Como nos tempos do Império Romano, Viktor F. Yanukovych, o decaído
presidente da Ucrânia, se refugia na velha metrópole. Escorraçado do país, onde
até os membros do próprio partido e antigos beneficiários de seu poder, não
mais o reconhecem, Yanukovych teve de fugir às carreiras da capital Kiev e da
Ucrânia, como se temesse pela própria vida.
É segredo de
Polichinelo que gospodin Vladimir
Vladimirovitch Putin mal o suporta. No passado, o deixava pacientar por
longos quartos de hora na antecâmara do Kremlin,
e agora a sua queda lhe cria um problemaço, dada a dependência de Kiev do
gás russo, a par das estreitas relações econômicas entre a antiga metrópole
soviética e a larga ex-república soviética, como o próprio nome do país –
Ukrania – que lhe designa a proximidade.
Outro
complicador nessa questão é a virtual divisão ucraniana entre dois componentes
– um ocidental de fala ucraniana, que
olha para a Europa e a U.E., e o outro oriental, próximo da Rússia, tanto no
idioma, quanto nas simpatias. A questão decerto se agrava no que tange à
Criméa, península do Mar Negro que a URSS,
em 1954, adjudicou à república soviética da Ucrânia. Dada a origem da
população, não espanta que – quando da derrubada de Yanukovych - repontassem
logo distúrbios na Crimea.
Se o primeiro
ministro Dmitri Medvedev não
considerou legítimo o novo governo ucraniano, a sua postura reflete certos
cuidados, eis que não é o Ministro do Exterior Sergei Lavrov, nem muito menos o Presidente Putin quem se manifesta. Dessarte, a manifestação
de Medvedev, se assinala a importância da questão, não tem decerto o peso de uma declaração do
Presidente, ou de seu preposto Lavrov.
O que fazer da
Ucrânia, com a sua enorme dívida com Moscou? Se repontam intenções
intervencionistas – e a provocativa postura do parlamento na Criméa é um sinal
em tal direção – Putin, saído do ‘triunfo’ das Olimpíadas de Inverno em Sochi, apresentado como retorno glorioso
à época dos certames da URSS – ao analisar-se a movimentação russa devemos
atentar para os dois lados da questão.
À primeira vista,
poderia semelhar um pesadelo para Moscou. Se não foi do dia para a noite – a
queda de Yanukovych era fenômeno cujos contornos se tornavam mais marcados,
sobretudo nos dias derradeiros – a reviravolta em Kiev retirou a vantagem obtida pelo Kremlin, quando do repentino anúncio pró-União aduaneira, em
detrimento do Acordo Comercial com a U.E..
De repente, o presidente filo-russo está na rua da amargura, e todas as
fichas colocadas por Moscou resultam em vão.
Refugiado na
antiga metrópole, Yanukovych é uma carta exposta, sobretudo após a descoberta
dos ‘tesouros’ deixados pela partida em desabalada carreira.
Se, por outro
lado, a esfinge do KGB não se pronunciou explicitamente, as manobras militares
de 150 mil homens do exército russo representam um atroador silêncio. Se a
Ucrânia não é a diminuta Ossétia do Sul,
que foi ‘arrancada’ à República da Georgia em 2008, tampouco estamos no século
XIX, quando essas encenações castrenses, assim como antes o agitar dos escudos
e lanças, poderiam desencadear movimentações e acomodações, sob a regra
não-escrita da força bruta.
O novo governo
instalado em Kiev é relativamente inexperiente nas atribuições, mas tem
estreitas ligações com a nêmesis de
Yanukovych, Yulia Timoshenko, que saíu do cárcere político de trinta meses
em Kharkov para a praça Maidan, de onde discursou, para um
público também provado pelas intempéries da oposição.
Dessarte, tanto
o presidente interino, Olexander
Turchynov, quanto o Primeiro
Ministro Arseniy Yatseniuk tem experiência político-administrativa, dos
tempos em que Yulia era a Primeiro Ministro.
Por outro lado,
se não se descortina nenhum Bismarck
à vista para a organização de um Congresso
de Berlin (em que completaria a sua obra, que o Kaiser Guilherme II mais tarde, por incompetência política,
desfaria), a União Europeia, com a Chanceler
Angela Merkel à frente, e os Estados Unidos, com o Secretário de Estado John
Kerry, deveriam reunir-se com o Presidente
Vladimir Putin, para que saia um acordo em que a independência de Kiev e do
povo ucraniano seja preservada, e se construam pontes para a mútua cooperação.
(Fontes: The New York Times; Folha de S. Paulo; The New York Review)
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