sábado, 28 de março de 2015

Pobre Ucrânia


                         

         Existem três partes na guerra da Ucrânia, guerra essa de que Kiev não é a causadora, mas a vítima. Não há dúvidas de que o agressor é a Federação Russa, sob a direção de Vladimir Putin. O que ele pretende, além de enfraquecer o vizinho, resta a determinar.

         Vítima da corrupção do governo filo-russo de Viktor Yanukovich, escorraçado pela rebelião da Praça Maidan, infelizmente este mais importante país dos o que os russos chamam ominosamente de estrangeiro próximo (a política e os objetivos do Kremlin variam segundo tal cercania) registra duas fraquezas principais: (a) a sorte madrasta de uma série de administrações corruptas e (b) tradicional displicência quanto às províncias orientais, de fala russa.

         Como se a Ucrânia devesse ser castigada pela sua opção majoritária de preferir o Ocidente (i.e., a União Europeia) ao invés da União aduaneira de gospodin Putin, a série de falsos movimentos autônomos, orquestrada por Moscou, constitui a solução autoritária, modelo de entre-guerras (reporto-me aos ditadores Benito Mussolini e Adolf Hitler) que o cleptocrata  e ex-KGB (V. Putin’s Kleptocracy, de Karen Dawisha)[1] já deu vários indícios de admirar e até imitar.

         Petro Poroshenko foi eleito democraticamente, vencendo a rival Yulia Timoshenko, que Yanukovich, decerto inspirado pelo mestre russo, fizera condenar à longa reclusão por um juiz de primeira instância. À Timoshenko de nada valeu o singular elogio do Senhor do Kremlin (que a definira como o único homem com quem tratara no governo anterior da Ucrânia – ela era então Primeiro Ministro).  

         Poroshenko, que é um oligarca oriundo da região oriental, só pode ser responsabilizado pelo Ocidente por causa da rebelião separatista e de outras desgraças na Ucrânia, se utilizarmos a vara de mensurar de mestre Putin.

        Através das porosas fronteiras ucranianas,  os separatistas de Donetz e adjacências haviam recebido orientação e, sobretudo, armas dos irmãos russos. Esse processo é endêmico naquela área – quando da derrota do tzar Nicolau II, já irrompera nessa cidade um projeto independentista, que foi esmagado pela tropa soviética, então sob a chefia de Leon Trotski. Desta vez, seja pela fraqueza do governo interino de Kiev, seja pela assistência dos ‘voluntários’ russos, criou-se o núcleo que justificaria o ingresso de mais tropas e equipamentos de Moscou.

       No entanto, no ano passado, o ataque mais grave contra a soberania da Ucrânia foi a invasão da Crimeia (que em 1954 Nikita Krushev transferira, dentro da União Soviética, para o governo de Kiev). A movimentação russa funcionou como experimento, tanto no plano tático, quanto naquele político. Precedida por soldados não-uniformizados, a tomada da península foi rápida, sendo seguida em curto espaço de tempo por um plebiscito fajuto (o uso do adjetivo é proposital, para sublinhar a grosseria dos métodos empregados). Em coisa de mês, estava tudo acertado, inclusive com o Senado russo aprovando a anexação. O próprio arremedo de referendo tinha redação confusa, e falta de fiscais que lhe atestassem a legalidade. Mais parecia eleição argelina, cujas totais partidários eram conhecidos de antemão, inclusive com o requinte dos percentuais exatos... Nada disso impediu esta gritante afronta ao Direito Internacional Público e à regra pacta sunt servanda[2].  Nesse aspecto, tanto o Itamaraty, que Dilma conseguiu o que nem os militares tinham perpetrado, vale dizer, se prestar a validar tal afronta. A militante ignorância petista e da atual Presidenta, ao enfraquecer princípio básico de nossas fronteiras, terá mandado às favas o trabalho da diplomacia brasileira, que sempre foi de Estado, na lição dos diplomatas do Império e do Barão do Rio Branco.

        A estripulia de Putin, contudo, lhe sairia mal, não só pelas inúmeras sanções ad hominem da diplomacia americana, mas também pela colaboração de Bruxelas. Até hoje, a lei internacional não se aplica na Crimeia, nem tampouco essa península é servida pelas linhas aéreas internacionais.

