quinta-feira, 27 de setembro de 2018

A Esfinge Jeremy Corbyn (2)


                       
          Diante da confusão no governo, e sua falta de unidade, refletida nos ires e vires da "líder" Theresa May, tem crescido bastante nos últimos tempos a insatisfação no Parlamento, notadamente no principal partido da Oposição,  que é o Labour (Trabalhista ) de Jeremy Corbyn. Acresce notar que o próprio Corbyn tem especial inclinação pelo euroceticismo, o que tende a aumentar a reinante balbúrdia.
            De uns tempos para cá, no entanto, o euroceticismo tem mostrado alguns matizes que semelham ir ao encontro de certa inclinação no partido de Attlee que favoreceria a composição com Bruxelas.  Assim, tendo como pano de fundo as piruetas (antics) dos gêmeos Johnson, e a mediocridade da Primeira Ministra May, o Partido Conservador - que semelha ser o esteio dos "princípios" do brexit - reflete uma genérica falta de coordenação e de senso objetivo quanto a obter da parte continental europeia um acordo tipo soft brexit (brexit suave).
           Nesse quadro de falta de liderança de quem é suposta exercê-la, a outra parte, representada por boa parte dos trabalhistas, tem procurado avançar em uma linha que abra a possibilidade de acordo com Bruxelas, passando pelo prelúdio de um novo referendo.
             Com a ambição espicaçada pela probabilidade de eleições antecipadas, o líder da Oposição, Jeremy Corbyn, parece cultivar a possibilidade de recuperar a maioria em Westminster, enquanto se apega simultaneamente a uma estranha adesão ao culto do ambíguo quanto ao tópico cardeal no corrente embate ideológico-partidário na Inglaterra - vale dizer, acreditar possível  marcar o próprio norte pelo  Remain ( i.e., optar pela permanência na U.E.) e ao mesmo tempo, à primeira vista incongruamente, abraçar a mensagem do brexit.
             Talvez pensar no poema-livro de Carlos Drummond de Andrade, o Claro Enigma, possa ajudar de alguma forma a deslindar o que semelha ter todo o aspecto de inarredável contradição. Cultivar em público a possibilidade de ensejar o convívio de dois conceitos antagônicos, como se se pudesse carregar a dúvida como espécie de bengala, para que esse anti-conceito fosse capaz de manter-se incongruamente viável  diante das arremetidas de campos opostos, constitui decerto um preciosismo retórico,  mas em se tratando das idiossincrasias do presente líder do Labour, não poderia ser excluído.
               Para muitos, o chefe do Labour prima por uma atitude pouco consentânea com a de quem pretenda liderar gabinete a sair das próximas eleições. Como toda a ideia nova,  não há negar a própria originalidade, o que tende a constituir uma espécie de passe-livre para viabilizar algum caminho de meta-entendimento com a União Europeia.
               Rogo a paciência do leitor para dois aspectos que estão nessa proposta. De um lado, ela trata o paradoxo como um instrumento. Ao admiti-lo como se fora espécie de contestação que tentaria com ela conviver, não estaria o líder trabalhista convidando para a mesa de jantar conceitos antagônicos na aparência, mas que na realidade não excluem uma forma de coexistência?
               Não há negar que o brexit coexiste com inúmeros erros. A proposta tem ranço reacionário, ao negar a óbvia plenitude lógica do europeismo, surgido na usina de seu núcleo do carvão e do aço, e na obra de recomposição e reconstrução de o que o flagelo da guerra destruíra - contra o fanatismo terrorista de Gavrilo Princip e a destruição cósmica que esse atentado acarretaria.
               No plebiscito do brexit, no seu veleitarismo e consequente primarismo,  a necessidade da união europeia avulta como injunção de nova Europa, em que a soberania individual seja posta de lado, como os velhos trajes dos cortesãos de aristocracias peremptas. Dado, no entanto, o caráter complexo e mesmo delicado do tema, e o travo amargo da soberania individual de estados que na prova da História tinham indicado da sua carente necessidade de travas e instrumentos conducentes a consensos e não a regimes fundados em premissas do absolutismo e da negação da liberdade, como ora se busca implantar em Hungria e  Polônia, vestindo os velhos trajes dos regimes da MittelEuropa do entre-guerras, Jeremy Corbyn talvez busque conseguir melhores condições para o remain,  enquanto trata de compor as eventuais resistências à restauração da situação antebélica com as necessárias composições, seja para aplainar o caminho da marcha para um new deal que esvazie núcleos porventura resistentes - seja no Continente, seja nos remanescentes bolsões ingleses, alargando e pavimentando  a avenida para a sua triunfal afirmação eleitoral, com a volta ao aprisco de uma Inglaterra por fim pacificada.   

(Fontes: Carlos Drummond de Andrade; Sean McMeekin, Basic Books; O Estado de S.Paulo; The Independent ).

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