quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Que Falta ele vai fazer !

                           

        A operação mitigar as penas do Mensalão (Ação Penal 470), a cargo do governo petista, não é necessariamente imediata, mas funciona através da caneta de D. Dilma, que escolhe a dedo os ministros que caem na compulsória e que integravam a maioria favorável à condenação dos réus denunciados pelo Ministério Público.

        Um dos indícios do subdesenvolvimento do poder legislativo – no caso, o Senado Federal – é o não-exercício de sua prerrogativa de examinar, de maneira séria, as indicações do Poder Executivo. Talvez a mais acachapante (e vergonhosa) demonstração desta omissão está no fato de que em toda a história do exame pela Câmara Alta apenas uma única vez ela deixou de carimbar a proposta presidencial. Precisou que Floriano Peixoto indicasse um médico para o Supremo para que o Senado recusasse...

        A não-recusa das mensagens do Planalto neste aspecto traduz pelo menos dois vícios básicos: (a) o exame perfunctório da proposta, que é, em geral, atendido em um dia, a quarta-feira, o único dia em que as duas câmaras trabalham a pleno vapor; e (b) a disposição para assentir, mesmo que haja dúvidas e até certezas quanto a inadequação do candidato.

        Essa disfunção se reflete tanto na qualidade dos membros, quanto na sua confiabilidade. A Comissão do Senado chega a aceitar eventuais compromissos dos membros propostos, fingindo acreditar na sua validade, uma vez que o interessado haja sido aprovado pelo plenário.

        A timidez do Senado reflete a incapacidade de assumir, em plenitude, as próprias funções. O posto de Ministro do Supremo é demasiado importante para que os candidatos do Executivo sejam aprovados em comissão, após questionamento que nunca se estende além de uma jornada, e costuma dirimir eventuais dúvidas sobre supostos compromissos do candidato.

         Terei orgulho do Senado Federal quando ele cumprir o seu dever constitucional de examinar em profundidade as qualificações e as ideias do candidato a posto vitalício na Corte Suprema. Nada feito de afogadilho  poderá evitar o ingresso de ministros cujos títulos e curriculum vitae não se coadunem com a alta missão que lhes é confiada.

         Esses pensamentos – que desejava fossem introdutórios – se estenderam um pouco além. No entanto, a peripeteia[1] que assistimos na Ação Penal 470 é reflexo da sua extensão. Vários membros que formavam a corte caíram na compulsória, dando ao governo petista a oportunidade de indicar outros juízes que teriam pareceres diversos sobre as condenações.

         Nada disso ocorreu por acaso. Assim, o núcleo duro do STF logrou no país em que nada é para valer condenar um número importante de políticos e caudatários no caso do Mensalão.

         No entanto, a admissão dos chamados recursos infringentes pelo Ministro Celso de Mello abriu porta para a revisão de algumas penas, inclusive a do crime de formação de quadrilha. Voto de juiz não se discute, mas os recursos infringentes, além de serem resquício de processos do passado, estavam dormentes no Supremo, e para muitos magistrados não se aplicariam em uma única corte, sendo válidos apenas quando o réu tivesse pelo menos quatro votos favoráveis em uma corte inferior, o que lhe permitiria o recurso na superior.  Embora tal não seja o caso, como no Brasil, além da multiplicação dos pães temos igualmente a dos recursos, ei-lo que surgiu no julgamento do Mensalão, e logo pelo voto de Minerva do decano da Corte (que está na maioria dos que condenaram os réus do processo da A.P. 470).

          Não é à toa que o Ministro Joaquim Barbosa tem alto grau de aprovação pela opinião pública. É sempre gratificante deparar alguém que diz o que pensa, máxime nesse grande julgamento, em que tantos no país da impunidade foram parar na cadeia.

          Como se esperava, apesar de todos os rodeios, o Ministro Luis Roberto Barroso votou a favor dos réus. Segundo ele, não houve formação de quadrilha. Ganhou o direito a uma observação do Presidente Joaquim Barbosa: “Agora Vossa Excelência (Barroso) chega aqui com uma fórmula prontinha, proclamando inclusive o resultado do julgamento.(...) Sua decisão não é técnica, é simplesmente política.”

           Antes de ser conduzido ao STF – como recorda Marcelo Coelho – escreveu artigo  que “o julgamento do mensalão (...) era um ‘ponto fora da curva’. Primeiro, porque políticos raramente são condenados no Brasil.Segundo, porque a severidade das penas foi fora do normal. Barroso deu a entender que a corte exagerou para evitar a prescrição. (...) A suposição de Barroso era razoável.  (...) Calculou (então) numa hipótese teórica, a pena ‘real’ que os acusados deveriam receber (...) Concluíu então que o caso da quadrilha estava prescrito. (...) Era contra a condenação, mas não quis repetir a tese mais simples e impopular, de que não houve quadrilha.”

           E a conclusão do artigo de Marcelo Coelho me parece incontestável: “Foi ele (Barroso), na verdade, o ‘ponto fora da curva’. Na prática, dava no mesmo: livram-se os réus do crime de quadrilha. Mas não se livrou Barroso da opinião que de fato tinha a esse respeito.”

           Assim, marcham muitas coisas no Brasil: depressa e de afogadilho, como se a decisão devesse ser tomada logo e a quente (caso do Senado); devagar, muito devagar, com expedientes e recursos, tanto factuais quanto processuais. Em ambos os casos, será sempre o do ponto dentro da curva. Tanto lá, quanto cá se garante que, de alguma forma, o poder se faça respeitar. E malgrado as impressões de mudança – parafraseando  Giuseppe di  Lampedusa[2] – é preciso que tudo mude para que tudo continue como está...    

 

(Fonte: Folha de S. Paulo)       



[1] Vocábulo do grego clássico que significa, entre outros, virar de cabeça para baixo.
[2] Na obra prima ‘O Leopardo’.
 

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