A Comissão da Verdade e a Democracia
Já tem sido objeto desta coluna
o quanto difere a reação do estamento político brasileiro no que concerne ao
antigo regime militar e
seu legado,
comparada com a de nossos irmãos
sul-americanos, notadamente Argentina e Chile. Se a reação no segundo desses
países foi mais difícil, dada a maneira da implantação da cruenta ditadura do
general Augusto Pinochet, com o tempo as medidas contra os abusos militares
se têm reforçado, como se assinalam na
Argentina, desde o Presidente Alfonsin com a sua energia e sobretudo coragem.
Daí resulta reação civil e democrática muito mais resoluta.
Consoante referido no Folhetim de Fim de Semana, a nota Silêncio
dos Militares, relativa à oportuna entrevista de Maria Celina D’Araujo à Folha de S. Paulo, que lança incômoda luz
sobre a excessiva cautela da elite dirigente.
No episódio da demissão do Ministro
da Defesa José Viegas, pelo então presidente, devido ao fato de ter desejado, como lhe era facultado,
demitir o Comandante do Exército, por ato de insubordinação. Maria Celina
atribui a singular decisão do Presidente Lula da Silva ao seu temor reverencial
dos militares.
Pouquíssimos presidentes na nossa história republicana tiveram a firmeza
e a coragem de
Epitácio Pessoa (exerceu o cargo de 1919-1922). Começou por
designar dois civis para as duas pastas militares da época (Marinha e
Exército), e fez frente ,com autoridade republicana, a diversas tentativas revolucionárias
no seu agitado triênio. A tal hombridade não estavam os generais e almirantes
acostumados desde a quartelada de
Deodoro da Fonseca, quando foi derrubada, nas
palavras de estadista argentino, a única república sul-americana.
Para que o
estamento dirigente e o poder civil ganhem confiança e o necessário brio, em
atitude de que Luiz Inácio Lula da Silva, quando presidente, nos deu o
anti-exemplo, como acima evidenciado. Que
tal se Câmara e Senado reconhecerem esse atraso lamentável, e começarem a propedêutica
caminhada aprovando emenda constitucional à Constituição Cidadã para que
nenhuma obra pública – federal, estadual e municipal – possa levar o nome de
presidente não-constitucionalmente eleito.
Por
fraqueza, negligência ou incúria encontramos por esses Brasis afora, e em
especial nas suas capitais, demasiados logradouros e obras que homenageiam
militares que se apossaram do poder por via de
golpes ou de eleições indiretas e ilegais. Para que atitudes como as de Lula,
com o seu temor reverencial possam ser varridas, é mais do que tempo de o
Congresso e a elite dirigente fazerem honra às respectivas responsabilidades.
A Entrevista de Barack Obama
Foi
concedida a
David Remnick, diretor da
revista
New Yorker, entrevista exclusiva
do
Presidente Barack Obama que se estendeu
por viagem dominical do Air Force 1 (avião presidencial) a estados do Pacífico,
e que terminou em Washington.
Dentre os
tópicos versados, Remnick menciona a sua visita (no último verão boreal) ao
maior campo de refugiados sírio na Jordânia, quando colheu de muitos deslocados
pelo conflito expressões de raiva e consternação pela inação dos Estados
Unidos.
Em conversação posterior, Remnick assinala que
perguntou a Obama “se ele se sente perseguido (
haunted) pela Síria”. A esse respeito, após frisar que raramente
cai a máscara de seu equilíbrio, nesse momento expressão de indignação cruzou o
seu semblante. “Eu me sinto assombrado (
haunted)
pelo que aconteceu, mas não sou assombrado por minha decisão de não engajar os
Estados Unidos em outra guerra médio-oriental. É muito difícil imaginar um
cenário
em que nosso envolvimento na
Síria
teria levado a um resultado
melhor, a menos que estivéssemos dispostos
a empreender esforço similar em tamanho e escopo ao que empreendemos no
Iraque.”
Como
se sabe, Obama deve em grande parte a sua vitória nas primárias democratas
contra
Hillary Clinton à sua firme posição contrária à ruinosa guerra do
Iraque. A
nomination de
Hillary, havida antes como certa, ficou no caminho, pelo seu voto favorável à
guerra contra Saddam Hussein.
São
compreensíveis, portanto, as razões de Obama para não embarcar em novo
conflito. No entanto, ao final do primeiro mandato, ele recebera de parte das
mais importantes autoridades no campo da Defesa a recomendação de armar e
treinar grupos selecionados de rebeldes sírios. Sem embargo, Obama rejeitou
essa sugestão de Hillary Clinton (Secretária do Exterior), Leon Panetta (Departamento da Defesa) e
do general David Petraeus, da CIA. No Congresso, teria o apoio do Senador republicano John
McCain.
Na época, o
ditador Bashar al-Assad estava em clara desvantagem na guerra civil.
