A operação mitigar as penas do
Mensalão (Ação Penal 470), a cargo do governo petista, não é necessariamente
imediata, mas funciona através da caneta de D. Dilma, que escolhe a dedo os
ministros que caem na compulsória e que integravam a maioria favorável à
condenação dos réus denunciados pelo Ministério Público.
Um dos
indícios do subdesenvolvimento do poder legislativo – no caso, o Senado Federal
– é o não-exercício de sua prerrogativa de examinar, de maneira séria, as
indicações do Poder Executivo. Talvez a mais acachapante (e vergonhosa)
demonstração desta omissão está no fato de que em toda a história do exame pela
Câmara Alta apenas uma única vez ela deixou de carimbar a proposta
presidencial. Precisou que Floriano Peixoto indicasse um médico para o Supremo
para que o Senado recusasse...
A não-recusa
das mensagens do Planalto neste aspecto traduz pelo menos dois vícios básicos:
(a) o exame perfunctório da proposta, que é, em geral, atendido em um dia, a
quarta-feira, o único dia em que as duas câmaras trabalham a pleno vapor; e (b)
a disposição para assentir, mesmo que haja dúvidas e até certezas quanto a
inadequação do candidato.
Essa disfunção
se reflete tanto na qualidade dos membros, quanto na sua confiabilidade. A
Comissão do Senado chega a aceitar eventuais compromissos dos membros
propostos, fingindo acreditar na sua validade, uma vez que o interessado haja
sido aprovado pelo plenário.
A timidez do
Senado reflete a incapacidade de assumir, em plenitude, as próprias funções. O
posto de Ministro do Supremo é demasiado importante para que os candidatos do
Executivo sejam aprovados em comissão, após questionamento que nunca se estende
além de uma jornada, e costuma dirimir eventuais dúvidas sobre supostos
compromissos do candidato.
Terei orgulho
do Senado Federal quando ele cumprir o seu dever constitucional de examinar em
profundidade as qualificações e as ideias do candidato a posto vitalício na
Corte Suprema. Nada feito de afogadilho
poderá evitar o ingresso de ministros cujos títulos e curriculum vitae não se coadunem com a
alta missão que lhes é confiada.
Esses
pensamentos – que desejava fossem introdutórios – se estenderam um pouco além.
No entanto, a peripeteia[1] que assistimos na
Ação Penal 470 é reflexo da sua extensão. Vários membros que formavam a corte
caíram na compulsória, dando ao governo petista a oportunidade de indicar
outros juízes que teriam pareceres diversos sobre as condenações.
Nada disso
ocorreu por acaso. Assim, o núcleo duro do STF logrou no país em que nada é
para valer condenar um número importante de políticos e caudatários no caso do
Mensalão.
No entanto, a
admissão dos chamados recursos infringentes pelo Ministro Celso de Mello abriu
porta para a revisão de algumas penas, inclusive a do crime de formação de
quadrilha. Voto de juiz não se discute, mas os recursos infringentes, além de
serem resquício de processos do passado, estavam dormentes no Supremo, e para
muitos magistrados não se aplicariam em uma única corte, sendo válidos apenas
quando o réu tivesse pelo menos quatro votos favoráveis em uma corte inferior,
o que lhe permitiria o recurso na superior.
Embora tal não seja o caso, como no Brasil, além da multiplicação dos
pães temos igualmente a dos recursos, ei-lo que surgiu no julgamento do
Mensalão, e logo pelo voto de Minerva do decano da Corte (que está na maioria
dos que condenaram os réus do processo da A.P. 470).
Não é à toa
que o Ministro Joaquim Barbosa tem alto grau de aprovação pela opinião pública.
É sempre gratificante deparar alguém que diz o que pensa, máxime nesse grande julgamento,
em que tantos no país da impunidade foram parar na cadeia.
Como se esperava,
apesar de todos os rodeios, o Ministro Luis Roberto Barroso votou a favor dos
réus. Segundo ele, não houve formação de quadrilha. Ganhou o direito a uma
observação do Presidente Joaquim Barbosa: “Agora Vossa Excelência (Barroso)
chega aqui com uma fórmula prontinha, proclamando inclusive o resultado do
julgamento.(...) Sua decisão não é técnica, é simplesmente política.”
Antes de
ser conduzido ao STF – como recorda Marcelo Coelho – escreveu artigo que “o julgamento do mensalão (...) era um
‘ponto fora da curva’. Primeiro, porque políticos raramente são condenados no
Brasil.Segundo, porque a severidade das penas foi fora do normal. Barroso deu a
entender que a corte exagerou para evitar a prescrição. (...) A suposição de
Barroso era razoável. (...) Calculou
(então) numa hipótese teórica, a pena ‘real’ que os acusados deveriam receber
(...) Concluíu então que o caso da quadrilha estava prescrito. (...) Era contra
a condenação, mas não quis repetir a tese mais simples e impopular, de que não
houve quadrilha.”
E a
conclusão do artigo de Marcelo Coelho me parece incontestável: “Foi ele
(Barroso), na verdade, o ‘ponto fora da curva’. Na prática, dava no mesmo:
livram-se os réus do crime de quadrilha. Mas não se livrou Barroso da opinião
que de fato tinha a esse respeito.”
Assim, marcham muitas coisas no Brasil:
depressa e de afogadilho, como se a decisão devesse ser tomada logo e a quente
(caso do Senado); devagar, muito devagar, com expedientes e recursos, tanto
factuais quanto processuais. Em ambos os casos, será sempre o do ponto dentro da curva. Tanto lá, quanto cá se
garante que, de alguma forma, o poder se faça respeitar. E malgrado as
impressões de mudança – parafraseando Giuseppe di Lampedusa[2] – é preciso que tudo mude para que tudo
continue como está...
(Fonte: Folha de S.
Paulo)
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