domingo, 13 de julho de 2014

Colcha de Retalhos B 27


                                 

Plínio de Arruda Sampaio (1930-2014)

 
       Este importante homem político, coerente aos próprios princípios, a ponto de criar desconforto em meio que não se pauta por tais características, faleceu em São Paulo, por câncer ósseo e falência  de múltiplos órgãos, na tarde de terça-feira oito de julho, no Hospital Sírio-Libanês.
       Conhecido pela seriedade e firmeza nos respectivos princípios, a sua atitude ética explica as peripécias do exílio e da trajetória política ulterior.

       Para sua honra, estava entre os cassados do primeiro ato institucional do regime militar (fora o relator do programa agrário do Presidente João Goulart).  Sob a Constituição de 1946, foi eleito deputado pelo Partido Democrata Cristão. Plínio passaria doze anos no exílio.
        Quando retornou ao Brasil, em 1976, Arruda Sampaio se aproximou  das lideranças que formariam o Partido dos Trabalhadores, como o dirigente sindical Luiz Inácio Lula da Silva. Deputado constituinte pelo PT, Plínio e Lula disputaram eleições, mas se afastaram com o acesso à presidência de Lula, em 2002.

          Expoente do chamado PT igrejeiro, Plínio, pelo respeito aos princípios que nortearam a sua entrada na então diminuta, ética e aguerrida bancada petista, a evolução (ou involução, como se queira) política do partido determinaria a sua saída, e ingresso no PSOL. Assim ele explicaria o seu divórcio do PT: ‘O PT saíu de mim. Ele começou sendo socialista, mas se desviou e tornou-se um partido capitalista’.

          O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), surgido como dissidência do Partido dos Trabalhadores, com sua reforçada postura ética e libertária, o escolheria em 2010 como candidato a presidente.  Não ignorava que ficaria em último, mas julgava mais importante a defesa dos princípios, entre os quais a reforma agrária radical.

           Na campanha eleitoral, não poupou nem ex-companheiros, nem amigos. Assim, considerou o governo Lula  “um desastre” e “frustrante”, alcunhou Dilma Rousseff de  ‘fantoche de Lula’, o governo de Fernando Henrique “nefasto”, Marina Silva “ correta, de bem, demonstrou ser pessoa carreirista”.

             Tampouco poupou a José Serra – a quem acolhera quando no exílio em sua casa nos Estados Unidos – “para mim é muito curioso ver o Serra numa posição conservadora. Eu o conheci numa posição de esquerda, avançada.”     

                Dentre os testemunhos recebidos pela partida, há os enfáticos, os protocolares e os de circunstância. Em nota, José Serra afirma que Plínio foi político ‘incomum’ pela coerência na prática de suas idéias e um grande amigo. “Nos longos anos de exílio convivemos intensamente. Dele e de sua mulher, Marietta, sempre recebi afeto e, quando necessário, solidariedade”.  Já o presidente do PT, Rui Falcão, destacou a passagem de Plínio pela legenda: ‘Ele fará muita falta, especialmente aos movimentos sociais, sindicais e aos homens e mulheres de esquerda’. Por fim,  o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, lamentou-lhe a morte, o ex-presidente Lula mandou mensagem pessoal à família.

 
Causas da 1ª Guerra Mundial

 
                 Dentre os livros publicados ao ensejo do primeiro século da Grande Guerra (1914-1918) merece atenção especial o de Christopher ClarkOs Sonâmbulos – como a Europa entrou em guerra em 1914[1].

                 É importante ter presente o significado da eclosão deste conflito. Não significa apenas o fim da Europa do século XIX. A primeira calamidade do século XX – de que surgiram todas as demais calamidades do século passado – acabou com três impérios (o russo, o austro-hungárico e o otomano), matou entre militares e civis a 20 milhões de pessoas, e feriu a 21 milhões.

                 Foi o assassínio do herdeiro do trono do Império Dual, o Arquiduque Francisco Ferdinando e de sua esposa Sophia Chotek von Chotkowa and Wognin, na manhã de domingo 28 de junho de 1914, que levou à crise europeia de julho – agosto.  Estava ele em visita oficial à província da Bósnia-Herzegovina, que em 1908 tinha sido anexada ao Império pela Áustria.

