Plínio de Arruda Sampaio (1930-2014)
Este importante homem político, coerente aos
próprios princípios, a ponto de criar desconforto em meio que não se pauta por
tais características, faleceu em São Paulo, por câncer ósseo e falência de múltiplos órgãos, na tarde de terça-feira
oito de julho, no Hospital Sírio-Libanês.
Conhecido pela seriedade e firmeza nos
respectivos princípios, a sua atitude ética explica as peripécias do exílio e da
trajetória política ulterior.
Para sua honra, estava entre os cassados
do primeiro ato institucional do regime militar (fora o relator do programa
agrário do Presidente João Goulart). Sob a Constituição de 1946, foi eleito
deputado pelo Partido Democrata Cristão. Plínio passaria doze anos no exílio.
Quando retornou ao Brasil, em 1976,
Arruda Sampaio se aproximou das
lideranças que formariam o Partido dos Trabalhadores, como o dirigente sindical
Luiz Inácio Lula da Silva. Deputado
constituinte pelo PT, Plínio e Lula disputaram eleições, mas se afastaram com o
acesso à presidência de Lula, em 2002.
Expoente do chamado PT igrejeiro, Plínio, pelo respeito aos
princípios que nortearam a sua entrada na então diminuta, ética e aguerrida
bancada petista, a evolução (ou involução, como se queira) política do partido
determinaria a sua saída, e ingresso no PSOL. Assim ele explicaria o seu
divórcio do PT: ‘O PT saíu de mim. Ele começou sendo socialista, mas se desviou
e tornou-se um partido capitalista’.
O Partido
Socialismo e Liberdade (PSOL), surgido como dissidência do
Partido dos Trabalhadores, com sua reforçada postura ética e libertária, o
escolheria em 2010 como candidato a presidente.
Não ignorava que ficaria em último, mas julgava mais importante a defesa
dos princípios, entre os quais a reforma
agrária radical.
Na campanha eleitoral, não poupou
nem ex-companheiros, nem amigos. Assim, considerou o governo Lula “um desastre” e “frustrante”, alcunhou Dilma Rousseff de ‘fantoche de Lula’, o governo de Fernando
Henrique “nefasto”, Marina Silva “
correta, de bem, demonstrou ser pessoa carreirista”.
Tampouco poupou a José Serra – a quem acolhera quando no
exílio em sua casa nos Estados Unidos – “para mim é muito curioso ver o Serra
numa posição conservadora. Eu o conheci numa posição de esquerda, avançada.”
Dentre os testemunhos recebidos
pela partida, há os enfáticos, os protocolares e os de circunstância. Em nota, José Serra afirma que Plínio foi
político ‘incomum’ pela coerência na prática de suas idéias e um grande amigo.
“Nos longos anos de exílio convivemos intensamente. Dele e de sua mulher, Marietta, sempre recebi afeto e, quando
necessário, solidariedade”. Já o
presidente do PT, Rui Falcão,
destacou a passagem de Plínio pela legenda: ‘Ele fará muita falta,
especialmente aos movimentos sociais, sindicais e aos homens e mulheres de
esquerda’. Por fim, o governador de São
Paulo, Geraldo Alckmin, lamentou-lhe
a morte, o ex-presidente Lula mandou mensagem pessoal à família.
É importante ter presente o
significado da eclosão deste conflito. Não significa apenas o fim da Europa do
século XIX. A primeira calamidade do século XX – de que surgiram todas as
demais calamidades do século passado – acabou com três impérios (o russo, o
austro-hungárico e o otomano), matou entre militares e civis a 20 milhões de
pessoas, e feriu a 21 milhões.
Foi o assassínio do herdeiro
do trono do Império Dual, o Arquiduque Francisco Ferdinando e de sua esposa
Sophia Chotek von Chotkowa and Wognin, na manhã de domingo 28 de junho de 1914, que levou à crise
europeia de julho – agosto. Estava ele
em visita oficial à província da Bósnia-Herzegovina, que em 1908 tinha sido
anexada ao Império pela Áustria.
