Vitória da revolução na Ucrânia
A 21 de
fevereiro, ainda presidente da Ucrânia. Hoje, destituído do cargo, todo o esquema de poder de Yanukovych caiu como um
castelo de cartas. Assinale-se, por oportuno, que Viktor Yanukovych passou a
ter o dúbio laurel de haver sido por duas vezes escorraçado por seus compatriotas
do Palácio Presidencial (na primeira vez, pela chamada Revolução Laranja, em 2004/2005). Tanto o Palácio, quanto a Residência oficial
foram abandonados, e estão hoje sob os cuidados de milícias armadas. A Polícia
de Choque – que tanto mal fez aos manifestantes – sumiu, enquanto a outra
polícia coopera com os revolucionários. As atitudes de Yanukovych – homem estreitamente
ligado à Federação Russa e que nesta hora fala russo ao invés de ucraniano –
não são de bom augúrio para a Ucrânia, eis que a Rússia vê com desconfiança o
desenlace da crise. Muito dependerá da firmeza da nova aliança nacional,
inclusive no que tange a trazer de volta ao aprisco os governadores mais
arredios da parte oriental (dita pró-Rússia) do país.
Se se
especulara a princípio que o ex-presidente Yanukovych, sentindo desfazer-se o próprio esquema de
sustentação, teria tentado refugiar-se na Rússia – e que existiria mesmo esquema
de fuga propiciado pelo governo de Vladimir
Putin – esta carta do deposto presidente reflete a influência do Kremlin, ora perdida com a queda de
Yanukovych. Não é de esquecer-se que tudo começou com a repentina troca de
alianças por Yanukovych, que, às vésperas da assinatura do Acordo de Cooperação
com a União Europeia, em Vilnius, na Lituânia,
de forma inopinada e mesmo ofensiva enjeitou o dito Acordo e indicou a
sua intenção de subscrever compromisso com o Kremlin, pela qual iria aderir à União Aduaneira, impingida por
Vladimir Putin aos seus vizinhos e ex-repúblicas da defunta União Soviética.
Bem sabemos no
que deu esse gesto canhestro. Começaram
em novembro as manifestações de protesto na Praça
Maidan, que apesar de toda a resistência e repressão só cresceram durante
os meses seguintes, dada a pertinácia das manifestações e a sua negação de
acatar a brutal tentativa do presidente em contrariar a escolha do povo pela
Europa Ocidental.
Viktor
Yanukovych subestimou a importância para os ucranianos de um acordo de
associação com Bruxelas, e as oportunidades que abriria para a Ucrânia, como o
demonstrara a vizinha Polônia. O seu erro de julgamento lhe seria fatal, eis
que os manifestantes se apossaram do centro da cidade em fins de novembro, e
desde então todo o equilibrismo do presidente, e as suas repetidas tentativas
de virar a página, não tiveram êxito.
De uma
posição de fraqueza, os manifestantes pela respectiva resolução viraram pedra
no caminho de Yanukovych. Na sua última tentativa de desfazer-se da multidão
que se apossara da Praça da Independência – e de outros edifícios públicos – o
presidente erraria feio, ao apelar para atiradores chamados de elite e munição
letal, para um banho de sangue, com cerca de oitenta mortos.
Afinal veio
a intervenção política europeia - que,
entrementes, tardara demasiado na vocalização do apoio ao povo ucraniano - na
pessoa dos ministros do exterior da França, da Alemanha e da Polônia. O presidente cedeu e a situação se transformou
rapidamente. Como primeira peça a cair, o
ministro do Interior Vitaly
Zakharchenko foi exonerado por decreto do Parlamento, por sua
responsabilidade pelo massacre da véspera.
O progressivo
e já acelerado enfraquecimento de Yanukovych leva a que muitos deputados do Partido das Regiões – a base política do
Presidente – abandonem o navio
presidencial. Assim, o processo revolucionário retira significado de concessões
anteriores de Yanukovych (volta da Constituição de 2004, com a redução dos
poderes presidenciais), que se tornam irremediavelmente defasadas. Daí, na
dinâmica do esvaziamento do presidente, sucedeu-se o decreto parlamentar determinando
a libertação de sua principal adversária política, a quem Yanukovych lograra
fazer condenar a sete anos de prisão.
Terá sido a
gota d’água para Viktor F. Yanukovych.
A própria Russia – que há pouco
ainda fazia declarações arrogantes em apoio ao fiel aliado, por intermédio do
Primeiro Ministro Dmitri Medvedev –
preferiu não associar-se ao acordo em que o presidente mantinha o cargo, posto
que diminuído. Tampouco nesse pós-Yanukovych não está esclarecido ainda o que
houve em termos da fuga do ex-presidente para a sua protetora, a Federação
Russa. Terá falhado o esquema de transporte a cargo da Rússia? De qualquer
forma, de presidente da Ucrânia ei-lo refugiado em Kharkiv, com o palácio já
ocupado, nos seus principais pontos, pelas forças revolucionárias.
Entrementes, Yulia Timoshenko, liberta do hospital penitenciário na manhã deste
sábado, ressurge como a verdadeira nêmesis que é de Viktor F.
