sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

As onze vítimas insepultas em Brumadinho


                             

           Segundo noticia a Folha, restam ainda insepultas onze vítimas da tragédia em Brumadinho (V. blog de 22.I.2020 - Denunciado por homicídio o presidente da Vale).
         Josiana Resende, com 31 anos de idade, expressa um desejo. Ela ainda espera por que se encontre o corpo de sua irmã, Juliana, que está entre aquelas que foram soterradas pela ruptura da barragem.  Ela é uma das onze pessoas cujo corpo ainda não foi encontrado pelos bombeiros, passado quase um ano do rompimento da barragem 1 e da consequente  avalanche da Mina Córrego do Feijão, da Vale do Rio Doce.

           Dos 270 mortos que estavam no refeitório, Juliana Resende é uma das onze pessoas que ainda não foi descoberta.  É uma longa, árdua espera que se vê acrescida pela inquietude sobre a real localização de seus restos, agora que os demais 259 foram encontrados, identificados e sepultados.
            A irmã Josiana confessa que "foi uma situação muito difícil o dia dois de novembro. Claro que teve dias difíceis antes - Dia das Mães, Dia dos Pais, aniversário. Mas no Dia de Finados, não ter pra onde ir, não ter onde depositar flor e fazer uma oração? Chocou muito", diz Josiana.
               Dennis da Silva, 37, marido de Juliana, também trabalhava na Vale e morreu - foi identificado nos primeiros dias após a tragédia. O casal deixou dois bebês gêmeos de dez meses. Hoje, com um ano e nove meses, as crianças são criadas pelos avós maternos a quem chamam tanto de vovô e vovó como de papai e mamãe.
                 Josiana também trabalhava na Vale e escapou por pouco.  Sexta-feira, 25 de janeiro de 2019, era seu dia de folga. Ela trabalhara na quinta e deveria trabalhar no sábado.
                   A família de Juliana quer achá-la não para encerrar o sofrimento, mas para vivê-lo em uma nova etapa. "Nossa luta é para que as buscas não parem. Para que a gente possa se despedir e fechar o ciclo",diz ela.  "Os bombeiros não estão lá salvando a vida dos onze que ainda estão na lama.Eles morreram. Estão salvando as nossas vidas mesmo. De quem ainda está na angústia e no desespero para fechar o ciclo."
                      Josiana sabe  que as buscas são menos efetivas a cada dia que passa. Por isso, seu maior temor é que sejam encerradas sem que sua irmã seja encontrada - ela não gosta de pensar nessa possibilidade.

                       Por estarem em estado avançado de decomposição, o IML não conseguiu  extrair DNA de 81 fragmentos humanos encontrados na lama. Há outros 44 em processo de identificação.  O instituto recebeu 854 no total,  incluindo 79 corpos considerados inteiros - mas novos fragmentos chegam diariamente.
                         Os bombeiros pretendem continuar as buscas até encontrar os onze restantes ou até que o material recolhido não seja mais passível de verificação por DNA. Outra possibilidade é encerrar a operação se houver um período longo sem novas identificações,ou seja, se novos fragmentos recolhidos ao longo de meses servirem apenas para reidentificações.

                           Um ano após o rompimento, outro desafio para os parentes das onze vítimas é a volta do período chuvoso. O número de bombeiros em céu aberto chegou a ser diminuído para cerca de 75 porque as buscas rendem menos com a lama molhada.
                             "O que choca mais é que as 259 pessoas identificadas são só identificadas mesmo. Porque ter o corpo delas, não tem", diz Josiana.

                              Mesmo se só uma parte de Juliana for encontrada, haverá alívio de "saber que ela não está na lama mais".  "O fato de ela ainda estar na lama machuca", diz a irmã. Seu pai fantasia que o corpo da filha estará preservado. Sua teoria é de que ela não foi encontrada porque está em grande profundidade, onde estaria mais conservada em meio ao minério de ferro. Para Josiana, tudo é possível, já que corpos em todo tipo de  estado foram encontrados ao longo do ano, sem relação necessária com a  passagem do tempo. "Acharam gente no dia 268 que fez impressão digital", argumenta.  "Agora, causa estranheza a nós e aos bombeiros que todos ao redor dela foram achados, menos ela."

                                Juliana estava na área administrativa da Vale, construída a 1,5 km abaixo da barragem. O plano de emergência da mineradora previa que os funcionários teriam um minuto para deixar o local. A fuga em tão pouco tempo já era considerada irreal, mas a realidade foi pior: engoliu os escritórios e o refeitório em trinta segundos, sem aviso de sirene.
                                  Analista administrativa, Juliana trabalhava na Vale havia dez anos. Já Josiana estava na empresa havia cinco anos como técnica de enfermagem do trabalho. Hoje está afastada e recebe pensão do INSS. Questionada sobre a indenização a ser paga pela morte da irmã, disse que a prioridade é encontrá-la.

                                "Achávamos que a barragem estava segura, porque senão  ninguém íria trabalhar. Como estava inativa, eu achava que estava seca", diz Josiana. "A  gente é muito unido e a Ju era a ponte disso.  As festas de fim de ano era ela que planejava e fazia as coisas do jeito dela", relata. Josiana usa uma camiseta de homenagem: "Dói demais o jeito que você foi embora. Juju, você deixou de viver entre nós para viver em nós".
                                    Ela não pensava que a irmã estaria entre as últimas da lista."Nunca imaginei que ia esperar por tanto tempo, nem ter força para lutar por tanto tempo. Deus está carregando essas onze famílias no colo, porque senão não estávamos de pé."
                                    Josiana é vice-presidente da associação de vítimas do rompimento da barragem 1.A entidade foi criada em agosto para fazer reivindicações à Vale e dar vos aos familiares. "Que nenhum corpo fique debaixo da lama" é um de seus lemas.
  
                                  Neste momento, o único consolo da família de Josiana são os gêmeos órfãos. Os avós que já criaram quatro filhos, se veem agora com a responsabilidade de educar mais dois. Eles ensinam às crianças que os pais delas são estrelinhas no céu.
                                    "A presença deles é o que tem nos ajudado. Mas também traz tristeza saber que não vão ter o amor do pai e da mãe, e que os pais  não vão ver os filhos crescerem.", diz Josiana.  Ela não sabe se as crianças entendem alguma coisa, mas costumam apontar e beijar uma foto dos pais exposta na sala."

(Fonte: além de agradecer à Folha de S. Paulo, pelo conjunto da matéria que cobre todos os envolvidos nesse desastre,  resolvi transcrever na íntegra a reportagem de Carolina Linhares, não só pela sua sensibilidade, mas também pela qualidade da análise, que muito me ajudou a melhor entender os problemas enfrentados pelas duzentos e setenta vítimas dessa catástrofe, assim como por seus familiares.)       

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