domingo, 17 de novembro de 2019

Sérgio Cabral, de promessa política a réu profissional ?


            
      No quase-deserto atual do Rio de Janeiro, em termos de expoentes políticos nacionais, o artigo em tela, que se baseia em matéria elaborada por Italo Nogueira, para a Folha de S. Paulo, busca traçar as razões - segundo os próprios interesses - da sua metamorfose de político nacional, para um réu profissional. Vista de relance, afigura-se a princípio difícil entender essa radical alteração em suas perspectivas políticas - de eventual candidato potencial à presidência da república à sua atual situação de presi-diário, em que ora se "profissionaliza" no seu papel de réu da Operação Lava Jato.

        Para tanto, me baseio no artigo supracitado. Segundo assinala Nogueira na Folha, o ex-governador Sérgio Cabral completa três anos preso enquanto se "profissionaliza" como réu da Operação Lava Jato. Há pouco mais de ano, Cabral negou por última vez haver recebido propina. A partir de então, adotou nova estratégia de defesa: confessar os crimes a fim de reduzir as penas. Nessa linha, iniciou tratativas para se tornar delator da Polícia Federal, o que fez após a recusa do Ministério Público Federal. Se há alguém que poderia dizer - a minha vida me condena - ele não deve ignorar que essa nova estratégia não tem sucesso assegurado.

        O resumo de sua vida sob a lupa do direito penal, na matéria da Folha - réu em trinta ações penais decorrentes da operação e condenado a cerca de 268 anos de prisão, Sérgio Cabral não ignora que só possa ser visto como o estereótipo do político corrupto. Mas como a esperança será sempre a companheira de cela dos condenados, as recentes decisões do Supremo Tribunal Federal lhe reacenderam essa chama que ele compartilha com todos aqueles que vivem atrás das grades - a eventual reconquista da liberdade.
          Dessarte, a defesa de Cabral prepara para 2020  habeas corpus em que ela tentará revogar as três prisões preventivas e uma execução de pena provisória que o esperam nessa longa jornada da reconquista eventual desse sonho permanente do presidiário - seja ele conhecido ou ignoto - que é a desejada reafirmação da liberdade.

           Como sublinha Nogueira, será a primeira vez, desde novembro de 2016, quando foi detido na Operação Calicute, que ele se servirá  deste recurso.  A primeira medida foi tentar revogar neste mês de novembro a prisão decorrente da condenação no TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), que é a única condenação em segunda instância contra ele (ainda pende de decisão judicial decisão de qual magistrado é competente para analisá-la - se Curitiba ou Rio de Janeiro).  Os futuros pedidos de liberdade, no entanto, dependem de pronunciamento do Supremo sobre temas que afetem a Lava Jato.

            Ao contrário de outras Justiças nacionais, é uma tônica brasileira que a evolução esteja muito presente em nossa Justiça. Assim, como assinala o artigo a decisão sobre o compartilhamento dos dados da UIF (antigo Coaf)  a ser tomada provavelmente nesta semana pelo STF  é outra que pode interferir  no andamento dos processos do ex-governador Cabral.
                  E não é só.  Como se assinala, os magistrados entenderam  que delatores devem protocolar as alegações finais antes dos delatados, o que não ocorreu em nenhum processo do ex-governador. O STF  ainda vai definir o que fazer com os processos já concluídos (a regra é que os delatores devem protocolar as alegações finais antes dos delatados - o que não ocorreu, como sublinha Nogueira, em nenhum processo do ex-governador).
                   Quanto à realidade  na prisão, a que as confissões de Cabral vieram a  modificar, viria a surgir dessa mudança de postura do ex-governador a animosidade de alguns dos companheiros de cárcere. Por isso, o ex-governador pediu transferência para o Batalhão Especial Prisional de Niterói, onde está detido  o ex-governador Pezão. Autorizada pelo juiz Marcelo Bretas, a mudança foi vetada pela Vara de Execuções Penais.
                     Cabral divide uma galeria de seis celas de seis metros quadrados cada uma com outros quatro detentos: Eduardo Cunha (ex-deputado federal), Wilson Carlos (ex-secretário) Paulo Melo e Edson Albertassi (ex-deputados estaduais).  Passa o tempo lendo jornais, livros ou fazendo exercícios com halteres especiais.
                      Como assinala a matéria de Nogueira, a leitura já o ajudou a reduzir em 51 dias sua pena - benefício previsto na Lei de Execuções Penais. Ao longo de três anos, Cabral foi interrogado 23 vezes, tendo ficado em silêncio em apenas duas. No inicio, segundo refere o artigo, se defendia de forma veemente.  Chegou a discutir com o juiz Marcelo Bretas e com o  procurador Eduardo El Hage, coordenador da Lava Jato fluminense.

