde para levantar esse tema, é estarrecedora a facilidade com que os simpatizantes de Moscou se apossam de administrações locais e como avancem nos respectivos desígnios sem que o governo interino central possa montar qualquer resistência efetiva à atuação em geral desimpedida das chamadas tropas descaracterizadas, e dos demais agentes que se movimentam com ominosa desenvoltura.

         Contudo, as más surpresas não param por aí. Ontem, segundo se noticia, a Chanceler da Alemanha teve conversa telefônica  com o Presidente Vladimir V. Putin, que, como se sabe, é um homem de paz. Pois não é que o senhor do Kremlin transmitiu para Angela Merkel a seguinte pérola? No seu entender, a Ucrânia deveria retirar suas próprias tropas do leste do país para encerrar (sic) o conflito na região, que é parcialmente controlada por milícias separatistas pró-Rússia.

            Ainda segundo Putin, a retirada  seria “essencial para deter a violência e lançar um diálogo envolvendo todas as regiões e forças políticas do país”.

            Dessarte – e para tanto se servindo da Chanceler alemã, cuja resposta não foi divulgada – Vladimir Putin, em arrazoado que levaria às lagrimas o seu modelo Benito Mussolini, depois de desestabilizar o leste ucraniano, se apresenta como homem de paz, e recomenda na prática a renúncia de Kiev sobre as regiões orientais, que de qualquer forma já estariam em boa parte sob o controle das forças separatistas pró-Rússia. Sem qualquer dúvida, estamos diante de conselho de lobo para cordeiro...

          De qualquer forma, Putin parece ter pressa. Em 25 de maio corrente estão previstas eleições presidenciais na Ucrânia. Tudo indica que gospodin Vladimir Putin queira resolver essa questão antes que surja em Kiev alguma liderança com maior apoio da opinião pública, e portanto não tão débil quanto o presente interinato. Consta, a propósito, que Putin também manteve diálogo com o Primeiro Ministro de Sua Majestade Britânica, David Cameron,  que igualmente se teria mostrado receptivo...

 

(Fonte: Folha de S. Paulo)

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