Pinga-Fogo
O diplomata Eduardo Saboia continua submetido à comissão de
sindicância que ,por vez primeira na
história do Itamaraty, teve a chefia confiada a um assessor da
Contraladoria-Geral da União, que atua como interventor direto da Presidência
da República. Na bicentenária crônica de nossa diplomacia – Império e República
(inclusive no regime militar) – a direção de tais comissões sempre foi confiada
a um diplomata. A arbitrária Presidenta já
chegou mesmo a expressar, em público e pela imprensa, sua condenação prévia
de Saboia antes da investigação oficial. Assinale-se,
por oportuno, que comissões de sindicância são instrumentos de investigação que
precedem – quando há elementos para tanto – à comissão de inquérito. Sob dona
Dilma, o que se vê é uma sindicância, com prazo previsto de trinta dias, seguir
sem qualquer resolução por cerca de oito meses. Segundo Saboia “É evidente que
existe uma pressão política. Há uma sindicância que não está, pelo visto,
apurando os fatos que levaram uma pessoa (o ex-senador Roger Pinto Molina) a
ficar confinada quinze meses; está voltada para me punir.” Como se sabe, o
diplomata Saboia, que era o Encarregado-de-Negócios em La Paz tomou a si a
decisão de conduzir, por via terrestre, o asilado Molina para o Brasil. Fê-lo por
motivo humanitário, diante da continuada recusa do governo de Evo Morales em
autorizar, como devera, a saída do ex-senador (e desafeto do Presidente) da
Bolívia, e da falta de instruções da Chancelaria brasileira. (Fonte:
Miséria da Diplomacia, de Demétrio Magnoli, O Globo, 8.V.2014)
Os perigos do
revisionismo territorial. Os professores Monica Herz e João
Nogueira, da cadeira de Relações Internacionais da PUC-Rio, publicaram
interessante artigo sob o título acima citado, com o que estou de inteiro
acordo, e notadamente no que tange às seguintes frases: “A complacência
brasileira diante da intervenção na Crimeia em abril compromete a credibilidade
de uma política externa que, tradicionalmente, se pauta pela defesa dos
princípios da igualdade e da não intervenção. A defesa de um direito de
proteção de etnias em territórios estrangeiros pela Rússia nada tem a ver com
os preceitos internacionais de respeito aos direitos humanos. Aponta, contudo,
para o perigoso caminho do resgate do revisionismo territorial como prática
necessária de uma velha lógica geopolítica recuperada por uma potência
decadente. Este é certamente um caminho que nosso país não deve compartilhar.”
(Fonte: Os perigos do revisionismo territorial, O Globo, 3.V.2014)
Repressão do Regime
Maduro. Sob o atroador silêncio da
diplomacia brasileira, a violenta ação do chavismo contra acampamentos que
protestavam, na Venezuela, contra o desgoverno do caminhoneiro Nicolás Maduro,
levou à arbitrária prisão de 243 opositores, em sua maioria estudantes. Nesse
contexto, é relevante sublinhar a declaração do Alto-Comissariado dos Direitos
Humanos, em Genebra: “Condenamos de maneira inequívoca a violência de todas as
partes na Venezuela, mas estamos especialmente preocupados com as informações
acerca do uso excessivo de força pelas autoridades, em resposta aos protestos.”
Na Venezuela, os cidadãos estão sendo punidos por exercerem seu direito de
reunião e de liberdade de expressão, de forma pacífica. O porta-voz Rupert
Colville referiu, outrossim, que a Alta-Comissária de Direitos Humanos das Nações Unidas,
Navi Pillay, está reiterando ao
Presidente Nicolás Maduro o pedido que dialogue com a oposição. ( Fonte: Folha
de S. Paulo: ONU critica repressão 10.V.2014)
Putin e a Ucrânia
A conclusão de
‘analistas’ de que “a Ucrânia como era conhecida não existe mais, e Putin é o
grande vencedor” é o tipo de informação prematura e sem adequada base na
realidade, visto que semelha grande imprudência emitir opiniões genéricas desse
jaez, que tomam o momento como se pudesse ser gravado em mármore ático.
