quarta-feira, 2 de julho de 2014

Na Terra da Fartura


                                          

      Embora pensemos por vezes nela viver, não inexiste na língua portuguesa um equivalente para a Terra della Cuccagna, que o dicionário italiano Zingarelli define como ‘país de fábula em que há delícias de todo gênero’.

      Será que por especial concessão da FIFA o Brasil pode imaginar estar enleado nesse reino maravilhoso? O sonho do hexa continua felizmente vivo, com todos os seus sinais preservados. Por ora, ele tem de sujeitar-se a incômodas prorrogações, mas a despeito do mau olhado de tantas seleções – que já foram despachadas para o limbo – ele vem persistindo para nossa alegria, enquanto os boatos mais perigosos (i.e., os verossímeis) vão caindo pelo caminho.

      No entanto, dados os comportamentos de alguns senhores árbitros, nos causa perplexidade e até receio, o insistente rumor de que a simpática seção arbitral da dita Fifa estaria costurando um conluio de lapsos para dificultar a progressão do scratch nacional.  Assim, anulações de gols que são legítimos para outras equipes, impedimentos fantasma, e coisas do gênero podem continuar repontando em nosso desfavor.

       Tudo isso se explicaria pelo suposto espantalho da conquista do Hexa, que incomodaria a esses bons velhinhos. Não há grande conquista sem grandes dificuldades. Por isso, esperemos que esses taumaturgos tenham juízo, e deixem a questão por conta da deusa Fortuna. Por caprichosa que seja, ela tem o bom hábito de cruel imparcialidade. Não pedimos outra coisa da grega Túxe, ainda mais que os helenos já foram despachados para casa...

        Tenho, de resto, uma suspeita que essa atmosfera irreal, de festa inconclusa, vem sendo maquinada pelo governo de dona Dilma, pois enquanto ficamos em suspenso, o tempo vai passando e as más novas não repercutem.

         Nenhuma administração se tem provado a tal ponto inimiga do Plano Real. Posto que seja conquista de todos os brasileiros, a presidenta parece pensar que tal plano não é senão passe de prestidigitador, e não a conquista nacional que nos livrou do flagelo da hiperinflação.  

         Assim, não é só a inflação que ela trouxe de volta, com a sua gastança. Estão igualmente na nossa porta, personagens que acreditávamos peremptos, como a conta de movimento, que nos plúmbeos tempos da ditadura pretoriana, fabricava dinheiro através de conta conjunta entre Banco do Brasil e Banco Central. É verdade que a capitalização – tão do gosto de Nosso Guia por ‘criar’ dinheiro sem lastro fiscal – vem de seu criador, com o cúmplice aval de Guido Mantega. Este último nos trouxe o penoso legado da ficção contábil.

          Lula da Silva, com todo o seu saber econômico-financeiro – não é que dá públicos quinaus em Arno Augustin, o homem do Tesouro e experto de D.Dilma em prestidigitação fiscal? – fala de inflação de demanda e de consumo.  Com efeito, precisamos tirar o chapéu para o torneiro-mecânico. Não é que encheu esses brasis afora (e adentro) com os elefantes brancos das sedes do Mundial? Nesse sentido, é importante ter presente que Gustavo Franco, um dos formuladores do Plano Real, considera o gasto com a Copa como metáfora exata das causas da inflação: os estádios da Copa são exemplo de irresponsabilidade fiscal.

           Por isso, em meio a tantas tramoias e misérias, o que nos resta é torcer pela Seleção. Ela, como a foto de Neymar com as contusões de violência a um tempo direcionada e impune, mostra os propositais percalços, a que se vê submetida.

           Tudo isso não será bem-vindo, mas será aceito, se nos levar ao sagrado bosque do Hexa.  Mas se não servir para nada, ou só para engambelar o Povo com inútil, ilusório, pernicioso oba-oba,

           Então como é que fica?

 

(Fontes:  O Globo, v. Miriam Leitão, Folha de S. Paulo)  

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