segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Hong Kong: por primeira vez, jatos d'água


                      
        Iniciados em junho último, por primeira vez, a polícia de Hong Kong empregou canhões de água, além de bombas de gás lacrimogêneo, contra os manifestantes pró-democracia, em um segundo dia seguido marcado por protestos violentos na ex-colônia britânica.

           É sempre oportuno lembrar que a cidade de Hong Kong, grande centro financeiro na Asia, enfrenta sua maior crise política desde que foi entregue pela Grã-Bretanha à China comunista em 1997. Com carradas de razão, os manifestantes declaram que lutam contra a erosão do modelo "um país, dois sistemas", pactuado na época, e que, por conseguinte, previa expressamente a continuidade das liberdades democráticas que inexistem na China continental.

             M. Sung, um engenheiro de software de 53 anos, declarou que participou de quase todos os protestos, e que pretende continuar atuante.  "Sabemos que esta é a última chance de lutarmos pelo lema "um país, dois sistemas". Do contrário, o Partido Comunista da China vai penetrar na nossa cidade natal e controlar tudo." E "se nos mantivermos fortes, podemos seguir com este movimento por Justiça e Democracia. Não morreremos."

              A Polícia, a soldo do poder chinês, condena veementemente os manifestantes que estão "destruindo o espaço público" (sic), e, persistindo na prática repressiva, prendeu dezenove homens e dez mulheres após os atos de protesto deste sábado, 24 de agosto. No seu obscurantismo repressivo, desde o início das manifestações a norma é prender os que mais protestam, e por isso além de setecentos habitantes de Hong Kong já foram encarcerados.

                 Houve até um segundo protesto, nesse fim de semana, que reuniu centenas de pessoas, incluindo parentes de policiais,e que também foi realizado em outro local da cidade, na tarde deste domingo. Em um primeiro sinal de uma orientação toscamente de intento de divisão, uma mulher que se disse casada com policial, se "juntou ao protesto" ... para declarar seu apoio à polícia...

                  A polícia do território de Hong Kong, regularmente criticada pelos ativistas, tem sido alvo há semanas da ira dos manifestantes. No sábado, essa polícia enfrentou os radicais que ergueram uma barricada no leste de Hong Kong. Tais confrontos marcaram o fim de um relativo período de calma de dez dias.
                    Em consequência, a polícia disparou gás lacrimogêneo e agrediu manifestantes que atiravam pedras e garrafas. Por causa desses confrontos, dez pessoas foram hospitalizadas.

                     Não há negar  que tais protestos na relativamente pequena cidade de Hong Kong constituem um senhor desafio para os líderes do Partido Comunista, sob a orientação continuista e repressiva do novo líder Xi Jinping, cuja admiração por Mao Zedong que em outros períodos recentes fora consideravelmente reduzida, passou novamente às aléias de uma perigosa idolização, dado o profundo pensamento repressivo que presidira à longa predominância desse líder chinês, com consequências que muita vez oscilaram entre o bárbaro, o devastador  e o grotesco.

                     Há semanas, a polícia, esse símbolo da repressão sob o pensamento de Mao Zedong (e hoje de seu fervoroso discípulo Xi) de novo enfrentou os ditos radicais manifestantes, que haviam erguido mais uma barricada no leste de Hong Kong. Tais confrontos, por conseguinte, marcaram o fim de um período de calma de cerca de dez dias. Mas será sempre oportuno ter em mente que, diante da repressão policial, toda calma será sempre ilusória, enquanto houver manifestantes que tenham lúcida e corajosamente bem presente o lema da reunião de 1997 - um país, dois sistemas.

                       Os líderes chineses que, na virada do século, lograram recuperar a velha Hong Kong para o abraço de sua mãe China, pertenciam decerto a outra grei assaz diversa da atual. No entanto, a História, essa velha e caprichosa senhora, preparou uma espécie de journée des dupes para a corrente liberalizante encabeçada pelo então Primeiro Ministro Zhao Ziyang, e já antes prenunciada pelo líder comunista, Hu Yaobang, que trabalhava na então chefia do PCC, em um engajamento por viés mais liberalizante para o comunismo chinês. Caro por isso aos estudantes, a sua morte, ao cabo de longa enfermidade, desencadeara as primeiras manifestações universitárias  que abraçavam a democracia e a lembrança do então já saudoso Hu Yaobang.

                        Quem poderia prever que um obscuro e medíocre chefe de corrente dita conservadora, Li Peng, se prevaleceria naquele momento capital da política chinesa, ao lograr que o dito supremo líder Deng Xiaoping assinasse um editorial no jornal oficial do Partido Comunista, que censurava os estudantes então empenhados em manifestações que convergiam para a Praça da Paz Celestial ?  Tal somente se tornaria uma realidade política porque Zhao Ziyang se achava ausente, como representante oficial da China, nas comemorações da data nacional da Coreia do Norte, presença esta que era indispensável, protocolar e politicamente,  pelos estreitos laços de Beijing com Pnom Penh?

                          Ao assinar, no principal jornal do PCC, Deng precipitava, sem o saber, uma corrente de eventos que afastaria o futuro líder Zhao, com a sua tendencia liberalizante já definida, e condenaria o velho Deng Xiaoping a ser manipulado pelo medíocre, mas oportunista Li Peng. Nunca uma tal ausência - a de Zhao - teria tantas nefastas consequências para a progressão na China, com o massacre dos estudantes e toda a caudal de nefastos resultados negativos. Há, de resto, um pensador argentino, José Ingenieros,  de fins do século passado que frisa com oportunidade a importância dos medíocres na História.  Li Peng é um triste exemplo disso.   

                          O passado - é um dito corrente - tem grande poder sobre a História, e tal pode ser muito acentuado em regimes como o do atual Xi Jinping, em que o autoritarismo prevalece em um isolamento que o torna presa das piores pulsões e tendências. O lema de Hong Kong "um país, dois sistemas" torna-se de progressiva quase impossível implementação, diante do autoritarismo de Xi Jinping - que idoliza o monstro Mao Zedong - e de sua inexorável e inevitável confrontação com a realidade  da pequena cidade de Hong Kong, que no entanto lá abriga importante centro comercial, cuja défaillance traria relevantes prejuízos ao comércio e intercãmbio chinês, como a própria revista Economist tem enfatizado. Daí a preocupação da liderança chinesa e de seus chefetes com ingerência direta no drama em evolução dessa pequena grande cidade que luta pela própria preservação, tanto no aspecto ideológico que presidiu à respectiva reintegração, quanto no seu apreço por uma democracia que inexiste na China Continental.

                         E aí está o principal problema que os corajosos manifestantes da pequena grande  cidade de Hong Kong colocam para os subservientes servidores do atual grande líder, Xi Jinping, que armado do pensamento do seu ídolo Mao Zedong verá com crescente irritação essa atitude pró-liberdade, para ele de todo inadmissível...

( Fontes: O Estado de S. Paulo, Prisoner of the State (The secret Journal of Premier Zhao ZiYang) , Mao - The unknown Story, por Jung Chang e Jon Halliday, de Anchor Books, a division of Random House, Inc., José  Ingenieros   )

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