domingo, 8 de março de 2015

Birdman

                                    

 
                O título alternativo do filme – A inesperada virtude da ignorância – se não é comercial, e por isso terá sido relegado a um canto nos cartazes, pode ser havido como ilustrativo da atitude do herói, que carrega a imagem de um sucesso popularesco. O personagem, Riggan Thomson, ainda é reconhecido pelo estrondoso êxito. No entanto, essa fama perecível ainda está na evanescente memória da geração passada, e o ator a vê mais como um íncubo do que presságio para oportunidades futuras. Assim, o personagem Birdman evoca a imagem e a voz vinda de um além-próximo, aquele dos sucessos que não voltam mais. Aquele sucesso estrondoso o incomoda porque lhe recorda de forma agressiva a própria decadência como ator.

                No entanto, se essa tarda escolha para o papel principal de ator em pleno Sunset Boulevard[2] é feita porque o fracasso está como sua sombra, o personagem do diretor Brandon [3] sabe que sua missão principal é a de convencer Riggan derrotar o seu pior inimigo, que é ele próprio.

                O cast que é a existência mesma de Riggan não pode ser senão um espelho que se compraz através da filha Sam (Emma Stone)  a extroverter o amor e quase-ódio que o relacionamento com o pai disfuncional terá criado.

                Se Michael Keaton continua a ser o grande ator de Beetlejuice e da série Batman, na sua face deparamos as marcas do tempo, e foi esta infeliz coincidência dos mortais que melhor integrou-lhe a dramática presença no personagem. E será esta sombra que mostra ao expectador os contrastes que Riggan tem de vencer para separar-se desse a um tempo ridículo e trágico doppelgänger que é o símbolo Birdman com toda a sua mensagem do kitsch, que lhe garantiu a um tempo, um grande sucesso de público, e o correspondente menosprezo da crítica bem-pensante.

                Birdman tem cenas hilariantes, como aquela que, em trajes menores, o personagem se vê constrangido a fazer longo détour pela zona da Broadway para poder reentrar no teatro e assim continuar o ensaio-prova (com público pagante). Será reconhecido por populares como Birdman e é um sucesso (porque todos pensam que o trajeto não passa de um stunt publicitário, e por isso o curtem, enquanto ele tem de pensar em reentrar no teatro e aproveitar estar de cuecas para dar toque especial à cena ensaiada).

                Por isso, mais tarde, a colunista do New York Times, que já via o projeto de peça com ceticismo,  lhe diz sem rodeios que na sua próxima crítica (que sai no prelo na noite mesmo pós-estréia) vai destruí-lo como ator e personagem. Promete que ninguém se lembrará dele depois do seu comentário. Birdman tenta dialogar com ela, convencê-la que não é mais Birdman com as suas façanhas para classes C e D, mas a jornalista é peçonha pura.

                Os personagens não são poucos, e parecem muitos, com os problemas de Sam, a filha, a mulher de que lamenta o naufrágio do casamento (Amy Ryan no papel de Sylvia, a esposa), o ator coadjuvante Edward Norton interpreta  Mike Shiner que pretende ser a nêmesis do protagonista.  O alter-ego será sempre o alado Birdman, com que Riggan faz um vôo por Manhattan, em um bela integração de um realismo mágico (e onírico).

               O desfecho reservará uma surpresa que se insere nas recaídas autodestrutivas do personagem. Ver este filme é uma bela experiência, não só porque a direção do mexicano Alejandro González Iñarritu é magistral, o roteiro de Nicolás Giacobone e Armando Bo,   e a cinematografia de Emmanuel Lubezki não deixam dúvida que fazem por merecer a estatueta.  Entretanto, pela interpretação, Michael Keaton completaria o quadro, pela atuação soberba, e por fazer do filme uma obra a não ser esquecida.



[1] Homem-pássaro.
[2] O grande filme de Billy Wilder, protagonizado por Gloria Swanson, grande atriz do passado, e pelo mordomo Erich von Stroheim, ex-diretor.
[3] Zach Galifranakis.

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