Falava-se, inclusive, na iminência de sua queda e fuga, e as implicações do
Tribunal Penal Internacional (TPI). Como já vimos este filme, a negativa de
Obama resultou na total inação estadunidense, de que resultaram os profusos
agradecimentos de Putin, Khamenev (Irã) e Nasrallah (milícia do Hezbollah), sem
falar do próprio ditador sírio. O alegado substituto proposto da conferência de
paz em Genebra teve o roteiro peculiar dessas reuniões internacionais.
Atualmente, a situação sanitária (V. poliomielite) e humana (com enormes campos
de refugiados), a par da militar (com a reação de al-Assad) e o incremento da
participação islâmica radical, todas se afiguram deploráveis. O mais penoso foi
o enfraquecimento da Liga Rebelde, que antes estaria próxima da vitória.
Nesse
contexto, o principal erro de Barack Obama foi recusar qualquer ajuda. Recusou
a proposta do establishment da Defesa americana, que propunha um modo
flexível de ajudar a Liga Rebelde. Ao negar de plano qualquer auxílio, Obama
ficou responsável não só pelo incremento do atoleiro sírio, senão pela reação
do campo do ditador. Não surpreenderá, portanto, que demonstre irritação quando
colocado diante do subsequente caos na Síria.
Paulo Francis e a Petrobrás
Carlos Heitor
Cony, de sua coluna semanal na
Folha,
relembra, com muita oportunidade, a morte de
Paulo Francis e
suas causas imediatas.
Já me
ocupei deste assunto no blog, a propósito do excelente documentário de Nelson
Hoineff. No seu capítulo final, temos o quadro veraz de uma tragédia anunciada.
Paulo Francis
foi imprudente ao fazer acusação genérica “ao pessoal da cúpula da Petrobrás,
que estaria enriquecendo por conta de negócios criminosos relativos à compra de
equipamentos na área do petróleo.”
A
propósito, não surpreende que a nota de Cony coloque em cinco parágrafos o que é útil e pertinente para o entendimento
do leitor. Não foi por acaso, no entanto, que o processo contra ele foi movido
no foro de New York. Nesse lance, os diretores da Petrobrás exigiriam dele a
sua libra de carne. Valeram-se do poder da estatal para transferi-lo para a
justiça americana, como se o programa da Manhattan
Connection, falado em português e dirigido para a Rede Globo no Brasil,
tivesse algo a ver com os Estados Unidos.
Como
referi, a esse quadro deve ser acrescentada a pairante indiferença do então
Presidente, que no depoimento filmado até se pergunta se o diretor da Petrobrás
teria retirado a denúncia.
A angústia
provocada pela astronômica indenização a ser cobrada de Paulo Francis pelos
advogados nova-iorquinos, contratados pela Petrobrás, completou o cruel
trabalho. O coração de Paulo Francis sucumbiu ao stress brutal, mal-atendido (erro de diagnóstico) que foi por
médico brasileiro radicado nos States.
Na sua cerimônia do adeus para Paulo Francis,
o filme de Hoineff ‘Caro Francis’ nos ajuda a entender melhor a
impaciência do retratado com a mediocridade humana. Afinal, morreu por causa
dela.
O Velho Truque do GOP
O
Partido Republicano é daqueles que não morre de amores pelo Povo. Quando assume
o poder, por ora no âmbito estadual
,
logo cuida de dificultar o acesso do povo (leia-se os menos favorecidos,
afro-americanos, idosos, latinos, etc.) aos locais de votação. Nesse contexto,
estão muitos vivos na memória as infindáveis filas nas seções eleitorais da
Flórida e de Ohio, filas essas criadas pelas dificuldades burocráticas impostas
às massas que desejavam sufragar políticos que defendam as suas reivindicações.
Por
outro lado, não faz muito, a Suprema Corte (ainda dominada pela corrente
conservadora) resolveu com simples penada apagar uma das maiores conquistas
democráticas no sentido de submeter os estados sulistas à revisão de suas leis
com propósitos antidemocráticos (dificultar o acesso de negros aos postos de
votação, por exemplo). Sob o lábil pretexto de que agora o Sul é democrático,
foi dispensada a dita revisão.
Por
causa dessa gentileza do Supremo (a maior e impar delas foi decerto a eleição
de Bush Júnior pela interrupção da contagem de votos na Flórida que daria o
sufrágio indireto daquele estado a Al Gore), vários estados sulistas já estão atualizando as suas leis eleitorais.
Nesse contexto, os nervosos republicanos nos estados do Sul (em que a
alternância no poder é uma potencial realidade) já preparam leizinhas para
dificultar o voto das perigosas minorias.
Assim,
em nove estados, vemos de novo proliferar essa legislação odienta e antidemocrática:
além da Carolina do Norte e do Arkansas, no Sul, cabe sinalizar Dakota do
Norte, Ohio, Wisconsin, Indiana, Nebraska, Tennessee e Virginia.
(Fontes: The New
Yorker; Documentário ‘Caro Francis’; Folha de S. Paulo; O Globo; The New York
Times)