segunda-feira, 10 de setembro de 2018

Ortega se apega ao Poder


                              

                             A manchete estava metida dentro de página de jornal. Ela me chamou a atenção paradoxalmente pela sua falta de originalidade. Veja, sr. leitor, a situação na Nicarágua. Depois de uma tentativa fracassada de apertar o dinheiro reservado para a aposentadoria da população, a reação do povo foi uma revolta que, com o tempo, se espalhou pelo interior do país.
                        Na América Central há tradição de que os governantes se eternizem no poder. Como, em geral, a popularidade dificilmente acompanha o poder, quanto mais tempo o presidente permaneça no palácio, a chance não será pequena que a impopularidade comece a fazer-lhe companhia.
                        A Nicarágua é um exemplo dessa síndrome de rejeição ao poder. Depois de um tempo, começam a pulular os indícios desse mal universal que é a corrupção. Os sinais de opulência tendem a agredir a gente governada, que ressente os indícios do favor e do privilégio. Por mais pobre que seja um país, o seu povo se sente afrontado pela riqueza que vê ou imagina naqueles próximos do poder.
                           Como tudo é relativo na vida, os sinais da corrupção dos poderosos tendem a agredir os governados. Até que essa corrupção tenderá a ser menor do que a dos países maiores, mas não tenham dúvida. Não há como escondê-la. Ela se vê nos policiais nédios e violentos, nos protegidos do ditador - nesses, as mostras estão nas casas, que sempre luzem melhores e mais brilhantes do que as choças do povaréu.
                          Essa aura que cerca o poder, ela tende a afastar a gente comum. De início, pela soldadesca que a contorna, num abraço de proteção que o povaréu não tem.
                              Se o poder tende a separar a autoridade do zé povinho, não costuma ser por uma aura republicana, mas sim pela afirmação do privilégio que sói ser agressivo, como alguma autoridade que reclame para si mesma um espaço bastante mais amplo do que aquele do comum dos mortais. E esse fasto do poderoso tem formas diversas. Mesmo uma suposta simplicidade republicana pode agredir o povaréu pela distância que sói tomar dos governados.
                                Assim, o espaço da autoridade tende a agredir o homem do povo. Primeiro, pela sentinela que dele o afasta. Segundo, pela separação que ele traz consigo. E terceiro, pelas diversas formas em que o acesso à casa do poder é vedado ao popular.
                                 Na distância e nos obstáculos que a concretizam estão tanto o encanto do poder, quanto a inextricável maldição que com ele convive.
                                   E, no entanto, o governante, como Ortega, se conforma com os símbolos de um poder, que pode e deverá afastá-lo com o passar do tempo do povo que alguns chamam de soberano.
                                    Só que essa separação é contingente. Faz parte do problema.              



In Memoriam da Médica brasileira
que foi morta por capangas da ditadura Ortega

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