Julgando não necessitar de qualquer
proteção, o Arquiduque e a esposa pretendiam visitar locais de Sarajevo, e
estavam acompanhados do governador da província, general Oskar Potiorek, e de
outras autoridades locais. O carro era um belo coupé esporte Graef und Stifts, com a capota abaixada, para melhor
expor o ilustre visitante às vistas das multidões alinhadas nas calçadas do
boulevar Cais Appel. O cortejo era formado por mais cinco outros carros, que
transportavam policiais locais, e membros dos séquitos do arquiduque e do
governador.
A data da visita despertara,
no entanto, espécie em pessoas mais familiarizadas com a província. Era o dia
de São Vito, quando em 1389 as forças otomanas haviam aniquilado um exército
sérvio na batalha de Kosovo, pondo fim ao império dos sérvios na região, e
dando início ao longo domínio turco-otomano na península dos Balcãs. Como
Kosovo vinha de ser liberado pela Segunda Guerra Balcânica, as comemorações do
dia de São Vito seriam intensas em toda a região. Uma visita neste dia do
herdeiro do trono imperial tenderia a ser mal vista pelos inúmeros círculos
irredentistas fomentados pelo governo de Belgrado, capital do reino da Sérvia.
O arquiduque fez ouvidos de
mercador às advertências de quem bem conhecia o terrorismo sérvio. Depois da tragédia de Mayerling, em que se
suicidara o arquiduque Rodolfo, herdeiro do trono austríaco, o velho imperador
Francisco José designara Francisco Ferdinando como herdeiro presuntivo do
trono. A despeito de ser competente – apreciava sobretudo os assuntos militares
– Francisco Ferdinando não se relacionava bem com o Imperador. Se os
temperamentos não combinavam, azedava sobretudo a relação o casamento do
Arquiduque com a Condessa Sophie Chotek von Chotkowa e Wognin. Havia sido um
casamento por amor – o que é raro na
nobreza real – e a oposição do imperador se não impedira a união (que
teve de ser morganática) tornara um quase-inferno a existência do casal. Pela
etiqueta imperial austríaca, a condessa – que não era de linhagem real – não
podia participar de eventos sociais na Corte. A ironia estava na circunstância
de que Francisco Ferdinando e Sophie formavam, junto com os filhos, uma família
feliz, o que não era muito comum na alta realeza. Daí a satisfação do casal em
estar juntos em todos os momentos da visita oficial a Sarajevo. Para a dupla, a
data tinha um encanto particular: era seu aniversário de casamento.
Além dos habitantes de
Sarajevo, que aplaudiam de forma efusiva o casal real, no povão que assistia
havia jovens destacados por Belgrado com intenções bem diversas. Eles tinham
sido recrutados pela organização terrorista Mão Negra que se formara
ao ensejo do assassínio do rei Alexandar e da rainha Draga, além de outros
elementos da família Obrenovich, em 1903. O chefe dessa organização secreta (a liquidação do rei e da rainha, além de
numerosos outros, congregara entre 120 e 150 conspiradores, unidos pelo
segredo) era Dragutin Dimitrijevich,
o boi Apis (assim alcunhado pela parecença pelos largos ombros com o boi-deus
egípcio).
Para resumir os antecedentes desse sombrio
projeto, Nikolai Pasich, o primeiro-ministro sérvio, teve ciência de o que se
tramava. Preferiu alertar Viena sobre tal propósito, mas de modo sinuoso e
implícito. Fê-lo através de Jovan Jovanovich, o Ministro sérvio em Viena, que
ao invés de procurar o conde Leopold von Berchtold (o ministro do exterior do império),
contactou Leon Bilinski – o ministro conjunto austro-hungárico das Finanças.
O aviso foi dado de
forma oblíqua: uma visita do herdeiro
aparente do trono austro-húngaro e logo
no aniversário da batalha de Kosovo, seria encarada como uma provocação.
Dentre os jovens sérvios que trabalham nas forças austro-húngaras ‘bem pode
haver quem coloque um cartucho de balas no seu fuzil ou revólver no lugar do
cartucho de festim...’ Por uma série de razões, Bilinski não deu maior
importância à comunicação, e por isso não a levaria ao conhecimento do Conde
Berchtold. Por motivos presumíveis, no futuro ele se recusaria a falar do episódio com jornalistas e
historiadores. A questão devia constrangê-lo, porque não levara a sério a
mensagem. (a continuar)
Putin e a Ucrânia
Há sinalizações de que o Presidente Vladimir Putin não
esteja mais pisando no acelerador, em matéria de suas relações com a Ucrânia. Bem
sabemos que com a queda de Viktor Yanukovych, a Federação Russa adotara uma
postura imperialista em relação a Kiev. A operação anexação da Crimeia de março
último constitui a marca principal dessa política.
