terça-feira, 31 de março de 2015

Viva a gastança !

                                             

        A esquizofrenia – do grego quebra na sensação, no entendimento – reflete o desconforto com a realidade, cujas parcelas são redispostas de algum modo de forma a readaptá-las segundo a percepção do paciente.

        Tem-se a impressão, ao ler os jornais, que essa conexão com a realidade está bastante esgarçada nos dias que correm.

         Assim, a despeito da crise que a atingiu, vítima do chamado Petrolão, a Petrobrás, atolada em dívidas, resolveu pagar mais em salário fixo, e menos em remuneração atrelada a resultados. Parece que a empresa não quer descontentar os seus oito executivos.

          Mandaria a lógica que uma empresa que esteja em dificuldade carece de diretores mais inventivos e eficientes. Se favorecesse os ganhos atrelados a desempenho, estaria trabalhando no seu próprio interesse. Seria um incremento que realmente favorece aqueles que desejam aumentar as operações – e por consequência, os lucros – da Petróleo Brasileiro S.A.

           Não é a opção da Petrobrás. Mesmo que esteja em crise, mesmo que não logre fechar balanço, o mais está no DNA dessa empresa. Mais 13% de alta nos salários dos diretores.  Procede-se, assim, como se estivéssemos na mais plena normalidade.

            O mesmo, pelo visto, ocorre com o Judiciário. Aumentos se empilham em aumentos, como se não houvesse crise, como se o Governo não buscasse tirar o vermelho de suas contas, não por considerações adjetivas, mas para alcançar equilíbrio fiscal que sumiu do Tesouro Nacional com a vinda de D. Dilma.

           O valor da diária paga aos ministros do Supremo Tribunal Federal passa a ser de  R$ 1.125, 43,  e extensivo aos ministros do Superior Tribunal de Justiça, do Tribunal Superior do Trabalho, do Tribunal Superior Eleitoral, do Superior Tribunal Militar e a integrantes do Conselho Nacional de Justiça  (assinale-se que o valor anterior – que constava de Resolução de 2013 – era de R$ 614.  Portanto o reajuste efetivo foi de 83%!)

           A diária para viagens internacionais também foi reajustada de US$ 485 para US$ 727,46. Enquanto no Brasil, existe a dílmica inflação, não foi explicada o porquê do aumento em dólares, dada a circunstância de que no circuito Elizabeth Arden não se nota carestia que seja equivalente à brasileira.

           Em fevereiro, Sua Excelência Ricardo Lewandowski recebeu R$ 31.188,30 em diárias (viagem entre os dias onze e 25) O presidente do STF foi recebido no Vaticano pelo Papa Francisco e em Roma, cidade contígua ao território da Santa Sé, por dirigente do Conselho Superior da Magistratura Italiana. Por sua vez, no Reino Unido foi recebido em palácio pela Rainha Elizabeth II. Não se tem conhecimento dos importantes assuntos tratados nessa viagem a serviço de Lewandowski.

            Por sua vez, Sua Excelência Dias Toffoli recebeu R$ 30,4 mil em diárias em fevereiro. A assessoria do tribunal não detalhou as viagens feitas pelo ministro.

            Assinale-se que os Ministros dos Tribunais Superiores viajam em primeira classe.  Resolução de Toffoli permite que servidores comissionados possam voar na classe executiva.

            Por outro lado, tendo presente o trabalho intenso de nossos Ministros nos tribunais superiores, não há de surpreender que todos observem o não-comparecimento aos tribunais respectivos na Semana santa.  Ainda que o feriado seja na Sexta-feira, pareceu conveniente estender a folga a todos os dias desta santa semana, que, afinal, dado o trabalho havido, e o constante acúmulo de processos, os excelentíssimos senhores ministros convieram na necessidade de não comparecer no que certa imprensa denomina como o folgão dos tribunais.

 

( Fonte:  O  Globo )

Lembrança de Paulo Francis


                                     

         Paulo Francis está fazendo falta. As suas notícias da Corte, com a peculiar verve, traziam visão crítica da realidade de então, matizada pela luz da ironia, que a iluminava com insinuantes lampejos.

         Uma figura que se sentira quiçá sem espaço em sociedade afeta pelo mal a seu tempo incurável do provincianismo, ele seria sempre o jornalista incômodo que aplicava os próprios critérios e o imanente anseio de mergulhar na arisca veracidade de ideias, fatos e sentimentos ao alcance da pena. Pensava traçar o retrato contemporâneo com os riscos impiedosos do colunista, sempre tingidos por compromissos com a realidade dos fatos. Ou então recorria à voz absurdamente empostada, que trazia das brumas de Manhattan uma realidade impregnada de sua interpretação crítica.