Yanukovych. A Tymoshenko, alquebrada e demonstrando saúde precária – não é
brincadeira arrostar as prisões da Ucrânia, após o processo encomendado e
dentro das ignóbeis normas do judicialismo político, da marca de Vladimir Putin,
em que a política da trança camponesa foi condenada, como Jacó, a sete anos de
prisão.
Apesar
de que a Alta Corte Europeia de Direitos Humanos pronunciara como politicamente
motivada a condenação da Timoshenko, e malgrado todo o empenho da autoridade
comunitária e da própria Chanceler Angela
Merkel, em retirar do lazareto de Kharkov a prisioneira, para tratamento da
coluna, Yanukovych nunca mostrou grandeza.Seu currículo registra duas prisões
na juventude por assalto .Sempre optou por eludir as intercessões, prometendo considerá-las. Na verdade, as
colocava na gaveta, movido sobretudo pelo seu temor de enfrentá-la em novas eleições.
Nada
mais simbólico, portanto, da inelutável vitória da justiça, que o fato de a
multidão de manifestantes na Praça da Independência em Kiev ouvir e aplaudir o
discurso da afinal liberta, Yulia Timoshenko, por fim fora da iníqua prisão. No pedestal do
monumento de Maidan, a voz continua
firme, mas não se pode deixar de notar que ela está em cadeira de rodas, os
cabelos não estão tão louros quanto antes, e a fisionomia mais que o cansaço
marca os intermináveis dias de um cárcere duro e impiedoso, com o tratamento
deficiente a alguém que tem problemas na coluna, problemas esses que o atraso e
a falta de apoio médico terão decerto agravado.
Nem todos
os circunstantes seriam seus partidários, mas as condições em que se dava a sua
presença, toda a injustiça e iniquidade que a própria fisionomia não pode
ocultar, junto com a férrea vontade, ela não pode deixar de significar tanto a
firmeza inabalável de sua disposição, quanto a fragilidade que Yanukovych não
logrou quebrar. Não surpreende, decerto, que seja calorosamente acolhida por
aquele público duro e empedernido não só pela intempérie, como pela longa
batalha contra o tirano Yanukovych. Não surpreendem tampouco os gritos de Yulia, Yulia! Enquanto ela faz conhecer a seus compatriotas a
intenção de concorrer no pleito a ser organizado em função da exoneração
do Presidente revel, de que o Parlamento da Ucrânia votara a destituição.
Grande
parte das maquinações de Yanukovych buscavam obstaculizar o avanço de sua
adversária política. Para tanto, não teve quaisquer escrúpulos em montar um
juízo politicamente motivado para mantê-la nas masmorras do interior da
Ucrânia, de modo a que a Timoshenko não pudesse pôr em perigo os seus planos de
reeleição.
A sua
atuação política relembra a de um corredor que cuida sempre pelo espelho
retrovisor da posição de sua rival.
Apesar de dizer o contrário, Yanukovych jamais pensaria em libertá-la e
por causa disso contrariou, entre outros, a Angela Merkel.
Ao
encetar a sua fuga – que evoca, de certa maneira, a tentativa de Luís XVI de
partir com a família real no caminho de Varennes (onde o esperava destacamento
do exército austríaco) para escapar da Convenção e de sua situação de rei não
mais absoluto – Viktor Yanukovych terá pensado acaso na peripeteia de ver-se
transformado em fugitivo, enquanto a sua nêmesis, Yulia Timoshenko, está de
volta a Kiev, para disputar pelo voto do Povo a presidência da república?
É justo, portanto, que a
Timoshenko encarne a nêmesis para Viktor Yanukovych. No futuro, ela há de superar essa
circunstância contingente. Mas no momento, não poderia haver mensagem mais alvissareira, em se falando da força da
justiça e da fraqueza do mal.
Repressão na Venezuela
Ao contrário da
laudatória Argentina de Cristina Kirchner,
o governo Dilma Rousseff tem
mantido alguma distância do governo Nicolas
Maduro, evitando adentrar questões internas da Venezuela. O único
escorregão foi assinar embaixo do comunicado do Mercosul que verberou ações
criminosas da Oposição. Não à toa esse cochilo causou mal-estar em
diplomatas brasileiros.
O líder
oposicionista Leopoldo López continua preso. A justiça venezuelana, que é um
braço do chavismo, decretou-lhe a prisão preventiva por 45 dias. Por sua vez, o
também chavista Ministério Público já preparou o libelo com pena de dez anos de
prisão. A severidade na Justiça quando só funciona em um sentido é mais do que
sinal, e sim confirmação do caráter meta-ditatorial do regime. Quanto três aos
manifestantes mortos pelos ignóbeis colectivos chavistas – que não passam de
milícias estipendiadas pelo Estado – nenhuma palavra e nenhuma ação (sequer a
da jovem miss estupidamente abatida
com um tiro na cabeça). Que se deseje
penalizar uma ação política – além das dúbias acusações sobre o seu pretenso
envolvimento – já fornece pesado indício da melancólica realidade nas condições
do debate político na Venezuela, assim como do endurecimento do regime.