Vladimir Putin se tem valido para a sua
campanha de subversão do estado ucraniano de argumentos típicos de lobo e cordeiro. A suposta validade de tais
razões costuma ser unidirecional. Dessarte, a sua aplicação só poderia ser
realizada no sentido do interesse do império (a Federação Russa, a despeito do
nome, é um estado sucessor da potestade tzarista). Como potência territorial
clássica, o Império Russo aumentou sob a lógica da lei do mais forte, com a
anexação de várias etnias vizinhas. Na sua força, como em todo o império, se
insere igualmente o germe da própria desagregação. Se publicistas a declaram potência decadente, tal assertiva não é
consolo para nações que, ou estão na sua proximidade, ou – o que é pior – se
acham cercados pelo limes imperial. É
o caso das repúblicas do Cáucaso que ou se debatem em intermináveis campanhas
de independização (v.g.,Tchetchênia),
ou estão sob o alcance do urso do Kremlin
(Georgia, Moldava).
Como o principal Estado que sucedeu à
implosão da União Soviética (em dezembro de 1991), a Rússia manteria o assento
permanente no Conselho de Segurança, assim como ficaria com boa parte do
arsenal nuclear da URSS. Depois de período de relativa fraqueza e de
democracia, Vladimir Putin assumiu o poder, de início como Primeiro Ministro, e
mais tarde, Presidente.
Saído dos
quadros da KGB, a sua ‘salvação’ do periclitante Boris Ieltsin levaria ao
enfraquecimento da democracia, com o retorno do regime autoritário e do
autocrata por excelência (que sob nomes diversos, sempre foi a característica
precípua do poder político na Rússia).
Putin vem
organizando uma suposta recuperação da autoridade política na Federação Russa.
Sob estrutura democrática formal, se organiza um estado autoritário, que não
hesita em valer-se da fraude, da intimidação e da corrupção, para a sua
manutenção no poder. Putin se vale de uma ideologia de direita, a eurasiana (na
verdade uma miscelânea de ‘princípios’ que incluem o nacional-socialismo, o
bolshevismo e outros mais). Seria uma potestade reivindicante de passadas
glórias – a comparação seria até com a República alemã de Weimar, como um ‘estado
injustiçado’.
Assim, entre
os humilhados e os ofendidos se colocaria gospodin Putin, que só reivindicaria
para Moscou e a Federação Russa o que lhe seria devido. Estaria, portanto,
nessa cômoda categoria dos estados reivindicantes e insatisfeitos. À conta das
passadas ignomínias, tudo - ou quase
tudo – lhe seria devido.
A Crimeia
constituíu o primeiro cacho de uvas já amadurecidas de que Vladimir Putin,
irritado com a queda de seu protegido Viktor Yanukovich, reputou oportuno
apossar-se.
Esse
revisionismo territorial se baseou em quatro fundamentos: 1) a situação na
Ucrânia, com o ‘perigo’ da opção ocidental de parte de Kiev; 2) a composição da
península da Crimeia, com a predominância da etnia russa; 3) a fraqueza do Ocidente; e 4) os ‘argumentos’
de seu poderio nuclear – que não carecem de explicitação.
Como nos atos
de força – reminiscentes do período entre-guerras das décadas de vinte e trinta
do século passado – não há necessidade (a juízo do fautor) de argumentos
sólidos, nem de procedimentos inquestionáveis. Dessarte, não importa que o
referendo da Crimeia seja manifestamente ilegal, pois tem o vício redibitório
de uma questão mal-colocada. Mas como não estamos em ambientes acadêmicos, mas
sim em reuniões de lobo e cordeiro, o que vale é o fato consumado.
Como os seus
antecessores no passado – e basta mencionar Benito Mussolini, a quem Putin
gosta de imitar – a força será sempre o argumento principal.
A Ucrânia
atravessa um momento difícil, e a sua situação não é favorecida por um governo interino.
Não me animo a discorrer sobre o que vai acontecer no oriente ucraniano, em que
a etnia russa é supostamente majoritária, assim como o idioma. É claro que
esses referendos de Donetzk e de outras cidades do leste, nas cercanias da
Rússia, não têm qualquer validade legal.
Putin, que
desestabiliza a Ucrânia, por uma série de ações (invasões de forças militares
descaracterizadas, criação na Rússia de uma atmosfera anexionista – através da
desinformação e das campanhas de opinião pública dirigida) todas elas sob o
pressuposto da propaganda da restauração nacionalista e, em especial, pela
falta de qualquer respeito ao princípio da autodeterminação. É uma política
imperialista, e no imperialismo será sempre oportuno lembrar que tal política
só tem u’a mão.
( a continuar )
(Fontes: O Globo;
Folha de S. Paulo; The New York Review)
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