         A agressiva mediocridade do entorno lograria expulsá-lo para bem longe, ainda que, sob as regras do paradoxo a nortear-lhe a existência, o ‘exílio’ ele o desfrutaria na Atenas da pós-modernidade, na ilha de Manhattan, com os seus bons restaurantes e melhores conversas.

         Dessarte, as notícias da Corte seriam sempre tingidas por visão crítica, cujo compromisso mais se fundava no estro do jornalista, que preferia os caprichos dos voos solo, à rotina de esquemas de suporte.

         Ceifariam a vida do grande correspondente, seja a distorção cruel da então diretoria da Petrobrás, seja o tratamento médico inadequado. Francis pagaria preço demasiado alto pela sua franquia da crítica. Sob o olhar indiferente do então Presidente, os que se acreditavam acusados por malversação  de fundos, escolheram como foro a justiça de New York.

         O fora era impróprio e sobretudo inadequado.  Se  a transmissão do programa era rotineiramente gravada em Manhattan, ela não se destinava ao público americano e sim àquele do Brasil. Nenhum magistrado americano tinha por que conhecer do pleito,  eis que não concernia ao povo americano e sim ao brasileiro, para quem a Manhattan Connection era (e é) transmitida.

        Não foi decerto por acaso que essa peça seria pregada ao pobre panfletário.  Adrede escolhida, para investir o cavaleiro solitário, que nem Sancho Pança tinha para assisti-lo, a quem de repente se comunicou a absurda escolha, que solertes advogados fizeram valer para que conhecesse da ação  juiz distrital de New York, os especiosos pormenores de um programa que já se chamava Manhattan Connection !  De repente, a ele sozinho, o investe a portentosa maquinaria com os absurdos custos judiciais de um processo na ilha mais cara do Universo!

        Mais tarde, dos efeitos sobre a saúde já periclitante, os poucos meios cuidariam de fazer o restante do trabalho maldito. Sem recursos e com inadequado assistência médica, Paulo Francis seria triturado por um atendimento insuficiente.

        A amarga ironia que cercou o passamento do grande jornalista está em haver suspeito de grossas irregularidades, e de grandes fundos desviados na Petróleo Brasileiro S.A. Se o foram ou não, o que aconteceu com o posterior Petrolão, de marca petista,  não aclara se aconteceram ou não sob FHC. Com o seu tino jornalístico, Paulo Francis se adiantou a seu tempo. Uma frase que pensava inconsequente, faria pesados estragos. De qualquer forma, não envolveria a administração tucana, mas restaria a determinar a responsabilidade individual dos diretores de então. A par disso, como o deixa meridianamente claro o ótimo documentário Caro Francis, de Nelson Hoineff, quem matou o pobre Francis foi a armadilha de ação judicial no foro de New York, ideada por Joel Rennó e os diretores da Petrobrás, tornada possível pela placidez de FHC. Totalmente fora do solitário esquema de jornalista independente, a ação se transformou em verdadeiro Leviatã que lhe consumiria a saúde já frágil. Na entrevista filmada por Hoineff, o então presidente parece tudo observar com um sorriso ausente, com aqueles ares de Buda com que, por vezes, contemplava o que se lhe passava ao redor.

          Sem embargo, lhe bastaria um gesto quase de enfado para que a toda a armação se desmontasse, naquela cruel jogada que permitira aos diretores da Petrobrás castigarem o indômito jornalista com fundos que não eram seus.

          Infelizmente, por natureza ou não, FHC continuou a sorrir e, no caso em tela, nada fez, malgrado o pouco que tal lhe exigiria.

 

( Fonte:  Caro Francis, de Nelson Hoineff )

 

segunda-feira, 30 de março de 2015

Fornada Noturna

                               

Declaração de Levy

 

         Pelo visto, o Planalto preferiu não cair no sensacionalismo da Folha. Ao invés de convocar o Ministro da Fazenda para uma repreensão em regra, a Presidente preferiu baixar os decibéis de sua reação.

         Encarregou, segundo reporta o Estado de S. Paulo, o ministro Mercadante para transmitir a Joaquim Levy a irritação presidencial.

         Ricardo Noblat, no seu artigo das 2ªs. feiras, registra as diversas observações de Levy que, por divergiram da linha governamental, mereceram chamadas da Presidenta.

         Para defender-se, o Ministro alegou que suas palavras foram retiradas do contexto. A avaliação do Palácio do Planalto, segundo refere o Estadão, é que tal tipo de discurso, vindo do principal Ministro da área econômica e responsável por sanear as contas públicas do País, dificulta as negociações em torno do ajuste fiscal.

        Compreende-se, por conseguinte, que Dilma tenha ficado irritada e mesmo indignada ao tomar ciência de mais esta observação crítica do Ministro Levy.

         Nesse contexto, um membro da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) – o suplente José Serra – de que a audiência com Levy está marcada para amanhã, afirmou: “Do ponto de vista político, a fala do Ministro é temerária: ironiza a presidente em público.  Isso corrói ainda mais a credibilidade do governo a que pertence.”

         Por outro lado, o Senador Cristovam Buarque (PDT-DF), igualmente integrante da CAE disse que perdeu o cargo de ministro da Educação por haver criticado o governo de forma mais branda de o que fez Levy. “Fui dizer coisas desse tipo sobre o Lula, sem citar o nome dele, e acabei caindo”. Na verdade, Lula faltou com o respeito ao então companheiro de partido, demitindo-o pelo telefone. Não obstante, é outra a importância de Joaquim Levy dentro da atual constelação política e os muitos percalços da administração Dilma II.

 

Entrevista de Frei Betto ao Estadão

 

          Expressão da antiga corrente do PT igrejeiro, Frei Betto não esconde o seu desencanto. Se reconhece que se assiste “ao começo do fim. O PT tende a virar um arremedo do PMDB”, em meio às suas declarações, se percebe ainda que bate o coração do velho militante que tem dificuldade em reconhecer que o destino do Partido dos Trabalhadores venha a ser  o que em momentos de desalento venha a admitir.

         Dessarte, frisa: “não tivemos em doze anos nenhuma reforma de estrutura, nenhuma daquelas prometidas nos documentos originais do PT. Nem a agrária, nem a tributária, nem a política. E aí poderíamos acrescentar nem a da educação, nem a urbana.  Em suma, o que falta ao governo – e desde 2003 – é planejamento estratégico.”

         A análise de Frei Betto desvela o militante do PT igrejeiro, com viés marcado de esquerda, que não se conforma com a evolução – ou involução – do PT transformado em governo.  “O grave do governo do PT – tendo sido construído e consolidado pelos movimentos sociais – foi ao chegar ao Planalto, ter preferido assegurar a governabilidade com o mercado e com o Congresso e escantear os movimentos sociais. Hoje, eles são tolerados ou, como no caso da UNE e da CUT, manipulados, invertendo o seu papel. Com isso, o PT ficou refém desse Congresso, dependendo de alianças espúrias. Agora o seu grande aliado, o PMDB, se rebela, cria – com a perdão da expressão- uma cunha renana (meu o grifo) para asfixiar o Executivo. (A saída é) o PT ser fiel às suas origens. Buscar a governabilidade pelo estreitamento de seus vínculos com os movimentos sociais. Ou seja, o segmento organizado, consciente e politizado da nação brasileira. Fora disso, tenho a impressão de que estamos começando a assistir ao começo do fim. Pode até perdurar, mas o PT tende a virar um arremedo do PMDB.”

        E frisa,  na parte relativa aos movimentos sociais que seria ainda possível recuperar a imagem do partido. Ao concordar com o papel fundamental dos movimentos para tal recuperação, Frei Betto afirma: “O PT precisa sair da posição de bicho acuado em que se colocou.  O partido, até hoje, não declarou se os envolvidos no mensalão são inocentes ou culpados; o partido, até hoje, não declarou se ele, que governa o Brasil, e, portanto, a Petrobrás, tem ou não responsabilidade na devassa que está sendo feita na maior empresa brasileira.” E numa alusão clara à corrupção que campeia no governo, “hoje me pergunto: onde estão os líderes do PT que, aos fins de semana, voltam para as favelas e periferias?  Onde estão os líderes do PT que não tiveram um assombroso aumento de seu patrimônio familiar durante esses anos, a ponto de não se sentirem mais à vontade em uma assembleia de sem-teto, em uma aldeia indígena, em um fim de semana em um quilombola? Onde estão eles?  Existem. São raros. Não vou citar nomes, mas tenho profundo respeito por militantes e dirigentes do PT que são muito coerentes com aquele PT originário. Mas, infelizmente, eles são exceção.”

        A entrevista de Frei Betto é importante sob vários aspectos. Primo, por desvelar os objetivos de sua corrente, a do PT igrejeiro, que teve muita importância nos albores do partido. Secondo, por reconhecer a corrupção – embora evite o termo – sem perder aquela inabalável fé no planejamento estratégico, que continua a fazer falta. E Terzo,ao lamentar o desaparecimento de “um projeto de Brasil minimamente emancipatório, como era o Fome Zero”, observa que “ próprio governo que o criou o matou, substituindo-o por um programa compensatório chamado Bolsa Família  - que é bom, mas não tem caráter emancipatório”.

        A feição romântica do Fome Zero faz Frei Betto louvá-lo, mas esse programa foi abandonado por problemas de gestão e não realização dos fins que se propunha o governo do PT. Já a Bolsa Família, ainda retirada do seu contexto, tornou-se um projeto de poder, com as consequências conhecidas, como o próprio mapa da votação do último pleito presidencial tende a demonstrá-lo.

        Diga-se, por fim, que por sua integridade e franqueza, as declarações de Frei Betto  constituem documento relevante para entender-se e aprofundar-se muitas coisas, inclusive a abissal distância entre os fins do PT igrejeiro e os do atual partido do poder e no poder.

 

( Fontes:  O Estado de S. Paulo, O Globo )

domingo, 29 de março de 2015

Levy e a manchete da Folha


                                    

        A edição de hoje da Folha de S. Paulo tem cabeçalho que discrepa dos títulos dos jornais dominicais. Em geral, o domingo, pela antecipação das edições, não se caracteriza por notícias candentes. Por isso, se dá destaque a temas de arquivo, que são reservados adrede para uma data em que as novas mais quentes não costumam repontar.

        Na primeira página hodierna, no entanto, está a rara exceção que dizem confirmar a regra: Dilma é genuína mas nem sempre efetiva, diz Levy.

        Abaixo, mas na mesma página, o leitor dispõe de mais detalhes da matéria de Joana Cunha: “O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, afirmou que presidente Dilma Rousseff é bem-intencionada e genuína, mas nem sempre age de modo simples e eficaz.”

         Falando em inglês, a ex-alunos da Universidade de Chicago, sua alma mater,  ele deu esta opinião sobre a petista em evento fechado na terça, 24 de março, em São Paulo.

         Na mesma primeira página, declara a Folha que obteve a gravação. Se a palestra era fechada ao público, presume-se que gravações não seriam autorizadas. Surge a pergunta de como ela foi obtida. Excluído o interesse da sociedade, pelas implicações do discurso – o que não é aqui o caso – cabe perguntar dentro da ética jornalística, como  tal gravação foi obtida.

          O Ministro Levy, não só dada a relevância das respectivas funções, mas também o óbvio interesse nacional – a todos interessa, excluídos os partidários petistas irracionais, que ele tenha êxito na sua missão – deve procurar ser mais discreto. Talvez seja a relativa juventude, ou a relevância do próprio papel, nele aparece uma veia de excessiva franqueza que, ou não condiz com a respectiva posição, ou pode mesmo leva-lo a perde-la.

          Ministros podem ser conjunturalmente muito importantes – como aparenta ser o caso – mas tal deve ser motivo para funda discrição, e não observações do talante que a Folha reserva para a geralmente desenxabida edição dominical.

           Há dois aspectos que devem ser aqui considerados. O  New York Times, que é um dos grandes jornais do Ocidente, estampa na sua primeira página – a tradução é do autor – que ‘imprime tudo o que seja adequado imprimir’.  Não é auto-censura, mas afigura-se norma apropriada. Tem a ver tanto com o conteúdo, quanto  com a fonte.

            Por outro lado, Joaquim Levy chegou cedo à cadeira de Ministro. Se se entende a decorrente hubris, semelha relevante – se ainda for tempo – que ele se auto-policie, para evitar indiscrições, ou observações que dissoam do respeito que deve à sua chefe. Não nos esqueçamos, que um Ministro da Fazenda, mesmo com a sua relevante missão, é tão demissível ad-nutum quanto um opaco colega seu, com igual título de ministro,  que circule nos corredores do Planalto carregando nos ombros o manto cinza do anonimato e o que é ainda mais oportuno, a santa irrelevância dos que pouco ou nada contam.

               Não é o caso decerto do Ministro Levy. Agindo dessa forma, ele não encontrará pior inimigo.



( Fonte:  Folha de S. Paulo )             

Colcha de Retalhos C 11

                                 

E os empréstimos secretos do BNDES como ficam?

 
       Este blog teve acesso por cortesia de amigo à análise jurídica sobre problema que o governo Dilma Rousseff tem logrado manter longe da atenção da imprensa, i.e., a sua crescente utilização do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), sob a direção do Sr. Luciano Coutinho para concessões de vultosos empréstimos a governos chavistas na América do Sul, a Cuba, e a governos africanos, a despeito da cleptocracia imperante em muitos Estados da África.

