domingo, 16 de março de 2014

Colcha de Retalhos B 10




 Eurasianismo é a ideologia do futuro na Rússia?

 

       Timothy Snyder escreve em The New York Review interessante artigo sob o título Fascismo, Rússia e Ucrânia[1]. No contexto, desejo reportar-me em especial acerca de ideologia de direita, autoritária e de cunho fascistóide, de que se ocupa Snyder. Trata-se do Eurasianismo, que seria o instrumento para combater a ‘decadência’ da União Europeia e seus princípios democráticos.
      Não é infelizmente coisa de somenos, como se fosse mais um credo direitista, pregado por algum crackpot (louco manso). A ideologia eurasiana, fundada em 2001, pelo cientista político russo Alexander Dugin,  propõe  a realização do Bolchevismo Nacional. Ao invés de rejeitar ideologias totalitárias, vai colher tudo o que reputa útil no fascismo e no estalinismo. Com efeito, o magnum opus de Dugin – As Fundações da Geopolítica (1997) – segue de perto o pensamento de Carl Schmitt, o principal teórico político do Nazismo.

       Dessarte, o eurasianismo  não é somente  a fonte ideológica  da União Eurasiana (o projeto acalentado por Vladimir Putin), senão o credo de muitos na Administração Putin, e a força motriz em movimento da juventude russa de extrema direita. Nesse contexto, semelha interessante a sinalização de Snyder de que Dugin apoia abertamente a divisão e a colonização da Ucrânia.

      Sem entrar em salpicos de antissemitismo de discípulos de Dugin , como Sergei Glazyev (que coordena no Kremlin as políticas eurasiana e ucraniana!),  a ideologia eurasiana passou para os cuidados de Dmitri Kiselyov, que toca o principal show de opinião , na Russia, que acumula tais funções com a direção do conglomerado estatal da mídia para a formação de opinião.  Kiselyov assumiu a campanha de gospodin Putin contra os direitos dos gays, e a transformou em arma contra a integração europeia. Nesse sentido, de acordo com o ministro do exterior russo, a exploração da política sexual deveria ser uma arma utilizável (open)  na luta contra a ‘decadência’ da U.E.

      Snyder mostra igualmente a tortuosa linha de argumentação da ‘ideologia’ eurasiana, no que tange a ‘confusões’ com o fascismo. Assim, a linha de legitimação moral (sic) do eurasianismo seria a seguinte:  como os representantes do regime Putin se distanciaram do Estalinismo de forma muito seletiva, eles podem ser vistos como ‘confiáveis’ herdeiros da história soviética, e, por isso, como automáticos oponentes dos Nazistas, e por conseguinte da Extrema direita.

        Como Timothy Snyder mostra, nesse tese há muitas falácias, como a aliança Hitler – Stalin às vésperas da II Guerra Mundial, a expulsão dos judeus sobreviventes para a Polônia ocupada pelo nazismo, sem falar da campanha que camarada Stalin preparava contra o judaísmo internacional em 1953 (quando faleceu).

        Tenha-se presente, igualmente, que não é por acaso existirem tantos próximos de Vladimir V. Putin a defenderem o Eurasianismo como política (autoritária) de Estado. Como alguns desses ‘ideólogos’ defendem a colonização da Ucrânia, fica mais fácil de entender as iniciativas de Putin, e o seu desrespeito pelos tratados assinados e a recentíssima invasão da Península da Crimeia, com o escopo de reverter a perda histórica (em 1954) dessa região, que foi na época cedida à República da Ucrânia.

       Não tendo na época nenhum significado em termos políticos e militares – como se sabe, a União Soviética estava muito bem de saúde, e a ‘cessão’ da Crimeia para a Ucrânia nada representava em termos de eventual redução do poder geopolítico e militar da URSS.

        Decorrência direta dessa política imperialista de Putin está na organização do plebiscito na Crimeia, que não sem razão vem sendo declarado como írrito e sem qualquer valor pelo governo ucraniano, assim como por Washington e o Ocidente, notadamente a União Europeia e Berlin.

 

O Plebiscito pró-Russia

 
       Fica de certa maneira mais fácil de entender o caráter reacionário do plebiscito da Crimeia, se tivermos presente a ideologia preconizada por Vladimir Putin, conforme acima referida. O retrocesso favorecido pelo Kremlin não deixará de empestar a atmosfera política e as relações internacionais.

       Putin – que não desdenha métodos violentos e autoritários na política interna – semelha ora inclinado a trazer um pouco desse ar mefítico para as relações externas.  Posto que se deveria assumir a ação na Abkázia e na Ossétia do Sul como indícios em tal sentido, a sua desimportância estratégica terá levado qualificá-los como exceções, e não pelo que efetivamente eram, indícios de um comportamento fora dos pressupostos vigentes.  

       Havendo a Federação Russa vetado a resolução  do Conselho de Segurança das Nações Unidas que declarava ilegal o referendo da Crimeia, a reação do Ocidente se dirigirá para penalizar individualmente os membros sênior do círculo dirigente em torno de V. Putin.

