terça-feira, 17 de março de 2015

Rescaldo da Grande Festa

                                      

                Dentre as reações à aparição de Dilma Rousseff, fico mais com a atitude de Miriam Leitão. Na imprensa, nota-se ainda certo temor reverencial, em se tratando de entrevistas presidenciais. Como se a aparição e as desculpas apresentadas pela Presidenta já fossem grande manifestação de apreço, que a colocassem, pelo próprio gesto de responder às perguntas dos repórteres, acima dos valores habituais e de eventuais críticas.

                Haveria aí resquício da postura sobranceira dos soberanos e de seus assemelhados, tornando mais raras as respectivas presenças, e, por consequente, pensando assim valorizá-las. Há dois exemplos na dita ‘entrevista’ que frisam essa conotação.

                Quando declarou a corrupção ‘senhora bastante idosa’, ela na verdade não logrou desmerecer do repúdio popular a essa prática. Pois dizer que um determinado comportamento é muito antigo, na realidade nada acrescenta ao seu juízo de valor (no caso negativo).  Para que se tenha ideia da falácia, seria o mesmo   que fazer pouco do homicídio como crime,  se porventura dissesse que tal tipo de delito é tão velho quanto o mítico assassínio de Abel por Caim...

                 O que não se deve perder de vista no caso da corrupção na Petrobrás e da revolta que provoca na população, não tem nada a ver com a suposta idade dessa senhora. Nunca antes se assistira um assalto tão cínico e façanhudo, quanto o aparelhamento da nossa maior empresa, pelo Partido dos Trabalhadores e de seus gerarcas.

                 Não é de esquecer facilmente que a brutal exploração na Petrobrás começou para valer em 2003, ano primeiro do reinado petista.

                 Por outro lado, a decantada ‘humildade’ de Dilma Rousseff se encaixa à maravilha dentro desse retrato de corte, em que se resolveu inserir a Presidenta. E aqui chegamos às palavras de Miriam Leitão: ‘Depois, em entrevista rápida, nada declarou que demonstrasse ter entendido o que está se passando no país.” E mais adiante, em comportamento que a colunista de O Globo define como ‘constrangedor’ : Um dia depois de avassaladoras manifestações populares, no dia exato em que o tesoureiro de seu partido foi denunciado pelo Ministério Público, quando tantos fatos graves abalam o país, a presidente tem a admitir um erro: o do Fies’.

                  Essa postura majestática, essa alienação do sentir da maioria da população, ela se torna mais saliente quando os poderosos de turno se vêem forçados, naqueles tempos que os chineses cognominam de ‘interessantes’, a manifestar-se acerca de o que sucede no seu país. Será nesta ocasião que mais se sente o deslocamento e o nefelibatismo[1] dos mandantes, em geral poupados pelas maneiras aveludadas e cuidadas omissões do respectivo círculo de cortesãos.  

                 Palavras talvez mais importantes as disse outra mulher, também jornalista, que hoje escreve no Estadão, ao definir os acontecimentos declanchados pelo quinze como ‘crise grave, mas sem saída’.  Eliane Cantanhêde nos mostra a reversão dos papéis, e como o PT mudou de lado : ‘bastaram doze anos de poder para o caçador virar caça.’

           Refere-se ela à explosão nas ruas em junho de 2013  da classe média assalariada com uma pauta difusa de reivindicações e de acusações generalizadas contra ‘tudo o que está aí.’

            Como frisa a Cantanhêde, “à crise política, aos erros na economia, aos desmandos éticos, ao desmanche da Petrobrás, soma-se o último fator que faltava: as ruas. Fecha-se o cerco. Não foi uma manifestação a mais, foi uma para entrar na história, tal a dimensão e a extensão. (...) (N)este 15 de março de 2015, jovens e velhos, mulheres e homens, empresários e assalariados tiveram uma pauta bastante específica: a rejeição a Dilma, ao governo e ao PT.”

            É de registrar-se também – como o faz a Cantanhêde – “uma grande ausência: a do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que não apareceu na sexta-feira nem no domingo, fosse para aprovar ou desaprovar qualquer dos dois movimentos.  Mas o pior não foi isso: as multidões, com seus cartazes e slogans, simplesmente ignoraram Lula. Será que Lula, para o bem e para o mal, também não é mais o mesmo?”

            Por isso, as respostas do governo batem sempre na mesma tecla inexpressiva. Diante de tudo o que está aí e que à vista de todos o investe, continua a repisar reforma política e pacote anticorrupção?

            E será que foi para provocar mais um panelaço que os dois Ministros – o da Justiça, José Eduardo Cardozo, palavroso, mas pouco inspirador - e Miguel Rossetto, que tentou desfazer de grande manifestação com palavras mesquinhas : ‘não votaram na presidenta Dilma’ – foram jogados no círculo de giz da mídia ?

 

‘Fontes: O Estado de S. Paulo, O Globo’




[1] Que anda ou vive nas nuvens.

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