terça-feira, 19 de junho de 2018

Ângela Merkel enfrenta seu maior desafio


                          

          Angela Merkel e seu gabinete se defronta com grande, temível desafio para a sua sobrevivência política. Há uma pesada, cruel ironia em que a Chanceler alemã que se distinguira diante dos governantes mundiais, todos unidos na recusa em receber refugiados, através de seu ato corajoso de abrir as fronteiras da Alemanha para acolher cerca de oitocentos mil, tangidos pela guerra civil na Síria.
           Foi uma decisão em que marcou a própria coragem, abrindo as fronteiras da Alemanha para esses infelizes, a que a maioria dos governantes das nações europeias fechava as próprias portas, alguns por ideologia, como o primeiro ministro da Hungria, Viktor Orban, outros por egoismo ou indiferença, e muitos por temor pelas consequências políticas.
           Quando a  Chanceler Merkel tomou tal decisão - a de acolher os prófugos da guerra civil na Síria - incorria com coragem nos perigos e nas previsíveis resistências que essa determinação causaria.
           Diante do egoismo de tantos outros países, restringindo muita vez a um ridículo filete o ingresso desses infelizes, a Merkel mostrou através da própria firma que assumia com a consciência dos riscos enormes dessa determinação solitária, o quão diverso era seu comportamento político, se cotejado com a coorte de tantos outros líderes nacionais.
            Fê-lo consciente do alto, altíssimo preço que lhe viria bater às portas, por um gesto isolado nesse mundo do século XXI, em que se multiplicam as barreiras, com que muitos governantes se acomodam, seja pela dificuldade de receber o Outro - como a então guerra civil síria tangia para a Europa as multidões de refugiados, que o egoismo dos gabinetes fingia ignorar.
             Esse desafio, no entanto, a Chanceler Merkel continua a arrostar, seja no crescimento do partido neonazista - a Alternativa para a Alemanha - mas também no temor que esse flagelo redivivo - reporto-me às ideologias da direita ensandecida - vem provocando em partidos do arco constitucional, ainda que infelizmente fragilizados pelas chantagens do fascismo com suas novas vestes.
             O destemor da Merkel não é suficiente para que ela possa manter a indis-pensável maioria no Bundestag. A União Social-Cristã (CSU) tem sido um aliado de longa data da CDU. A CSU, na prática, representa os cristãos democratas na Baviera, e por isso o seu partido (CDU) não concorre eleições nesse Land, delegando a sua representação à CSU, que por conseguinte integra a bancada cristã-democrata no Parlamento federal.
             Por isso, a CSU deu quinze dias de prazo à Chanceler para negociar um acordo com a União Européia, que restrinja a chegada de imigrantes à Alemanha.
              O ultimato da CSU tenta proteger um de  seus líderes, Horst Seehofer, ministro do Interior. Seehofer deverá enfrentar eleições regionais nesse segundo semestre. Diante da agressiva propaganda realizada pelos neofascistas da Alternativa para a Alemanha (AfD), os sociais-cristãos temem perder a hegemonia na Baviera para esses extremistas da direita.
                Com vistas a enfrentar o desafio colocado pela AfD, a estratégia de seu líder Seehofer tem sido radicalizar o discurso do partido sobre imigração.
                Nessas condições, o líder da CSU propôs a criação de uma aliança internacional contra a imigração aos governos populistas da Itália e da Austria. A estratégia seria forçar a Chanceler a adotar um limite máximo no acolhimento de refugiados
                 Como é seu hábito, a Merkel respondeu a Seehofer de forma moderada, tentando abrir espaço para a negociação.  "Nós não queremos agir de forma unilateral, sem concertação e prejudicial a terceiros", ponderou  a Chanceler. Nesse sentido,  ela propôs reforçar as fronteiras externas da União Européia, mas rejeitou criar alfândegas entre países do bloco.
                  Não se exclui a possibilidade, segundo analistas políticos alemães, que a estratégia de acomodar interesses de diferentes partidos na coalizão, usada pela Chanceler nos seus três primeiros mandatos, esteja chegando ao fim.
                   Consoante a opinião de Thorsten Faas, cientista político da Universidade Livre de Berlim "a situação é explosiva. Para os protagonistas, o que está em jogo é sua sobrevivência política". Se a coalizão explodir, aduz Faas, é dificil imaginar como Angela Merkel e Horst Seehofer poderão sobreviver no plano político.
                    Além da crise na coalizão, quanto a uma eventual pressão externa sobre seu governo, não me parece que o twitter do Presidente americano - que com a sua falta de elegância pensa servir-se da presente crise na Alemanha, para trazer água para o seu moinho - vá resistir a uma simples checagem de dados.  Irresponsavelmente Trump pensa instrumentalizar dados sobre o crime na Alemanha. Ora, dados do Ministério do Interior indicam que a criminalidade naquele país caíu 9,6% em 2017, em comparação com 2016,  atingindo seu nível mais baixo em 25 anos.
                     Por fim, resta assinalar a visita do Presidente francês Emmanuel Macron à Alemanha. Há poucas dúvidas que ele trará apoio para a sua aliada Angela Merkel, nesse momento difícil que ela atravessa.

( Fonte:  O Estado de S. Paulo  )
 

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