                        Após a transferência para Curitiba em 2018, na qual foi algemado nas mãos e nos pés, adotou tom mais humilde. Falou que não soube se conter diante de tanto poder, mas manteve a linha de defesa anterior, de que fizera uso pessoal de sobras da caixa dois de campanha.
                          No início do corrente ano de 2019, decidiu assumir os crimes que lhe são atribuídos. Seus primeiros depoimentos como réu confesso foram carregados de emoção. Classificou o poder e o dinheiro como vícios.
                           Afirmou também haver sido achacado por deputados e feito tratos com ministros de tribunais superiores. Mencionou ainda repasses a antigos aliados que nem eram tema de ações penais.  Aos poucos, se tornou mais avaro nas falas, restringindo-se aos temas dos processos em que é ouvido.  Tem prestado depoimento em inquéritos em curso antes mesmo da deflagração de novas operações. Ao mesmo tempo, negocia com a Polícia Federal a ampliação de suas informações.
                             O resultado prático na aplicação das penas ainda não é possível. Bretas não sentenciou o ex-governador em nenhum processo  no qual ele tenha confessado crimes em interrogatório.
                              O objetivo atual seria o de amenizar sua imagem a fim de atenuar o impacto de uma eventual soltura. O ex-emedebista se desfiliou do partido em setembro, com o intuito de sinalizar publicamente o fim de sua carreira política.
                               Sem embargo, sua liberdade  é vista com preocupação no Ministério Público Federal.
                                 O procurador Eduardo El Hage, já referido como o coordenador da Lava Jato fluminense, classifica, sem embargo, a saída de Cabral como um risco. A Procuradoria ainda desconfia que o acusado mantenha  oculto parte de seu patrimônio obtido com propinas, apesar das confissões.
                                  "Ele é líder da maior organização criminosa que já foi descoberta no estado do Rio de Janeiro. Não tenho dúvidas de que ele ainda tenha muito poder e, em liberdade, pode continuar manipulando essa máquina que funciona a seu serviço", disse o procurador.

                                  Tenho para mim, ao cabo de inteirar-me do artigo de Italo Nogueira, a quem me permiti em  parte transcrever, assim como acrescentar - ou modificar - o que acaso julguei pertinente,  que o ex-governador, a quem, repito, não conheço pessoalmente, foi um valor que a corrupção afastou de exemplo a que seguiria com público proveito, que o seu entorno de família, na qual  se criou,  teria colaborado a ser governante em nível ainda mais alto, sem a experiência negativa, hoje sobejamente conhecida, e  a qual é agora associado com os fartos motivos aduzidos na matéria da Folha,tudo isso já constitui, a meu modesto ver,  prova bastante, de que castigo apropriado já lhe foi cominado, de resto com a sua direta colaboração, dada a extensão das penas que lhe foram justamente aplicadas, e o que ainda merece consideração atenta, que ele mesmo, ao renunciar por escolha própria, não permitiu que se lhe abrisse uma via ainda mais alta, que é a tanto tempo denegada aos naturais do estado do Rio de Janeiro.

( Fontes: Folha de S. Paulo e artigo de Italo Nogueira;  conhecimento, enquanto cidadão, da vida pública e da capacidade política de Sérgio Cabral.)      

Nenhum comentário: