quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Negligência mais Subdesenvolvimento ?


                           
        De uns anos para cá, a quentura do verão tem sido a mãe gentil das epidemias de dengue. Neste quadro sombrio, há dois vetores que crescem sob a marca do descontrole.

        Primo, a dengue vira flagelo quando as temperaturas médias se elevam, e surgem as condições ideais para a proliferação do mosquito Aedes Aegypti.

        E qual a razão da elevação dessas temperaturas médias, a ponto de os verões se alargarem e o inverno recuar em quase todas as plagas?  O motivo é o aquecimento global, que a grande maioria dos países encara como maldição da natureza, quando não passa de fator criado (ou incrementado) pelo bicho-homem.

        Há muitos poluidores globais - China, Estados Unidos, Brasil entre eles - porque prevalece a falsa impressão de que, como o aquecimento global é resultante da ação de todos, são poucos os países que se conscientizem da importância do exemplo individual. Passam para um indeterminado outro a responsabilidade por agregar mais em termos do agravamento da temperatura média de Mãe-terra. A China continua a 'destacar-se' neste campo, como vimos recentemente no 'fog londrino' [1]de suas estradas, que não é outra coisa que o efeito do emprego irresponsável do carvão.

         Há decerto países responsáveis como muitos dos europeus, mas há outros que, seja por arrogância, ou por burrice coletiva, pensam trafegar na via expressa do desastre ecológico (dentro do quadro da responsabilidade geral safadamente transmitem a respectiva quota para o vizinho ou algum imprecisado outro país, de que não querem saber nem o nome).

          A temperatura média global cresce quando as florestas diminuem - cada balão lançado aos ares, cada queimada ou corte abusivo na Amazônia, são crimes ecológicos, em geral impunes (por causa da ineficiência ou coisa pior das burocracias responsáveis) - e assim sobem as águas, são turbinados os furacões e seus parentes asiáticos, os ciclones, e por aí afora.

          E com a elevação da temperatura média quebra-se a única benéfica ditadura que é a  do equilíbrio ecológico! Assim, morar a beira-mar vira risco, enquanto a Groenlândia se vai derretendo (junto com a Antártida), o polo norte e suas águas viram avenidas para a navegação global durante todo o ano, aumenta a poluição (o mar de plásticos no Pacífico e também no Atlântico, libera-se o metano do permafrost (no Alasca e na Sibéria) - o que não é necessariamente medida politicamente distensiva.

          Assim, se cresce o oportunismo burro (uns continuam a agir na larga faixa da irresponsabilidade, deixando as obrigações para os poucos que são conscientes de que as responsabilidades são de todos), as conferências do clima persistem no  fechar de olhos para os mercadores dos combustíveis fósseis, que continuam a usufruir de vantagens, vantagens tais que são uma espécie de libra de carne do bom Shylock,[2] porque na verdade, e em fim de contas, nem tais companhias ao final serão beneficiadas...

             Que me perdoe o leitor por essa aparente digressão, que, na verdade, não o é.  Voltemos, portanto, à vaca fria, para falar do infausto crescimento da dengue no Brasil. Depois de um período em que ela foi eliminada em Pindorama - governo Kubitscheck - a praga do mosquito Aedes Aegypti voltou para o Brasil, de que se apossou por inteiro, ao que me parece (até mesmo no sul ele vive bem, obrigado).

              Em nossa terra, essa peste dispõe do território ideal -  altas temperaturas, coordenadas com a  incúria do poder público, asseguram-lhe a implantação e permanência.

              Para a eliminação do flagelo não se careceria de muito. O que se faz necessário é a presença ativa do Poder público através de campanhas de conscientização de toda a população (com a eliminação dos focos do mosquito - piscinas abandonadas ou não, terrenos baldios, negligência dos moradores ricos, classe média e pobres, lixões, depósitos de carros, pneus e o mais que imaginar-se possa em termos de sujeira e descaso). Dessarte, se cada um cumprisse com a respectiva obrigação e o poder público se imbuisse de responsabilidade permanente (e não apenas sob o látego da epidemia), passaríamos todos a ter melhor saúde pública, e o SUS, por menos sobrecarregado, daria à sociedade em geral assistência efetiva,  de resto o que estava na mente de seus criadores.

                A par disso, a consciência individual dos respectivos deveres e também direitos cresceria.  A memória coletiva ganharia - com a eliminação dos poluidores, a supressão dos lixões, da sujeira em praias, lagoas, rios e vá lá o que seja vítimas da incúria e da imundície - e com isso o nosso ego social melhoraria.

                Quem sabe não iríamos virar uma enorme Suiça no Continente americano ? Livres afinal dos sujildos, das pragas do subdesenvolvimento (e, por conseguinte, dos subpolíticos da corrupção e da sujeira), e tudo não passaria de jogo maravilhoso, em que cada um trataria de contribuir com a sua pequena porção (contra o Aedes Aegypti que vive na e da sujeira; contra o lixo jogado ao deus-dará e até como 'suposta punição a eleitores corajosos'; e tudo o mais que trabalha para o aquecimento global !).

                Sonhar não é proibido, sobretudo se trabalharmos com a nossa pequena mas eficaz parte na campanha contra a sujeira seja ela ética, moral, ou ela própria mesmo (in natura!).

               Será que administrar bem é assim tão difícil ?

      



[1] Fog londrino pode ser visto em filmes, reminiscentes do século XIX, mas não mais na capital do Reino Unido, em virtude de sua atenção  preventiva nesse campo, a partir do século XX.
[2] Personagem da peça O Mercador de Veneza, de Shakespeare.

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