Que esse tipo de intervenção seja ainda hoje possível é marca preocupante nas
relações internacionais do século XXI. Outro aspecto deplorável, o de que
inúmeros membros das Nações Unidos – inclusive o Brasil – não se tenham oposto
a essa agressão em flagrante desrespeito ao direito internacional e à norma do pacta sunt servanda (os tratados devem
ser respeitados).
No entanto, surgem por ora indícios de que gospodin Putin pretenderia chegar a um modus vivendi com o novo governo do
Presidente Petro O. Poroshenko. Isso não está acontecendo por acaso. E tem
menos a ver com a maior resistência militar das forças governamentais
ucranianas – passado o período de transição em Kiev, com a preparação das
eleições em que venceu Poroshenko – do que com uma estratégia do Ocidente, em
que de um lado sanções pontuais são aplicadas pela Administração Barack Obama,
os laços com Bruxelas são restabelecidos, e uma rede telefônica de que
participam a Chanceler Angela Merkel e o Presidente François Hollande mantém
contato com o Senhor do Kremlin.
Não é que haja
desaparecido a ‘república de Donetsk’, nem a resistência separatista no leste
ucraniano, alimentada por saudosistas da antiga URSS e opositores pró-Rússia da
chamada junta de Kiev. As simpatias
pela união com a Rússia dessas áreas que estão no extremo oriental ucraniano
não têm o peso que propalam, mas tampouco devem ser ignoradas. Uma política em
que o aspecto regionalista não seja menosprezado, e maiores oportunidades de
emprego e de menos corrupção das instâncias federais seriam modificações
importantes para introduzir política mais abrangente.
Por outro lado,
Putin se mostra mais moderado por causa das sanções. Por mais tópicas que
pareçam, elas introduzem um traço de medo na comunidade de negócios. Dada a insegurança
decorrente, e a imprevisibilidade de seus eventuais focos, não é bom negócio
para Vladimir Putin que o mercado russo venha a sofrer novas medidas nesse
sentido (a fuga de capitais na Rússia chegou a 75 bilhões de dólares no
primeiro semestre).
Dessarte, diante da
eventual aplicação de outras sanções pontuais, Vladimir Putin achou melhor
brecar a propaganda intervencionista na mídia russa. Dado o interesse na manutenção das relações
com o Ocidente – e como a jóia da coroa, no caso a província da Criméa já
estava no bolso – o governo do Kremlin achou preferível frear os ímpetos
anexionistas e os movimentos de tropa na fronteira oriental.
Por outro lado, a
despeito do apoio da opinião pública russa a essa nova política de convivência,
há ainda focos potenciais de tensão na atuação das forças do governo de Kiev em
retomar – notadamente em Donetsk e Luhansk – os focos de resistência
separatista.
Há perspectivas de um
acordo entre as partes, no entanto. As finanças da Ucrânia estão decididamente
no vermelho, Kiev depende da retomada do fornecimento de gás russo (sobretudo
às portas do próximo inverno) e a eventual ajuda e assistência da União
Européia é um processo de médio prazo pelo menos.
Tudo isso induz à
maior flexibilidade do governo Poroshenko. A prosperidade da Ucrânia será processo
longo, que na verdade interessa a todos os partícipes. Sem lances radicais,
como aquele de Yanukovych, que renegara Bruxelas por conta de Moscou (com as
consequências da praça Maidan que
todos conhecem), pode ser até que tenha êxito. Tende a ser, no entanto, um
processo longo. A Ucrânia não tem uma franquia exclusiva em termos de
corrupção. No atacado e no varejo, ela também floresce na União Aduaneira da
Rússia. E se a sua permanência no governo central de Kiev diminuir, o céu não
ficará exatamente de brigadeiro, mas tenderá a melhorar...
Fontes: O Globo, Christopher
Clark (The Sleepwalkers), The New York Times (Neil MacFarquhar), The New York Review (Tim Judah)
[1] ‘The Sleepwalkers – How Europe went to war in
1914’, by Christopher Clark, Harper, 2012, 697 pp.
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