Querer negar
gasolina à oposição é ainda descer mais o nível. O que Maduro deveria fazer é
governar em atmosfera de liberdade e de defesa do direito de opinião. Desejar
sufocá-lo por medidas como negação de autorização para importar papel de
imprensa – além de atenazar os veículos de opinião – mostra que o regime atual
está mais preocupado em arrochar o diálogo e a expressão de opiniões
divergentes, do que manter fachadas democráticas.
Prevalecer-se
do poder constituído para sufocar a liberdade da oposição nada tem a ver com
democracia. Em se tratando de governo canhestro e violento, a coisa deve piorar
ainda mais, porque as causas das divergências continuam (desabastecimento,
inflação galopante, violência dos coletivos chavistas, etc.etc.) e não será por
negar-lhes a existência e partir para a intimidação generalizada que tais
problemas sóem ser resolvidos.
Uma das
eficiências do regime chavista está na construção de um aparato repressor que
visa à manutenção, pela violência, fraude ou ambas misturadas, do próprio
monstrengo que o coronel Hugo Chávez Frias deixou como legado para a Venezuela.
Isso explica a prepotência de Maduro. Não sendo comparável ao antecessor em termos de capacidade política de lidar com
os desafios presentes, fica mais fácil de entender a institucionalização da
fraude, que serviria como espécie de sistema de segurança para a manutenção do
chavismo.
Apesar de
dominarem o Judiciário, o Ministério Público, e, por via das apurações (no
velho estilo mexicano) assegurar o predomínio no Executivo e Legislativo, o zeloso aparato chavista confunde oposição
com subversão.
É lamentável
que o fanal da democracia na América do Sul – em época na qual pululavam as
ditaduras militares – desde o governo de Romulo Betancourt tenha aos poucos
decaído e permitido, por força do viagismo
de Carlos Andrés Perez e a corrupção, que o chavismo tenha grassado, a
princípio com uma linha democrática (até o recall
foi permitido), para com o passar do tempo enrijecer as artérias na
demagogia e no cripto-militarismo bolivariano de Hugo Chávez.
Mas a
famosa dúvida de Garcia Marquez ao ver afastar-se o ainda jovem Hugo Chávez no tarmac de aeroporto – será possível que
vire outro caudilho latino-americano?– infelizmente foi corroborado pela
história, com o detalhe suplementar de que o seu sucessor designado deixou de
lado as qualidades de Chávez para aplicar apenas a violência institucional, tudo
decerto soprado pelo saltitante passarinho que o benjamin (e ex-caminhoneiro)
levava no ombro...
Diante de
tamanha e tão sólida incompetência político-administrativa, a pergunta que
ronda tanto a cúpula dos velhos chavistas, quanto da atribulada oposição, é
o que terá visto no compañero Maduro o comandante Hugo Chávez Frias. Ou terá sido
apenas o último chiste do Caudillo, para assim mostrar o respectivo menosprezo pela
alta hierarquia do chavismo...
Vejo com tristeza que o Governo Dilma
tenha uma relação cada vez mais comprometedora com o regime dos irmãos
Castro. As concessões que Havana tem feito à democracia e ao respeito dos
direitos humanos são risíveis. Na verdade, por arrogância e senil obstinação os
irmãos Castro não mais tentam encobrir-lhe as feições. Seria, assim, como se se
dispusessem a colocar à visitação pública, na sala principal, o próprio retrato
de Dorian Gray.
É preciso ter
essa relação ambígua com Cuba e as fantasias quanto ao caráter redentor da dita
Revolução – alimentadas à distância, enquanto batalhavam no Brasil com os
parcos meios disponíveis contra o tacão do regime militar – para reputar
factível a aplicação no Brasil, face à nossa Constituição de 5 de outubro de 1988,
de um programa de pretensa cooperação técnica, nos tristes moldes do acordo
negociado com Cuba – que é inserido com modalidades específicas, que lhe
abastardam e desfiguram o caráter, no programa geral, destinado a médicos
estrangeiros (mas não os cubanos) Mais
Médicos.
A etiologia
desse delito contra a democracia – que me pergunto como subsiste em um país que
se crê regido pela Constituição Cidadã
– nós a devemos a mestre Ives Gandra
da Silva Martins, conforme lapidar artigo publicado na Folha de S. Paulo, a dezessete de
fevereiro corrente. Sob o título “O
neoescravagismo cubano”, ele põe a nu as odientas características dessa
reintrodução, sob chancela oficial, da servidão humana no Brasil.
A pergunta
que fica no ar – por ora sem resposta – é a de por que tal inconstitucional
abominação tem a existência permitida e aplicada. Há corporações formalmente
encarregadas desse mister, e existem na Constituição e legislação
brasileira os meios e modos para varrer
essa assombração da ditadura cubana no Brasil.
Ou será que
a vocação brasileira no regime petista de admiração sem fronteiras à ilha do
Caribe passe também a arremedar a Venezuela et al., na sua recepção servil à
assistência técnica cubana ?
(Fonte:
Folha de S. Paulo, The New York
Times, O Globo on-line)
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