        Mas o presidente russo é homem pertinaz e,  por causa de sanções, não foge à  luta. Através dos chamados acordos de Minsk, se sucede uma série de supostas tréguas, que não tem detido o invasor russo, nem os bem-armados rebeldes, mas apenas lhes dado certo floreio legal para o seu plano de assenhorear-se da parte oriental da Ucrânia, máxime aquela próxima da Crimeia.

        Se nos afastarmos do dia-a-dia, forçoso é reconhecer que o plano de Putin por ora se afigura com clara – posto que constrangedora – vantagem.

        O exército ucraniano não está equipado para enfrentar o poderio russo. Esta circunstância não é culpa de Poroshenko. Soterrada de dívidas, Kiev não tem condições de armar-se. A sua condição de devedora dá a seus ‘amigos’ ocidentais uma fácil, quase embaraçosa, desculpa.

        O único fator que discrepa desse pacifismo à outrance, é o atual comandante da NATO, o general Philip M. Breelove. Steve Erlanger, no seu artigo no New York Times, indica a respeito: o general disse que o Ocidente deve responder ao contínuo fornecimento por Moscou de tropas e armas aos rebeldes. Nesse sentido, enfatizou: “Poderia ser desestabilizante? A resposta é sim. Também a inação pode ser desestabilizante. É a inação a ação apropriada?”

         Escusado dizer que tais palavras do velho militar não é música agradável para os ouvidos de altos funcionários na Europa e nos Estados Unidos.

         A fraca posição da União Europeia ficou muito clara no comparecimento ao 2º Minsk de parte de Angela Merkel e François Hollande.  Essa postura se torna até escandalosa na sua passividade, quando se explicita que a U.E. não favoreceria o envio de armas pesadas para a defesa de Kiev. No entanto, a atitude fica tingida ou de derrotismo, ou de até mesmo de cinismo, se, como se adianta, a U.E. não veta apenas as armas ofensivas ao exército ucraniano. Também sequer considera o envio de armas defensivas.      

         Com amigos como estes de Bruxelas, de que serviria à Ucrânia o apoio da União Europeia?  O próprio Barack Obama, com a mesma prudência, não tem sido de muita ajuda para o atribulado presidente Petro Poroshenko.

          As sanções americanas, por pontuais que sejam, não têm detido o avanço russo.  Agora, Moscou estaria considerando o depósito de material nuclear na ‘sua’ Crimeia. O escopo intimidatório é tão óbvio, que chega até a parecer provocação.

          Vejam, além disso, que a sorte, orientada ou não, persiste em favorecer Vladimir Vladimirovich Putin. Não é que um opositor pertinaz opositor dessa guerra não-declarada, Boris Nemtsov, que era personagem de peso (foi Primeiro Ministro de Boris Yeltsin) saíu de cena há pouco, abatido por um contract-killer [3]. Para o final da semana em que morreu,  organizara ele uma demonstração de repúdio à guerra não-declarada da Russia contra a Ucrânia.

           Por fim, há um elemento relevante, que decerto o general Breedlove leva muito em conta – e que a apatia do Ocidente só contribui para açular ainda mais as hordas invasoras orquestradas por gospodin Putin. Reporto-me à implícita ameaça a muitos países que estão no próximo estrangeiro, que continua a ser computado nos cálculos do Kremlin.

            Rodeando o espaço vital do antigo Império dos Tzares, estão muitos países que já sofreram sob as tropelias soviéticas (como Finlândia e Polônia), e outros que eram repúblicas dentro da defunta União Soviética, como a Estônia, Letônia e Lituânia, isto sem falar nos pequenos países mais a leste, como a Geórgia e a Moldova, de que foram recentemente retirados bons nacos pelo urso russo...     

          

( Fontes: The New York Times: Não se vê saída fácil para a Ucrânia; O Globo, Folha de S. Paulo)



[1] Professora de Ciência Política e Diretora do Centro de Estudos russos e pós-soviéticos, da Universidade Miami em Oxford, Ohio, USA.
[2] Os pactos devem ser obedecidos.
[3] Matador de aluguel.

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