terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

De novo, Minsk ?

                                              

          Revisitar Minsk parece ter sido o resultado dos contatos europeus retomados com Vladimir Putin.  Como se sabe, em Minsk, capital da vizinha Bielorrússia, ao prenunciar-se o frio e a estação invernal, o presidente russo gentilmente acedera em estabelecer um cessar-fogo entre os ditos separatistas de Donetsk e a invadida Ucrânia oriental. A União Europeia, através da Alemanha e da França, terá entrevisto nesse processo um desejo de paz do Senhor do Kremlin.

          Na verdade, a suposta cessação – inda que temporária – das hostilidades correspondeu a imperativo climático. Nessa época, com as nevascas e  frios extremos, a guerra é exercício penoso, que muita vez os exércitos preferem reduzir drasticamente, dada a sua inclemência nas gélidas estepes daquelas partes. Mesmo sem documento firmado, é o que a natureza impõe. Exemplo disso está no fato de que a Wehrmacht parou diante de Moscou, forçada pelo ‘general frio’, em dezembro de 1941, para retomar, à vera, as hostilidades na primavera de 1942.

           Por isso, no exemplo anterior, gospodin[1] Putin estava apenas conformando-se às realidades do tempo. Como o futuro demonstraria, o presidente russo determinou aos ‘rebeldes separatistas’ que interrompessem por uns meses o confronto ativo com o regime de Kiev. E, como os meses posteriores o demonstrariam, o cessar-fogo não passava de artifício para deixar para trás os meses mais inclementes, retomando-se a guerra não-declarada tão logo quanto possível.

            E como o noticiário o confirma amplamente, a encenação do Presidente Putin ainda durou menos de o que esperado, com o amplo desrespeito, tanto pelos rebeldes, quanto pelos seus senhores russos, do pedaço de papel assinado em Minsk. E para não desmentir tais arreganhos guerreiros sazonais - que os novos mapas indicam profusa e deslavadamente - os ditos rebeldes, com o apoio de Moscou, progrediram bastante na sua metódica e encomendada apropriação para alheia serventia das plagas da extrema Ucrânia oriental, tão convenientemente dispostas junto da península da Crimeia (a primeira conquista de Moscou em abril de 2014).

            Kiev paga agora a sua negligência das províncias orientais, de fala russa. Enquanto a ocidente, o ucraniano é a língua franca, a leste predomina o idioma do poderoso vizinho do Setentrião. Segundo referem visitantes nos rincões orientais, o braço da metrópole semelhava meio ausente, o que gerava resmungos e desafeição. Havia também no Leste geração de nostálgicos da velha URSS. Compondo o quadro, malgrado a riqueza de certas áreas – como a bacia de Donetsk – com tal presença meio absenteísta do governo de Kiev, aventureiros e descontentes aí encontravam o terreno favorável justamente  que Moscou, com apoio dessas franjas irredentistas, encontraria para facilitar os respectivos projetos de conquista.

            Dizer hoje que a fronteira da Federação Russa com a Ucrânia é apenas linha indefesa no mapa reflete laxismo que não é de hoje. Tampouco não saber onde começa o FSB (que é atual designação do antigo KGB) não é figura de linguagem, mas incômoda realidade no governo ucraniano. Nesse contexto, não surpreenderá que se proponha abertamente que se descarte o atual Estado Maior em Kiev, para estruturar um outro que não esteja infiltrado por espiões e simpatizantes do Kremlin.

              Por isso, para o aventureirismo imperialista de Vladimir Putin, não há melhor limite do que a fronteira da Ucrânia. Com tal vizinho nostálgico das antigas extensões da União Soviética, mais do que uma omissão, constitui grave erro mantê-la apenas fiado na cartografia, sem qualquer outra elementar precaução.

            Os avanços na Transnístria e na Abkhazia do Sul refletem tal apetite, que Putin cuida de alimentar e aguçar.

            Que me perdoem Frau Angela Merkel e Monsieur François Hollande, mas como está estruturado o projeto de ajudar a Ucrânia contra o urso russo tem demasiadas semelhanças com outro plano salvador da paz no século passado, esposado por Neville Chamberlain e Édouard Daladier, no auge do apaziguamento de Adolf Hitler (Munique, 30 de setembro de 1938).

           É trazer água para o moinho de Vladimir Putin reunir-se com ele para supostamente costurar a paz entre Moscou e Kiev. Será ainda melhor para o presidente russo compor o quadro da negociação com a pré-condição (colocada pela Chanceler alemã) de que não se concedam armas letais à Ucrânia...

           Um dos problemas principais do Presidente Petro Poroshenko é estar à frente de país com fronteiras porosas e forças armadas com armamento deficiente. Dessarte, os rebeldes do Leste tem avançado bastante – como o mostram os mapas – na sua preparação da próxima ligação com a Criméia, que já virou província russa.

           O pequeno presidente da Rússia gosta de receber nos salões do Kremlin – que espelham a antiga opulência dos velhos tzares, e de seu propósito de impressionar vizinhos e vassalos – o que fez com prazer, ao se prestarem Merkel e Hollande ao fútil exercício de discutir sobre a paz com o imperialista Putin.

           Diz o velho ditado, que quem ignora o passado, está condenado a repeti-lo. Reunir-se com Vladimir Vladimirovich é um exercício de quase inutilidade, se chegas ao encontro marcado com mãos abanando.

            Putin está disposto a arrostar as sanções comunitárias e as meias-medidas que lhe trazem a Merkel e Hollande. Acaso lhes terá escapado a observação do Senhor do Kremlin que, em termos de Acordo de Minsk, não concorda em recuar dos avanços alcançados por seus destacamentos e os dos aliados rebeldes, às custas das terras ucranianas.

            Putin é cópia escarrada mais para Mussolini, do que Hitler. Aquele, pela sua ênfase no aspecto histriônico, dele mais se aproxima.

            Confiar na diplomacia, sem qualquer instrumento ou meio de pressão, é prestar-se ao jogo do Presidente russo. Apodá-lo de poder regional como o fez Barack Obama é singrar as mesmas águas do que o seu predecessor George Bush, que se deu muito mal tentando barrar o caminho deste mesmo Putin, nos episódios da Geórgia e da Moldova. A linguagem que este gospodin respeita não tem sido usada até agora pelo Ocidente, o que lhe tem aproveitado bastante na sua metódica apropriação sob encomenda das alheias terras da Ucrânia oriental.      

( Fontes subsidiárias: The New York Times, O Globo )


[1] Senhor, em russo.

Nenhum comentário: