quinta-feira, 5 de março de 2015

Estranha Diplomacia

                                     

Enésima sessão em honra a Netanyahu

 

       O recente discurso de Benjamin Netanyahu perante o Congresso americano em sessão conjunta foi mais um episódio da reversão de papéis entre Washington e Tel-Aviv. 

       Netanyahu fez questão de frisar que a sua alocução na sessão conjunta não tinha objetivo eleitoral. Teria sido mais conforme à realidade se o Primeiro Ministro israelense houvesse, ao invés, asseverado que ela era mais uma intervenção dentro de sua campanha para continuar à frente do gabinete de Israel...

       Feita à revelia da Administração do Presidente Barack Obama, Netanyahu, diante de um público majoritariamente republicano, se empenhou em querer demonstrar que o acordo sendo costurado com o Irã pelos Estados Unidos (e outros países do Ocidente) seria um mau acordo (a bad deal), a que o Premier se opõe desde sempre.

      Netanyahu foi partidário ardoroso de Mitt Romney, candidato republicano em 2012. Somente dentro da peculiaridade que preside às relações entre o estado cliente e a superpotência, é que existe uma quase-normalidade em que Tel Aviv tome partido abertamente nas relações com Washington e possa até permitir-se abraçar candidatura de oposição ao presidente americano em funções.

      Daí decorre uma série de liberdades do estado cliente em relação à potencia nominalmente líder. Os convites dos líderes congressuais ao Primeiro Ministro israelense para que compareça a sessões conjuntas em sua homenagem se repetem tanto que há uma tendência à banalização de tais sessões solenes. Como o apoio a Israel consta ser, junto ao eleitor estadunidense – e não apenas aos votantes de origem judaica – um imperativo que pode  traduzir-se em votos, sobretudo na costa leste, as tais sessões conjuntas são eventos que se repetem de forma amiudada. Nesta última, ao que consta, a própria Casa Branca foi escanteada, eis que o escopo precípuo do discurso do ‘homenageado’ Netanyahu era de combater a atual orientação da Administração Obama de concluir acordo nuclear com Teerã.

       Se tais ocasiões solenes são instrumentalizadas e um tanto barateadas pela oposição republicana – a sessão foi presidida por dois republicanos, i.e., o Speaker da Casa de Representantes, John Boehner, e pelo segundo do Senado (a Câmara Alta é sempre presidida pelo Vice-presidente em funções, no caso Joe Biden, que não compareceu, pois a cerimônia fora convocada à revelia do Presidente Obama), que é o líder da maioria no Senado (o GOP, como se sabe, nas últimas eleições intermediárias venceu os democratas).

        Em fim de contas, a performance de Bibi Netanyahu – que mantém relações frias com Obama – representou um show de influência política, porém no caso despojada de qualquer possibilidade, seja de mudar a posição estadunidense quanto à oportunidade do acordo com o Irã, seja de ter alguma influência junto ao eleitorado israelense. Ao que consta, malgrado a dura posição anti-iraniana  de Netanyahu, não parece que essa movimentação colateral terá algum peso, quer no resultado do pleito, quer em alguma mudança na política ocidental contra Teerã, na sua versão um pouco menos rígida do governo de Hassan Rouhani,  na terra dos ayatollahs.

 
Enterro de Boris Nemtsov

 

       Dentro  de mal disfarçada hostilidade  contra o líder da oposição a Putin, Boris Nemtsov, abatido a tiros em ponte próxima do Kremlin, o governo russo negou visto de entrada a diversos políticos europeus que pretendiam participar das exéquias do prócer assassinado.

       O óbvio propósito é o de diminuir o realce das eventuais demonstrações de pesar a Nemtsov. Seria como se mesmo inanimado, o ex-colaborador direto de Boris Ieltsin, influente deputado na Duma, e das maiores expressões na aguerrida bancada democrática, pudesse apresentar alguma ameaça ao autoritarismo e à prevalente corrupção do regime de gospodin Vladimir Putin.

       De qualquer forma, se não surpreende pela truculência ínsita nessa disposição que traduz grande insegurança – se o temem depois de morto, imagine-se em vida -, evidencia uma postura à parte que se dissocia das normas ocidentais europeias.

       Com maternal presciência, a genitora temia pela vida do filho, e atribuía ao presidente Putin desígnios a que o pobre Boris parecia não dar tento.

        A Ucrânia perde um grande defensor. Consta que as hordas rebeldes – com surpreendente êxito contra o exército regular de Kiev – não dispõem apenas de armas pesadas de procedência moscovita, mas também de cerca de doze mil ‘voluntários’ russos, segundo comentou o comandante da NATO.

        O que mais surpreende nessa organização a que os inquietos países da área – os quais têm sobejas razões para temerem os propósitos imperialistas de Vladimir Putin – desejariam tivesse posição mais afirmativa no que tange a Moscou, é que continue a negar à Ucrânia meios para se defender. Enquanto o armamento mais sofisticado e letal é confiado às turbas ditas ‘separatistas’ da Ucrânia oriental, por enquanto os meios para tentar conter o senhor do Kremlin se cingem a missões diplomáticas que tanto se assemelham aos patéticos esforços dos europeus ocidentais diante do agressivo imperialismo de Herr Adolf Hitler, às vésperas da eclosão da IIª Guerra Mundial.

          E por falar nisso, dois porquês permanecem sem resposta:  por que preocupava tanto a Putin que Boris Nemtsov desejasse fazer campanha em prol da Ucrânia; e por que o governo russo está em guerra não-declarada contra Kiev, para tanto instrumentalizando a carne de canhão dos separatistas, reforçada com os ‘voluntários russos’, nesse clássico conflito por interpostas pessoas, com escopos ainda não suficientemente elucidados, dos quais o exercício das manobras de abril ultimo na Crimeia - hoje integrada no mando moscovita - constituíra o amargo prelúdio, no fim anunciado da Paz por aquelas bandas.

 

( Fontes: Folha de S. Paulo, The New York Times )  

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