quinta-feira, 14 de março de 2019

O Blog 6000


                                     
        Faz tempo já que, ao longo do caminho, comecei a entrever essa divisa na minha trilha de blogueiro.  Não sei se a palavra será bonita ou feia, mas a verdade é que não há outra que seja aplicável.

         Algum escritor famoso terá utilizado a imagem do vidraceiro que, muita vez,  portando às doridas costas espelhos que lhe incumbe levar para o necessário polimento, sem dar-se conta nem cuidado, ele vai refletindo as eventuais belezas da estrada, por vezes longa e poeirenta que o seu mister o força a percorrer, com o passo cansado de quem encara longa jornada pela frente.

        No entanto, o cronista, por mais sabujo ou desinformado que seja, terá vergonha em refletir imagens que não lhe pareçam à altura tanto de suas ambições, posto que, pela própria condição, necessariamente modestas,  quanto das eventuais - por estranhas que acaso semelham - imagens que o respectivo afã há de mostrar, como se as  pinturas que os seus carregados ombros sustentam já trouxessem a marca do anônimo trabalhador braçal.
           Penso então nos descontroles da existência, nas surpresas que a sorte nos surrupia à frente, nos escândalos de vidas boçal e ignobilmente corta-das, nas sanhudas vitórias da mediocridade - como no caso, v.g.,  da Theresa May que apesar de sua inteligência pouca, sabe ignorar as derrotas do cotidiano, e se aferra, com a aderência de uma larva às pedras que lançam, ao longo do caminho, em pensando dela servir-se no futuro jamais no interesse de um sonho vão, sempre para costurar mofina permanência em posto seguro.

             Penso na longuíssima guerra da democracia contra Bashar al-Assad  que parecia destinado à lata de lixo da História, e não é que se agarrou ao vero senhor Vladimir V. Putin, após a longa caminhada até o Kremlin, para obter a continuação da ditadura - e não da democracia que jovens sírios tinham ousado imaginar - pagando alegre com a condição de vassalo gordo, o que a sorte madrasta ameaçara arrancar-lhe. Melhor servo, do que livre, se a tua sorte, a feiticeira te confiou, apenas isto permite...

             A guerra da Síria e a sua ignóbil, interminável extensão, contrariou a aspiração da juventude síria, que pensara passara o tempo da ditadura e da opressão, em que vegetara o pai de Bashar...

                Ao contemplar os resultados da anti-política de Barack Obama, pode-se entender melhor porque tantas pestes e doenças se aninharam na longa resistência do ditador sírio, e no consequente sofrimento que trouxe aos próprios nacionais, de quem cortara as vãs asas da liberdade, ao entregar-se aos olhos cruéis de gospodin  Putin.

                   Mas quando acaso me falam da terrível, desapiedada guerra da Síria, meu pensamento voa para a imagem inocente do pobre Alan Kurdi, o menino de três anos que, afogado em mar cerúleo, dorme eternamente em pedregosa praia desse Mediterrâneo oriental esquecido, que demora próximo das terras do todo-poderoso Senhor - que, como Mussolini,  ama montar altos ginetes, para assim dissimular a ambiciosa pouca altura - e que vê o mundo à sua volta com as glaciais vistas da ambição sem limites - ainda que a falta de meios da atual Rússia sejam um espinho enfiado na própria ilharga.

                       Pois esse blog dos Seis Mil, eu o dedico de bom grado ao menino inocente, vítima de um conflito cruento que ele não provocou, e cujo sonho eterno, está fotografado para sempre na areia e nos cascalho de uma praia tão esquecida, quanto famosa. Lá esse infante sem pecado dorme o eterno sono dos que já estão em outras partes, mais risonhas, mais azuis ainda, do que aquela nesga de praia, que demora nas históricas terras da Ásia Menor. A eles está prometido o céu.

                         Ainda que em nossa memória, permita esse blog dos seis mil venha a servir-lhe de leito. A esperança - que ele nos infunde - é capaz de revelar-nos montanhas. Pensemos que ele esteja apenas dormindo. E que a sua imagem prevaleça sobre as asperezas do cascalho, o ruído das ondas, e a geral desesperança.

( Fonte: Os descaminhos do  blog e suas eventuais surpresas )

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