O assassínio de Francisco Ferdinando
Por mais de 25 anos o
Arquiduque Francisco Ferdinando(1863-1914) esperou pela saída de cena do velho
Imperador da Áustria, Francisco José I. Não sabia que esperava em vão.
O herdeiro presuntivo da coroa
austro-húngaro seria assassinado em Serajevo, a 28 de junho de l914. Estava em
visita à Bósnia-Herzegovina, que fora anexada ao Império em 1908. Nunca um
terrorista como Gavrilo Princip provocaria tanto mal e tantas desgraças com o
seu ato criminoso.
Apesar de considerada um organismo em
vias de extinção, a chamada monarquia dual – que foi constituída em função de
acordo entre a Áustria e a Hungria, em seguida à derrota militar frente à Prússia,
que determinara o afastamento do novo Reich alemão de qualquer ingerência
austríaca – funcionava a contento.
A maior parte dos habitantes do
Império viam no domínio do estado habsburgo a prevalência dos benefícios
estatais: a educação pública, as obras de sanidade pública, a segurança e a
manutenção de sofisticada infra-estrutura. O funcionamento do Parlamento
federal, se por vezes prejudicado pelas exigências das muitas línguas que
podiam ser usadas, e as táticas dilatórias – que fariam inveja ao filibustering americano – na verdade não
atentavam contra a democracia austro-hungárica.
Seria o grande jornalista vienense Karl Kraus que descreveria de forma
irônica o falso problema: a situação era “desesperada,
mas não séria”.
Nas duas partes da monarquia – a
austríaca, de fala alemã, e a húngara, de fala magiar – estavam sediados os
respectivos governos, a que presidia o Imperador Francisco José. Esse estado,
que muitos acreditavam nas vascas de um processo de irremediável deterioração,
desmentido por uma plêiade de
intelectuais, cientistas e artistas. Para citar apenas alguns nomes, Ludwig
Wittgenstein, na filosofia, Gustaf Mahler, na musíca, Sigmund Freud na psicanálise, Gustaf Klimt na
pintura, Robert Musil na literatura, e Johann Straus, na opereta, não passavam
imagem de uma sociedade carcomida.
A amarga ironia do
atentado estava em que se abatia o Arquiduque Francisco Ferdinando por seus
bons propósitos. Na verdade, pretendia retirar a Monarquia dual da estagnação a
que a longa vida do Imperador Francisco José condenara a entidade
austro-húngara nos anos derradeiros de seu extenso reinado (1848 – 1916)
A respeito da eclosão da chamada Grande Guerra, que,
com a política das alianças e o seu protervo atrelamento à instável região dos
Balcãs, poria fim a um período de prosperidade e de inter-relações intensas (os
viajantes não careciam de passaportes). O centenário da 1ª Guerra Mundial, que
cai em julho corrente, marcaria o começo do fim das Grandes Potências
Européias. Nunca um conflito –
desencadeado por uma série monumental de erros - assinalaria um turning point (momento determinante de
mudança) de tal relevância. A alegre
sociedade da belle époque saía
bruscamente de cena na carnificina das trincheiras, no desaparecimento de três
Impérios (o austríaco, o russo e o otomano), e abria as comportas para as
desgraças subsequentes do século XX.
Nesse contexto, os gabinetes europeus –
a França com a sua política de generosos empréstimos à Sérvia e a São
Petersburgo (então capital do Tzar Nicolau II), a Inglaterra de Sir Edward Grey,
que com sua ambiguidade político-diplomática induziu em erro aos Impérios
Centrais, a corte de Viena, que, por exigências desatinadas abriu as portas
para os deuses da guerra, e o próprio Guilherme II da Alemanha, que com suas
limitações intelectuais e desequilíbrio emocional já zelosamente contribuíra
para desfazer a obra-mestre do Chanceler Bismarck – seriam os coveiros da Paz e
da época de ouro das potências europeias.
Dessarte, se o arquiduque não tivesse sido
assassinado, a história mundial poderia se ter encaminhado por outras sendas. E
nisso é esclarecedora a obra de Christopher Clark –“The Sleepwalkers (Os
Sonâmbulos).Como a Europa entrou em guerra em 1914” é de grande relevância,
pela sua reconstituição da política dos gabinetes europeus (os da Entente
Cordiale – França, Inglaterra e Rússia – e os da Tríplice Aliança, de Alemanha,
Austria-Hungria e Itália[1] )
– e pelo minucioso trabalho de retratar, por extensa e acurada pesquisa, a
formação do um ambiente irreal e desatinado,
em que a conflagração geral constituía o objetivo de muitas dessas
capitais.
Nunca o dito de que a História é um
conjunto em que boas intenções pavimentam o caminho do Inferno reponta como
assertiva de esmagadora realidade. Nela,
os ‘se’ são espantalhos que os ventos
cuidam de carregar para as florestas indevassáveis das ilusões perdidas.
Visita do Vice Biden ao Brasil
A vinda ao Brasil do
Vice-Presidente Joe Biden atendeu a mais de um freguês. Presenciou jogo da equipe americana na Copa
do Mundo – há pouco eliminada pela
Bélgica, com a performance marcante do arqueiro Howard ; e visitou a Presidente Dilma Rousseff, em
contato que estaria no contexto de um reestreitamento de relações entre Brasil
e EUA, após as revelações de Edward Snowden e as indiscrições da NSA em termos
de espionagem cibernética nas comunicações da Presidenta.
Foi nesse contexto que Dilma cancelara
sua ida ao jantar na Casa Branca, e à recepção de Estado. Também foi a causa de forte discurso na
Assembleia Geral, e de coparticipação com a Alemanha de Frau Angela Merkel em
uma recomendação da AGNU contra esse tipo de indiscrição estatal.
Dessarte, a visita de Joe Biden seria
para preparar um eventual reencontro entre Obama e Dilma. Ainda nesse quadro,
foi apresentado, com alguma fanfarra, a propósito de colaboração do Governo
estadunidense, coleção de documentos dos anos da ditadura militar que se acham
nos arquivos de Tio Sam.
No entanto, esse donativo é definido
pela insuspeita coluna de Elio Gáspari como ‘pura marquetagem, quase um vexame’. Dos 43 documentos entregues, 25 já eram do
domínio público, alguns mesmo acessíveis pela internet.
(Fontes: The New York Times,
The Sleepwalkers, de Chr. Clark, Folha de S. Paulo)
[1] Na verdade, a Itália era
nessa aliança um remanescente da política bismarckiana, e já havia concertado a
sua defecção para a Entente, quando estourasse a guerra.
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