                 Julgando não necessitar de qualquer proteção, o Arquiduque e a esposa pretendiam visitar locais de Sarajevo, e estavam acompanhados do governador da província, general Oskar Potiorek, e de outras autoridades locais. O carro era um belo coupé esporte Graef und Stifts, com a capota abaixada, para melhor expor o ilustre visitante às vistas das multidões alinhadas nas calçadas do boulevar Cais Appel. O cortejo era formado por mais cinco outros carros, que transportavam policiais locais, e membros dos séquitos do arquiduque e do governador.

                 A data da visita despertara, no entanto, espécie em pessoas mais familiarizadas com a província. Era o dia de São Vito, quando em 1389 as forças otomanas haviam aniquilado um exército sérvio na batalha de Kosovo, pondo fim ao império dos sérvios na região, e dando início ao longo domínio turco-otomano na península dos Balcãs. Como Kosovo vinha de ser liberado pela Segunda Guerra Balcânica, as comemorações do dia de São Vito seriam intensas em toda a região. Uma visita neste dia do herdeiro do trono imperial tenderia a ser mal vista pelos inúmeros círculos irredentistas fomentados pelo governo de Belgrado, capital do reino da Sérvia.

                    O arquiduque fez ouvidos de mercador às advertências de quem bem conhecia o terrorismo sérvio.  Depois da tragédia de Mayerling, em que se suicidara o arquiduque Rodolfo, herdeiro do trono austríaco, o velho imperador Francisco José designara Francisco Ferdinando como herdeiro presuntivo do trono. A despeito de ser competente – apreciava sobretudo os assuntos militares – Francisco Ferdinando não se relacionava bem com o Imperador. Se os temperamentos não combinavam, azedava sobretudo a relação o casamento do Arquiduque com a Condessa Sophie Chotek von Chotkowa e Wognin. Havia sido um casamento por amor – o que é raro na  nobreza real – e a oposição do imperador se não impedira a união (que teve de ser morganática) tornara um quase-inferno a existência do casal. Pela etiqueta imperial austríaca, a condessa – que não era de linhagem real – não podia participar de eventos sociais na Corte. A ironia estava na circunstância de que Francisco Ferdinando e Sophie formavam, junto com os filhos, uma família feliz, o que não era muito comum na alta realeza. Daí a satisfação do casal em estar juntos em todos os momentos da visita oficial a Sarajevo. Para a dupla, a data tinha um encanto particular: era seu aniversário de casamento.              

                    Além dos habitantes de Sarajevo, que aplaudiam de forma efusiva o casal real, no povão que assistia havia jovens destacados por Belgrado com intenções bem diversas. Eles tinham sido recrutados pela organização terrorista Mão Negra que se formara ao ensejo do assassínio do rei Alexandar e da rainha Draga, além de outros elementos da família Obrenovich, em 1903. O chefe dessa organização secreta  (a liquidação do rei e da rainha, além de numerosos outros, congregara entre 120 e 150 conspiradores, unidos pelo segredo) era Dragutin Dimitrijevich, o boi Apis (assim alcunhado pela parecença pelos largos ombros com o boi-deus egípcio).    

                        Para resumir os antecedentes desse sombrio projeto, Nikolai Pasich, o primeiro-ministro sérvio, teve ciência de o que se tramava. Preferiu alertar Viena sobre tal propósito, mas de modo sinuoso e implícito. Fê-lo através de Jovan Jovanovich, o Ministro sérvio em Viena, que ao invés de procurar o conde Leopold von Berchtold (o ministro do exterior do império), contactou Leon Bilinski – o ministro conjunto austro-hungárico das Finanças.

                         O aviso foi dado de forma oblíqua: uma visita do herdeiro aparente do trono austro-húngaro e logo no aniversário da batalha de Kosovo, seria encarada como uma provocação. Dentre os jovens sérvios que trabalham nas forças austro-húngaras ‘bem pode haver quem coloque um cartucho de balas no seu fuzil ou revólver no lugar do cartucho de festim...’ Por uma série de razões, Bilinski não deu maior importância à comunicação, e por isso não a levaria ao conhecimento do Conde Berchtold. Por motivos presumíveis, no futuro ele se recusaria  a falar do episódio com jornalistas e historiadores. A questão devia constrangê-lo, porque não levara a sério a mensagem.  (a continuar)

 

