quinta-feira, 8 de agosto de 2019

Os acontecimentos no Texas


                                   

         A visita do Presidente Donald Trump a El Paso veio a apresentar - a ele e  suas opiniões racistas - como alguém que se dissocia do sentir da Nação americana,  o que também já se provara nos seus comentários sobre o expoente texano Beto O'Rourke. Em desenvolvimento que procurei sinalizar no meu blog de ontem - O preconceituoso em chefe - a posição racista do 45º presidente é um traço que singulariza a postura presidencial e decerto contribui para o seu relativo isolamento.

              O mal-estar com o racismo, a sensação de que algo tenha de ser feito para evitar que as armas continuem a chegar às mãos de pessoas que, por não estarem preparadas, representam um autêntico perigo público e tal por uma série de razões, a começar pela falta de qualquer legislação federal que torne as compras de armas de repetição a  pública ameaça  que elas representam. Já é mais do que tempo de retirar da aquisição de armas o elo com a primeira América, aquela em que a defesa dos primitivos americanos dependia das armas de fogo para defender-se das ameaças de então, a ponto de merecerem um texto constitucional para essa afirmação da nacionalidade em tempos que nada têm a ver com a realidade hodierna.

                 Essa instrumentalização do uso da arma, que se é inteligível nos albores da República americana, passou com o tempo a outro gênero de papel social, com um evidente exagero em transformar a arma como um símbolo de cidadania, a ponto de que os congressistas se tornaram por uma série de condicionamentos virtuais prisioneiros dos mercadores de armas, que passou a ser hipertrofiado em defesa da cidadania - ou, o que, na realidade, seria um contexto mais adequado - a necessária exposição da irresponsável pressão (para não empregar conceitos mais fortes e porventura mais verazes) para ver os controles na venda de armas - ou em palavras mais inteligíveis,  para esses mercadores da morte, que se têm servido de toda a "política" imaginável para forçar (em muitos casos, docemente constrangidos) os expoentes políticos a olharem para o outro lado, enquanto se procedia à liberação desse aberto comércio da morte.

                     Esse "pecado" americano é uma longa e pútrida estória, em que os massacres [1]se sucedem através das presidências, sejam elas republicanas ou democratas, em meio a um coro de políticos cuja duas atitudes básicas até o presente tem sido: massacre bestial em colégio, universidade, educandário infantil, centros de aglomeração (se a neurose do assassino em massa "precisa" de um público ainda maior para exorcizar a própria loucura) , a que se contrapõem as páginas nas revistas e nos jornais, numa espécie de rito de exorcização das vítimas, enquanto o responsável direto pela matança é morto ou trancafiado em asilo, e tudo o mais que permitiu o massacre ou a maldade expressa por armas de grosso calibre e de grande capacidade de infligir a morte em proporções catastróficas - tudo isso ficará restrito a um eventual culpado material, mas não há notícia de que os grandes responsáveis que criaram as condições para esses cataclismas anunciados não continuem a reproduzir-se de forma indisturbada. As denúncias podem chover, mas como as chuvas de verão, elas se cingem à hipócrita pausa - que constituiria apenas um tempo de descanso para os principais atores dessa tragédia americana.

( Fontes: New York Times, imprensa e filmografia americana: V. Michael Moore )


[1] Bowling for Columbine, filme de Michael Moore, em que se denuncia, sob o véu da sátira, a responsabilidade da associação defensora do direito ao uso da arma, presidida na época pelo ator Charlton Heston.

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