quinta-feira, 1 de agosto de 2019

Johnson e o Brexit (II)


                                   

           A ameaça do Reino Unido de deixar a União Europeia sem um acordo, repetida por mais de uma vez nos últimos dias pelo Primeiro Ministro Boris Johnson, reavivou o desejo de unificação das Irlandas e pode, por conseguinte, prejudicar  o acordo de paz que pôs um término a três décadas de conflito entre as duas Irlandas, com pelo menos 3600 mortos.  Trazer à baila o tema também teve o efeito colateral de reatiçar o desejo de independência da Escócia.
               Johnson esteve a 31de julho (quarta) na Irlanda do Norte , após visitar a Escócia a 29 (segunda) e o País de Gales a 30 (terça) de julho, com o objetivo de apresentar seus planos para o Brexit, e tentar angariar apoio  dos países  para endurecer as negociações com a União Europeia. Em tal sentido, o premier  se encontrou com os principais  partidos da região para tratar da questão.
                  A presidente do principal partido nacionalista irlandês, o Sinn Fein, fez um alerta ao Primeiro Ministro:  ela convocará  um referendo sobre a reunificação das duas Irlandas, se o Reino Unido deixar a União Europeia sem um acordo. Nesse sentido, Mary Lou McDonald disse, referindo-se aos integrantes do Partido Democrático Unionista, majoritário na comunidade protestante e partidário de um "Brexit duro": "Pedimos que ele não se renda aos unionistas e não se transforme em mensageiro do DUP".
                   É de notar-se que o partido tem dez deputados no Parlamento de Londres, o que permite a Johnson e ao Partido Conservador governarem, sem necessidade de outros  apoios.Essa suposta vantagem, na verdade, complica a questão, e tira a flexibilidade de quem for Primeiro Ministro, como a própria Thereza May já o experimentou. Como já foi referido, ela pensara possível governar com uma maioria própria, e para tanto cometeu o erro de convocar eleições. O resultado para ela só não foi desastroso, porque logrou trazer para recompor a maioria (havendo perdido cadeiras em Westminster) o tal Partido Democrático Unionista. Esse erro, além de custar-lhe a dependência a um partido menor, é agora transferido para o novo Primeiro Ministro Johnson.
                     O Primeiro Ministro, parlamentares eurocéticos e os unionistas irlandeses querem eliminar dos termos do acordo com a UE uma controvertida salvaguarda para evitar a reintrodução de uma "fronteira física" entre a Irlanda, membro da U.E., e a província britânica da Irlanda do Norte.  Para eles,o fim da salvaguarda, chamada de "back-stop", é necessária para o Brexit se consolidar e para o Reino Unido não perder a soberania sobre o território norte-irlandês.
                     Mas a construção de um eventual posto de fronteira seria contrário a um dos pontos-chave do acordo de paz da Sexta-Feira Santa, que pôs fim, em 1998, ao conflito histórico entre os católicos, republicanos e nacionalistas , e os favoráveis à união com o Reino Unido, chamados de unionistas, em sua maioria protestantes.
                         Embora os governos de Dublin e Bruxelas tenham reiterado  que a cláusula irlandesa é "intocável",  o premier Johnson quer suprimi-la e, se não o conseguir, advertiu que retirará seu país do bloco europeu em 31 de outubro próximo vindouro, com ou sem acordo.
                         O Chefe do governo da Irlanda, Leo Varadkar, disse que a questão da unificação da Irlanda e da Irlanda do Norte, governada pelos britânicos inevitavelmente surgiria se o Reino Unido deixasse a União Europeia sem um acordo.  "Elementos de nosso establishment político  nos dizem que agora não é hora de discutir a unidade irlandesa. Eles estão errados. Agora é exatamente o momento certo para discuti-la", disse Varadkar. "O governo precisa começar a planejar a união."
                            No mesmo sentido, os escoceses também avaliam um possível pedido de referendo para decidir sobre sua separação do Reino Unido. Enquanto Inglaterra e País de Gales votaram pela saída do Reino Unido da União Europeia, mais de 60% da Escócia votou para ficar. Na capital, Edimburgo, três em cada quatro habitantes não querem deixar o bloco.
                             O Governo comandado pelo Partido Nacional Escocês (SNP) prevê que o Brexit  deixará os escoceses em média US$ 3.000 por ano mais pobres, acabará com oitenta mil empregos e contaminará o ambiente de negócios por décadas.  Por isso, o sentimento generalizado é o de que o Brexit pode termianr com uma união  de mais de trezentos anos. A líder do SNP, a primeira ministra Nicola Sturgeon, descreve o plano do Brexit como "totalmente caótico" e já afirmou que só vai esperar o desenrolar do processo para convocar o plebiscito.
                             Para  Amanda Sloat, ex-funcionária do Departamento de Estado americano e especialista em Brexit na Brookings Institution, em Washington, a maneira co-mo o processo do Brexit tem sido conduzido facilita a ascensão do discurso separatista. "Tanto norte-irlandeses quanto escoceses votaram para permanecer na União Europeia, e desde que o voto pela saída ganhou, sentem que é o momento de pleitearem a própria saída, por um desejo de se manterem  ligados à Europa", disse Sloat ao Estado.  "No caso da Irlanda do Norte, no entanto, esse processo é perigoso, porque  pode reavivar um sentimento ainda latente e recente de confronto e ódio entre os que defendem a per- manência no Reino Unido e os nacionalistas que querem a unificação com a Irlanda."

( Fonte: O Estado de S. Paulo )

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