sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

A Ucrânia pode ganhar a Paz ?

 

         A despeito da má-fé de gospodin Vladimir Vladimirovich Putin, Presidente de todas as Rússias, e de alguns enclaves ao longo de suas fronteiras[1], a diplomacia dos Estados Unidos, assim como a Alemanha e a França se empenham em persuadi-lo no sentido de restabelecer o cessar-fogo assinado em Minsk, na Bielorrússia, em setembro de 2014.

         É difícil determinar que argumentos trazem o Secretário de Estado John  Kerry, assim como os dois líderes de Alemanha e França, a Chanceler Angela Merkel e o Presidente François Hollande.  Merkel e Hollande, depois de encontro de cinco horas com o Presidente Petro Poroshenko, seguem para Moscou, onde discutirão meios de restabelecer a paz com o Senhor do Kremlin.

        A exemplo de seus predecessores Adolf Hitler e Benito Mussolini, a ‘paz’ de Putin costuma ter curta duração, e é apenas instrumento para ganhar tempo na estação invernal, e partir para novos ganhos na primavera.

        A guerra civil entre os ‘separatistas’ da Ucrânia oriental e o governo de Kiev é luta desigual e traiçoeira. Já matou mais de cinco mil pessoas no leste ucraniano, além de deslocar centenas de milhares desde o ano passado.

        Anunciado com o rapto da Criméia – que o Brasil, para vergonha de sua bicentenária diplomacia, reconheceu – esse conflito, fabricado na Rússia, avança aos trancos e barrancos, sob o bastão putinista. O objetivo é tosco, mas com a debilidade das forças ucranianas, não há defesas nas fronteiras a leste para a travessia das tropas de ‘voluntários russos’ assim como para as milícias dos ‘rebeldes separatistas orientais’ – que são armadas, financiadas e dirigidas por Moscou.

         A estratégia pode ser tosca, mas vai dilacerando as antigas províncias orientais da Ucrânia. A cada avanço, sucedem acenos de paz, incentivados por quem, à distância, puxa os cordéis seja dos ‘separatistas’, seja dos amigos de Moscou. E a tática não muda: dos ‘progressos’ da véspera, a trégua serve apenas para preparar a seguinte ofensiva.

         Depois de Minsk, os separatistas retomaram os ataques (obviamente sob direção russa) e se apossaram de mais trezentos km quadrados no leste, inclusive da área do antigo aeroporto de Donetsk. Ameaçam também Debaltseve, pequena cidade em estratégico entroncamento ferroviário.

        Nesta nova ‘ofensiva’ dos chamados ‘rebeldes separatistas’ (na verdade, quintas-colunas de Moscou) a característica dos embates não muda: se a tropa de Kiev se avantaja e ameaça as posições dos ‘rebeldes’, eis que, pelas porosas fronteiras orientais, adentram os ‘voluntários’ russos, para reforçar, com batalhões e armamentos pesados, as ameaçadas linhas dos separatistas.

         Mais uma vez, diante da má-fé de gospodin Putin, Washington considera da oportunidade de repassar às forças legalistas armas letais, que as habilitem a resistir com maior denodo às regulares investidas russas. Trata-se de mísseis antitanque, obuses, radares de campanha, ‘drones’ de reconhecimento, e outras armas suscetíveis de reequilibrar os combates, e convencer Moscou da oportunidade do cessar-fogo, com a retirada de armas pesadas e tropas, assim como respeitar a linha das fronteiras internacionais da Ucrânia.

          Dos obstáculos a serem vencidos se anotam os frouxos controles de Kiev sobre as províncias do Leste, a longa presença de Moscou nas suas relações com Kiev, e a existência de fornido círculo de espionagem russa na capital ucraniana.

          Corroborou velhas suspeitas quanto à seriedade da implantação da rede inimiga a recente prisão do Tenente-Coronel Mykhailo Chornobai. Este oficial infiltrado dirigia círculo de espionagem na capital federal, e repassava segredos militares para agente da chamada República Popular de Donetzk, inclusive a localização de regimentos de voluntários. Com tais informações, as forças pró-Rússia apuravam a respectiva pontaria para alvejar os destacamentos ucranianos. Para que se tenha idéia da extensão do número de infiltrados nas forças legalistas, cerca de trezentas pessoas já foram detidas desde o início dessa guerra não-declarada. As suspicácias de traição envolvem inclusive o Estado-Maior em Kiev.

            Nesse contexto,  há muitas suspeitas sobre a lealdade do Alto-Comando Militar ucraniano.  Segundo Semyon Semenchenko, ‘é difícil determinar aonde termina o FSB[2] e aonde começa a nossa rede militar’. Assim, antes de ser ferido nos cerrados combates em Debaltseve, ele recomendara, numa visita a Washington, que a ajuda militar fosse mandada diretamente para o front, contornando o estado-maior em Kiev.

             Se as coisas chegaram a tal ponto, o melhor seria implementar uma nova estrutura militar, expurgada de elementos sob suspeita de conluio com Moscou. O parecer do analista militar Igor Koziy vai neste sentido: ‘Devemos acaso mudar a estrutura de nossas forças armadas?  Se à primeira vista parece idéia maluca de criar um novo e paralelo estado-maior, por outro lado, se nos dermos conta de o que está ocorrendo no edifício (onde está o comando), você pode até pensar que é a decisão correta.’

             Enquanto a Ucrânia não dispuser de uma força suscetível de impedir os avanços dos rebeldes separatistas com apoio russo, essas reuniões com Vladimir Putin de líderes ocidentais não farão o senhor do Kremlin desistir de seu plano pré-estabelecido, que é criar acessos para a Criméia, e uma base mais sólida no Leste ucraniano, partindo da chamada República de Donetzk, cujos precedentes irredentistas chegam até a derrocada do tzarismo, ao cabo da Grande Guerra (l914-1918).

             Não obstante os óbices, que são numerosos ( sanções de Washington, derrocada na cotação do petróleo, esfriamento de relações com a U.E.), até o presente Vladimir Putin não cede diante de Barack Obama, assim como faz ouvidos de mercador aos reclamos da Chanceler Angela Merkel. Tampouco o demove a maior movimentação da OTAN, assim como o desgaste para com os inquietos vizinhos da franja ocidental (países bálticos, Polônia, entre outros).

             Como com os seus antecessores – que dormem, escarmentados, o fundo sono de Totônio Rodrigues – a diplomacia só terá credibilidade se conjugada com medidas que tornem realmente pouco ou nada rentável o aventureirismo militar de Vladimir Putin.



( Fontes:  The New York Times; Profundamente, poema de Manuel Bandeira )  



[1] Transnistria é território dentro da Moldova; e a Abkhazia, é terra destacada da Geórgia. Essas duas ‘províncias’ estão sob controle da Federação Russa.
[2] A nova designação do KGB.

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