domingo, 30 de março de 2014

Colcha de Retalhos B 12

                           

A Comissão da Verdade e a Democracia
 
            Já tem sido objeto desta coluna o quanto difere a reação do estamento político brasileiro no que concerne ao antigo regime militar e  seu legado,  comparada com a de nossos irmãos sul-americanos, notadamente Argentina e Chile. Se a reação no segundo desses países foi mais difícil, dada a maneira da implantação da cruenta ditadura do general Augusto Pinochet, com o tempo as medidas contra os abusos militares  se têm reforçado, como se assinalam na Argentina, desde o Presidente Alfonsin com a sua energia e sobretudo coragem. Daí resulta reação civil e democrática muito mais resoluta.  

           Consoante referido no Folhetim de Fim de Semana, a nota Silêncio dos Militares, relativa à oportuna entrevista de Maria Celina D’Araujo à Folha de S. Paulo, que lança incômoda luz sobre a excessiva cautela da elite dirigente.  No episódio da demissão  do Ministro da Defesa José Viegas, pelo então presidente, devido ao fato  de ter desejado, como lhe era facultado, demitir o Comandante do Exército, por ato de insubordinação. Maria Celina atribui a singular decisão do Presidente Lula da Silva ao seu temor reverencial dos militares.
            Pouquíssimos presidentes na nossa história republicana tiveram a firmeza e a coragem de Epitácio Pessoa (exerceu o cargo de 1919-1922). Começou por designar dois civis para as duas pastas militares da época (Marinha e Exército), e fez frente ,com autoridade republicana, a diversas tentativas revolucionárias no seu agitado triênio. A tal hombridade não estavam os generais e almirantes acostumados desde a quartelada de Deodoro da Fonseca, quando foi derrubada, nas palavras de estadista argentino, a única república sul-americana.

            Para que o estamento dirigente e o poder civil ganhem confiança e o necessário brio, em atitude de que Luiz Inácio Lula da Silva, quando presidente, nos deu o anti-exemplo, como acima evidenciado.  Que tal se Câmara e Senado reconhecerem esse atraso lamentável, e começarem a propedêutica caminhada aprovando emenda constitucional à Constituição Cidadã para que nenhuma obra pública – federal, estadual e municipal – possa levar o nome de presidente não-constitucionalmente eleito.
             Por fraqueza, negligência ou incúria encontramos por esses Brasis afora, e em especial nas suas capitais, demasiados logradouros e obras que homenageiam  militares que se apossaram do poder por via de golpes ou de eleições indiretas e ilegais. Para que atitudes como as de Lula, com o seu temor reverencial possam ser varridas, é mais do que tempo de o Congresso e a elite dirigente fazerem honra às respectivas responsabilidades.

 

A Entrevista de Barack Obama

 
             Foi concedida a David Remnick, diretor da revista New Yorker, entrevista exclusiva do Presidente Barack Obama[1] que se estendeu por viagem dominical do Air Force 1 (avião presidencial) a estados do Pacífico, e que terminou em Washington.       

            Dentre os tópicos versados, Remnick menciona a sua visita (no último verão boreal) ao maior campo de refugiados sírio na Jordânia, quando colheu de muitos deslocados pelo conflito expressões de raiva e consternação pela inação dos Estados Unidos.
           Em conversação posterior, Remnick assinala que perguntou a Obama “se ele se sente perseguido (haunted) pela Síria”. A esse respeito, após frisar que raramente cai a máscara de seu equilíbrio, nesse momento expressão de indignação cruzou o seu semblante. “Eu me sinto assombrado (haunted) pelo que aconteceu, mas não sou assombrado por minha decisão de não engajar os Estados Unidos em outra guerra médio-oriental. É muito difícil imaginar um cenário  em que nosso envolvimento na Síria  teria levado a um resultado melhor, a menos que estivéssemos dispostos  a empreender esforço similar em tamanho e escopo ao que empreendemos no Iraque.”

          Como se sabe, Obama deve em grande parte a sua vitória nas primárias democratas contra Hillary Clinton à sua firme posição contrária à ruinosa guerra do Iraque. A nomination[2] de Hillary, havida antes como certa, ficou no caminho, pelo seu voto favorável à guerra contra Saddam Hussein.

          São compreensíveis, portanto, as razões de Obama para não embarcar em novo conflito. No entanto, ao final do primeiro mandato, ele recebera de parte das mais importantes autoridades no campo da Defesa a recomendação de armar e treinar grupos selecionados de rebeldes sírios. Sem embargo, Obama rejeitou essa sugestão de Hillary Clinton (Secretária do Exterior), Leon Panetta (Departamento da Defesa) e do general David Petraeus, da CIA. No Congresso, teria o apoio do Senador republicano John McCain.