       Por outro lado esse referendo já nasceu ilegal. A alternativa que ele supostamente coloca para o eleitor na Crimeia é falsa. As duas opções são: (a) Está em favor  da reunificação da Crimeia com a Rússia, como parte da Federação Russa ?; e (b) Está em favor de restaurar a Constituição de 1992 e o status da Crimeia como parte da Ucrânia ?

      Essa suposta segunda opção daria à Crimeia a independência da Ucrânia sem ruptura com Kiev, pelo fato de que tal ruptura se tornaria inevitável. E foi justamente por causa dessa falsa opção que o referendo foi declarado ilegal pelo Ocidente.

      Outros elementos no cenário instituído por Putin reforçam a sua ilegalidade. A cínica intervenção militar orquestrada por Moscou, com o envio de tropas russas descaracterizadas, o controle das instalações militares da Crimeia ucraniana, e o acintoso desrespeito ao direito internacional público e ao princípio do pacta sunt servanda (os tratados devem ser honrados).

      Movido por ideologia fascistóide  (V. Eurasianismo), que é uma mixórdia (halfbaked) de elementos autoritários do nazismo e do bolchevismo estalinista, esse retorno do imperialismo reintroduz nas relações internacionais atmosfera deletéria, reminiscente notadamente da insegurança em termos de princípios e de respeito aos direitos dos povos (em especial, os mais fracos) que caracterizara o período de entre-guerra.

      Em meio à deplorável atitude de uma parte dos grupos favoráveis a Moscou – o que relembra uma ‘solução’ preconizada para o problema ucraniano, i.e., a sua colonização pela Rússia – é interessante notar que a juventude da Crimeia (nascida depois da extinção da URSS) privilegia a nacionalidade ucraniana ao invés da russa (preferida pelos mais velhos).
      Dado o seu potencial demográfico, é uma porta aberta para futuro mais promissor que a Ucrânia – como o fez a Polônia – escolha o Ocidente e não as muralhas do Kremlin. E não se trata apenas do aspecto econômico que está em jogo.

      Fica mais fácil entender a pertinácia e a coragem dos manifestantes da Praça Maidan.

 

Nuvens negras sobre o programa das UPPs

      No correr da semana, este blog tratou de questão que muito interessa o domínio da lei no estado do Rio de Janeiro. As ameaças do tráfico contra as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), que é o cerne da política de segurança introduzida pelo Secretário José Mariano Beltrame, se têm exacerbado nas últimas semanas, com uma série de assassínios de policiais militares empenhados nesse trabalho.

       A resposta do Governo Sérgio Cabral e do próprio Secretário de Segurança tem sido firme, com a acentuada utilização do batalhão de elite da PM, o BOPE, para criar condições de que essa política não constitua apenas um interregno, mas que se crie uma situação efetiva para a normalização das condições de vida de largos segmentos  da população, mantidos à margem ou o que é pior, sob o domínio do tráfico e da ilegalidade, por tantos anos. Daí, o júbilo que acolhera a operação conjunta dos FFAA e Polícia Militar, que levou ao desmantelamento do tráfico no Complexo do Alemão, e a que me referi no correr desta semana.

       Estamos, no entanto, às vésperas de eleições no Rio de Janeiro. O mandato do Governador Sérgio Cabral se aproxima de seu término – e, por conseguinte, a presença à testa da Secretaria de Segurança do Secretário José Mariano Beltrame.  Se for eleito o candidato preconizado por Sérgio Cabral – o Vice-Governador Luis Fernando de Souza, o Pezão – dentre as muitas dúvidas acerca do futuro, a continuação do Secretário de Segurança Beltrame – que é o condutor e o garante do plano de pacificação atualmente em aplicação – deixaria de ser possibilidade para constituir uma probabilidade.

      No que tange aos demais pré-candidatos ao governo – notadamente Lindbergh Farias, do PT e Garotinho, do PR – quaisquer objeções que se façam à administração Cabral, elas se dissipam se a sociedade fluminense obtiver a garantia da eventual permanência do Delegado Federal José Mariano Beltrame, no caso da eleição do candidato Pezão.

      O jovem senador Lindbergh tem feito em sua pré-propaganda eleitoral (veiculada pela tevê) muitos reparos e dúvidas sobre o programa de pacificação. Há indicações de transformações no dito programa que trazem à baila antigas situações de descontrole e de demagogia, que a gestão de Beltrame tem trabalhado, com firmeza e coerência, pela defesa e sustentação da pacificação, dentro dos princípios enunciados desde o início do programa.

      Infelizmente, não é o momento de experimentos e de modificações em programas que têm o apoio da população diretamente interessada, e a par disso, a indicação de uma firmeza de propósitos, longe da demagogia e dos novéis experimentos.

     

(Fontes: Timothy Snyder, New York Review of Books, The New York Times, O Globo, Rede Globo)




[1] Timothy Snyder, Fascism, Russia and Ukraine, The New York Review of Books, 20 de março, 2014.

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