Estávamos preparados para a
saraivada de críticas internacionais no que tange à preparação da Copa do
Mundo? Como se pode verificar em blogs anteriores, há que separar o joio do
trigo nessas observações negativas. No entanto, seria demasiado fácil (e até
mesmo previsível) que buscássemos sair pela tangente, tachando os comentários
de parciais e sensacionalistas. Não há negar, é verdade, que muitos deles –
como se pode facilmente verificar por notas de Picadinho à Brasileira –
se enquadram em postura de falsa superioridade e do ranço de juízos
preconceituosos, no que concerne a países ditos de là- bas (lá embaixo). A frase atribuída ao general de Gaulle, no que respeita ao
Brasil – c’est pas un pays sérieux [1] -
pode ser até apócrifa, mas se adapta à maravilha a um outro dito, este italiano
– se non è vero, è ben trovato[2] - que
nos mostra a relatividade das assertivas.
O que tampouco
se pode afiançar é que não têm algum parentesco com a verdade. Quando Lula
da Silva achou por bem que poderíamos enfrentar essa dupla barra – Copa
do Mundo e Olimpíada – fê-lo em momento feliz, com ventos favoráveis, para o
Brasil. Colheu por isso apoio entusiasta. Em ambas as preparações – a da Copa e
a das Olimpíadas – demonstramos a conhecida e grande habilidade no terreno das
promessas e nos filmetes de propaganda.
Em termos
específicos de Copa do Mundo, se começou a pisar na bola com a promessa
demagógica de Lula das doze sedes. Houve um comprometimento verbal, na verdade. A palavra de Lula pesou, como se
tivesse um alcance extra-mandato. É verdade que, em 2012, o
ex-torneiro-mecânico legou ao Brasil, como presidente a sua chefe de gabinete, Dilma Rousseff. Era o primeiro ‘poste’ em uma série a ser continuada.
Ora, se
ficarmos nos domínios de Herr Joseph
Blatter, o presidente da FIFA,
Lula e a sua pupila deveriam ter dado continuidade a esse comprometimento.
Quanto a muitas dessas sedes – outorgadas não por causa da Copa, mas por interesses
político-eleitoreiros – a maior parte delas, no mínimo, demandava um
acompanhamento constante, além de maior apoio em termos de gestão. Situações
hoje limite, como Cuiabá e Manaus, além de Fortaleza e Natal,
demandam muito mais atenção e empenho do que receberam. Como se verifica, de
resto, pelo discurso do presidente do TCU,
Ministro Augusto Nardes (V. blog de ontem), as falhas não se
restringem a esses casos-limite, alcançando na prática a todas as sedes,
inclusive Rio de Janeiro e São Paulo.
Há um evidente clima de menor entusiasmo
no que tange à Copa do Mundo. Tal é visível pela falta de enfeites alusivos ao
certâmen. O verde-e-amarelo, por enquanto, não aparece. Existe o movimento de
contestação da própria realização da Copa, que é uma decorrência dos gastos
excessivos com os estádios (as inúmeras Arenas
surgidas pela largueza de Lula da Silva), as exigências dos gnomos de
Zurique (Blatter e Jérome Valcke, notadamente), e o consequente Padrão-Fifa, que o movimento do
passe-livre de junho de 2013 expôs e gravou na mente popular.
Em um país com
as falhas gritantes de atendimento à saúde e no saneamento básico, esses
elefantes brancos da Copa são os Coliseus da pompa agressiva em um país de
fundas injustiças sociais.
O brasileiro comum deseja a Copa e a
nossa vitória que há de resgatar a injustiça de 16 de julho de 1950, o
famigerado Maracanazo, que refletiu a ingenuidade de uma equipe
ímpar, que por ser a melhor daquela Copa, pensou que tal bastaria para assegurar-lhe
o caneco.
Por tudo
isso, mostramos uma certa reserva no que concerne às comemorações antecipadas.
Mas tal não vale dizer que a maioria de nossa população não deseja a realização
da Copa, seguida de nosso almejado triunfo.
Na antecâmara
da Copa, assistimos ao grevismo desenfreado. Esse epifenômeno – se assim se
pode denominar a irrupção ilimitada de greves oportunistas – corresponde a uma
distorcida visão sindical no Brasil.
Ao contrário
da Europa e dos Estados Unidos, as greves em Pindorama eclodem com facilidade,
porque, se implicam em sacrifícios para o povo (como nas seguidas interrupções
de serviço no transporte de ônibus), os grevistas podem decretá-las
impunemente, pois terão depois pagos os dias da parada. A atitude dos
sindicatos e a sua segurança da impunidade recorda a época do autunno caldo (outono quente) na Itália,
em que o poder sindical tudo se permitia, até greves selvagens na tevê estatal,
proclamada a minutos de uma partida internacional da Azzurra (a seleção italiana), e válida apenas para a duração do
encontro. A húbris sindical chegava a
esse ponto – afrontar toda a torcida italiana, que aguardava o evento – e não
temia a inevitável reação, que viria mais tarde.
Ao contrário de
o que aparentam os sindicatos de rodoviários (para dar um exemplo, que não é de
resto exclusivo da categoria), as greves não são armas em que a vitória
sindical está de saída assegurada. Tal ocorrerá se os dias de falta forem ao
cabo pagos, e se outros prejuízos, como a queima e a depredação dos ônibus,
continuarem a não serem imputados às categorias que os causarem. Se as
disposições legais que existem para disciplinar comportamentos antissociais não
estão aí decerto para inglês ver, a sua aplicação será relevante não para represar
protestos justos e cabíveis, mas manifestações irresponsáveis de grevismo sem
limites.
O tratamento
indolor dado às greves é um incentivo à sua propagação selvagem. Passar a mão na
cabeça do grevista é um tratamento custoso, se tivermos presente o dito que não
há almoço grátis. Alguém terá de pagar pelo serviço não prestado e pela
coletividade desatendida.
Referi acima a
um período em que, por força de Daniel
Cohn-Bendit e as revoltas estudantis de 1968, o poder sindical aumentou
também na Itália. Mas, pelos excessos decorrentes dessa preponderância, a sua
queda aconteceu nos anos subsequentes. Tudo isso dentro do equilíbrio
democrático, que vela pelo respeito recíproco nos poderes.
A greve é uma
manifestação democrática, embora extrema, do trabalhador, que lhe resguarda um
direito, que deve ser usado com parcimônia. Nos Estados Unidos e na Europa, as
greves ocorrem, mas não por dá cá aquela palha, pela simples razão de que os
sindicatos deverão subsidiar os dias em que o trabalhador falta ao trabalho.
Foi assim na famosa greve dos gráficos em New York, nos anos sessenta, que
durou muitos meses, o que só foi possível pelo caixa do sindicato. Na Europa, a
greve é também recurso extraordinário, dada a circunstância de que os dias de falta
não são pagos pelo patrão ou entidade patronal. Compreende-se, por conseguinte,
que a greve para esses países é coisa séria, a que se recorre apenas em última instância.
(a continuar )
(Fonte: O
Globo)
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