          Na época, o ditador Bashar al-Assad estava em clara desvantagem na guerra civil. Falava-se, inclusive, na iminência de sua queda e fuga, e as implicações do Tribunal Penal Internacional (TPI). Como já vimos este filme, a negativa de Obama resultou na total inação estadunidense, de que resultaram os profusos agradecimentos de Putin, Khamenev (Irã) e Nasrallah (milícia do Hezbollah), sem falar do próprio ditador sírio. O alegado substituto proposto da conferência de paz em Genebra teve o roteiro peculiar dessas reuniões internacionais. Atualmente, a situação sanitária  (V.  poliomielite) e humana (com enormes campos de refugiados), a par da militar (com a reação de al-Assad) e o incremento da participação islâmica radical, todas se afiguram deploráveis. O mais penoso foi o enfraquecimento da Liga Rebelde, que antes estaria próxima da vitória.

             Nesse contexto, o principal erro de Barack Obama foi recusar qualquer ajuda. Recusou a proposta do establishment  da Defesa americana, que propunha um modo flexível de ajudar a Liga Rebelde. Ao negar de plano qualquer auxílio, Obama ficou responsável não só pelo incremento do atoleiro sírio, senão pela reação do campo do ditador. Não surpreenderá, portanto, que demonstre irritação quando colocado diante do subsequente caos na Síria.

 

Paulo Francis e a Petrobrás

 
           Carlos Heitor Cony, de sua coluna semanal na Folha, relembra, com muita oportunidade, a morte de Paulo Francis e  suas causas imediatas.

            Já me ocupei deste assunto no blog, a propósito do excelente documentário de Nelson Hoineff. No seu capítulo final, temos o quadro veraz de uma tragédia anunciada.
            Paulo Francis foi imprudente ao fazer acusação genérica “ao pessoal da cúpula da Petrobrás, que estaria enriquecendo por conta de negócios criminosos relativos à compra de equipamentos na área do petróleo.”

            A propósito, não surpreende que a nota de Cony coloque  em cinco parágrafos  o que é útil e pertinente para o entendimento do leitor. Não foi por acaso, no entanto, que o processo contra ele foi movido no foro de New York. Nesse lance, os diretores da Petrobrás exigiriam dele a sua libra de carne. Valeram-se do poder da estatal para transferi-lo para a justiça americana, como se o programa da Manhattan Connection, falado em português e dirigido para a Rede Globo no Brasil, tivesse algo a ver com os Estados Unidos.
            Como referi, a esse quadro deve ser acrescentada a pairante indiferença do então Presidente, que no depoimento filmado até se pergunta se o diretor da Petrobrás teria retirado a denúncia.

            A angústia provocada pela astronômica indenização a ser cobrada de Paulo Francis pelos advogados nova-iorquinos, contratados pela Petrobrás, completou o cruel trabalho. O coração de Paulo Francis sucumbiu ao stress brutal, mal-atendido (erro de diagnóstico) que foi por médico brasileiro radicado nos States.  

            Na sua cerimônia do adeus para Paulo Francis, o filme de Hoineff ‘Caro Francis’ nos ajuda a entender melhor a impaciência do retratado com a mediocridade humana. Afinal, morreu por causa dela.
 

O Velho Truque do GOP
           
  
             O Partido Republicano é daqueles que não morre de amores pelo Povo. Quando assume o poder, por ora no âmbito estadual [3], logo cuida de dificultar o acesso do povo (leia-se os menos favorecidos, afro-americanos, idosos, latinos, etc.) aos locais de votação. Nesse contexto, estão muitos vivos na memória as infindáveis filas nas seções eleitorais da Flórida e de Ohio, filas essas criadas pelas dificuldades burocráticas impostas às massas que desejavam sufragar políticos que defendam as suas reivindicações.

               Por outro lado, não faz muito, a Suprema Corte (ainda dominada pela corrente conservadora) resolveu com simples penada apagar uma das maiores conquistas democráticas no sentido de submeter os estados sulistas à revisão de suas leis com propósitos antidemocráticos (dificultar o acesso de negros aos postos de votação, por exemplo). Sob o lábil pretexto de que agora o Sul é democrático, foi dispensada a dita revisão.

                Por causa dessa gentileza do Supremo (a maior e impar delas foi decerto a eleição de Bush Júnior pela interrupção da contagem de votos na Flórida que daria o sufrágio indireto daquele estado a Al Gore), vários estados sulistas já estão atualizando as suas leis eleitorais. Nesse contexto, os nervosos republicanos nos estados do Sul (em que a alternância no poder é uma potencial realidade) já preparam leizinhas para dificultar o voto das perigosas minorias.

               Assim, em nove estados, vemos de novo proliferar essa legislação odienta e antidemocrática: além da Carolina do Norte e do Arkansas, no Sul, cabe sinalizar Dakota do Norte, Ohio, Wisconsin, Indiana, Nebraska, Tennessee e Virginia.

 

(Fontes: The New Yorker; Documentário ‘Caro Francis’; Folha de S. Paulo; O Globo; The New York Times)



[1] Entrevista publicada a 27 de janeiro de 2014.
[2] Designação pelo Partido Democrata como candidata à Presidência.
[3] No plano federal, por enquanto, o seu desígnio tem sido contra-arrestado.  Mas o GOP tem muitas ideias nefastas a respeito.

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