Putin e a Ucrânia

 
                         Há sinalizações de que o Presidente Vladimir Putin não esteja mais pisando no acelerador, em matéria de suas relações com a Ucrânia. Bem sabemos que com a queda de Viktor Yanukovych, a Federação Russa adotara uma postura imperialista em relação a Kiev. A operação anexação da Crimeia de março último constitui a marca principal dessa política. Que esse tipo de intervenção seja ainda hoje possível é marca preocupante nas relações internacionais do século XXI. Outro aspecto deplorável, o de que inúmeros membros das Nações Unidos – inclusive o Brasil – não se tenham oposto a essa agressão em flagrante desrespeito ao direito internacional e à norma do pacta sunt servanda (os tratados devem ser respeitados).

                          No entanto, surgem por ora indícios de que gospodin Putin pretenderia chegar a um modus vivendi com o novo governo do Presidente Petro O. Poroshenko. Isso não está acontecendo por acaso. E tem menos a ver com a maior resistência militar das forças governamentais ucranianas – passado o período de transição em Kiev, com a preparação das eleições em que venceu Poroshenko – do que com uma estratégia do Ocidente, em que de um lado sanções pontuais são aplicadas pela Administração Barack Obama, os laços com Bruxelas são restabelecidos, e uma rede telefônica de que participam a Chanceler Angela Merkel e o Presidente François Hollande mantém contato com o Senhor do Kremlin.

                          Não é que haja desaparecido a ‘república de Donetsk’, nem a resistência separatista no leste ucraniano, alimentada por saudosistas da antiga URSS e opositores pró-Rússia da chamada junta de Kiev. As simpatias pela união com a Rússia dessas áreas que estão no extremo oriental ucraniano não têm o peso que propalam, mas tampouco devem ser ignoradas. Uma política em que o aspecto regionalista não seja menosprezado, e maiores oportunidades de emprego e de menos corrupção das instâncias federais seriam modificações importantes para introduzir política mais abrangente.

                           Por outro lado, Putin se mostra mais moderado por causa das sanções. Por mais tópicas que pareçam, elas introduzem um traço de medo na comunidade de negócios. Dada a insegurança decorrente, e a imprevisibilidade de seus eventuais focos, não é bom negócio para Vladimir Putin que o mercado russo venha a sofrer novas medidas nesse sentido (a fuga de capitais na Rússia chegou a 75 bilhões de dólares no primeiro semestre).

                           Dessarte, diante da eventual aplicação de outras sanções pontuais, Vladimir Putin achou melhor brecar a propaganda intervencionista na mídia russa.  Dado o interesse na manutenção das relações com o Ocidente – e como a jóia da coroa, no caso a província da Criméa já estava no bolso – o governo do Kremlin achou preferível frear os ímpetos anexionistas e os movimentos de tropa na fronteira oriental.

                           Por outro lado, a despeito do apoio da opinião pública russa a essa nova política de convivência, há ainda focos potenciais de tensão na atuação das forças do governo de Kiev em retomar – notadamente em Donetsk e Luhansk – os focos de resistência separatista.

                           Há perspectivas de um acordo entre as partes, no entanto. As finanças da Ucrânia estão decididamente no vermelho, Kiev depende da retomada do fornecimento de gás russo (sobretudo às portas do próximo inverno) e a eventual ajuda e assistência da União Européia é um processo de médio prazo pelo menos.

                           Tudo isso induz à maior flexibilidade do governo Poroshenko. A prosperidade da Ucrânia será processo longo, que na verdade interessa a todos os partícipes. Sem lances radicais, como aquele de Yanukovych, que renegara Bruxelas por conta de Moscou (com as consequências da praça Maidan que todos conhecem), pode ser até que tenha êxito. Tende a ser, no entanto, um processo longo. A Ucrânia não tem uma franquia exclusiva em termos de corrupção. No atacado e no varejo, ela também floresce na União Aduaneira da Rússia. E se a sua permanência no governo central de Kiev diminuir, o céu não ficará exatamente de brigadeiro, mas tenderá a melhorar...

 

 

Fontes: O Globo, Christopher Clark (The Sleepwalkers), The New York Times (Neil MacFarquhar),  The New York Review (Tim Judah)    

                



[1] ‘The Sleepwalkers – How Europe went to war in 1914’, by Christopher Clark, Harper, 2012, 697 pp.

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