      Em estudo de autoria de Marco Aurélio Barcelos Valente está documentada a crescente utilização do BNDES pela administração petista. Segundo assinala o autor: “Ao analisar a Constituição Federal (...) percebi que o dinheiro do Tesouro Nacional injetado pela Presidente Dilma Rousseff no BNDES foi a maneira que se encontrou para dar a volta no artigo 47 da Constituição Federal para financiar obras no estrangeiro”.

      Segundo observa o articulista, insultam o Povo brasileiro os investimentos em outros Estados no que concerne os princípios fundamentais da Constituição de desenvolvimento do Brasil, dignidade do cidadão brasileiro, erradicação da pobreza, marginalidade e desigualdades sociais e regionais.

      De todos os funcionários da área de competência do Ministro Joaquim Levy, apenas o Diretor-presidente do BNDES, Luciano Coutinho, foi mantido no cargo.  Mas não ficou nisso a Presidente Dilma Rousseff. Recentemente, resolveu nomear Luciano Coutinho presidente do Conselho de Administração da Petrobrás,  que acumulará com a presidência do BNDES.  

       Dado o caráter delicado dessas novas funções – que Dilma Rousseff bem conhece pela circunstância de haver sido longo tempo presidente desse Conselho de Administração da Petrobrás – desperta espécie que as competências de Luciano Coutinho sejam alargadas ao invés de revistas, dado o manifesto caráter inconstitucional de muitos desses empréstimos, como é amplamente discutido na análise do Dr. Marco Aurélio Barcelos Valente.

 

Dois Anos de Papa Francisco[1]

 

       Ao contrário de seus antecessores, Papa Francisco concede entrevistas. A rationale para não falar à imprensa estava no caráter específico do múnus pontifício e a necessidade de preservar o Santo Padre de um contato mais imediato com os jornalistas, o que pode dar ensejo a comentários errôneos e visões distorcidas.

        O futuro dirá se a iniciativa do atual Papa foi aquela correta, o que dentro da imagem joanina abriria mais uma janela no pensamento do Sumo Pontífice.

        Agora, Papa Francisco afirmou que tem a sensação de que seu papado será breve, de quatro ou cinco anos.  “Eu sinto que o Senhor me colocou aqui por um curto período de tempo, e nada mais. Pelo menos dois já passaram.”

         Para especialistas consultados, as declarações são mais uma demonstração de marcas de Francisco, como a simplicidade e a disposição para romper com alguns padrões estabelecidos anteriormente na Igreja. Para todos os efeitos o papado corresponde a uma monarquia, sendo por conseguinte o múnus pontifício atendido até a morte. Bento XVI não inovou na sua abdicação – mas foi o primeiro Papa em seiscentos anos que abdicou ao trono pontifício. Nesse sentido, Francisco já teria sugerido que o seu papado seria curto, não descartando a hipótese de aposentar-se.

          Até o presente, nenhum Papa se retirou por excesso de idade, embora em certos casos tal fosse cabível, como com Leão XIII, que no final de seu pontificado dava sinais de senilidade.

           Talvez ao falar de pontificado breve, Papa Francisco tenha presente o exemplo do Papa Buono, João XXIII, que teve uma morte dita pontifical no seu leito, vítima de câncer no estômago. Nos anos sessenta do século passado, o avanço da ciência médica não era comparável ao de hoje. Sem embargo, apesar da brevidade de seu pontificado, poucos Sucessores de Pedro marcaram tanto  sua presença no trono apostólico.

            Convocou o Concílio Ecumênico, de que deu a orientação geral na oração para os padres conciliares, na abertura da Primeira Sessão. Em uma série de Encíclicas, dentre as quais a  Mater et Magistra, e a Pacem in Terris, transmitiu os princípios do ecumenismo e da abertura aos irmãos separados. Além disso, através de sua frase quanto à necessida de abrir as janelas dos Palácios pontifícios sublinhou a necessidade eclesial de renovar-se dentro da fé.

            Em menos de cinco anos, Papa Roncalli mostrou que se deveria dar outro sentido ao cognome de Papa de transição, que se lhe outorgou de início, por causa de sua avançada idade. Sem que os seus eleitores se dessem conta, ele se deu por tarefa colocar a Igreja no século, de que deu prontas mostras logo depois de assumir. Visitou o cárcere romano de Regina Coeli e pôs por terra as barreiras existentes entre os irmãos separados, assim como na abertura ao ecumenismo.

            Havido como tradicionalista, o Cardeal-Arcebispo de Veneza – região próxima ao querido Sotto-il-Monte, quando o visitante peregrino à casa natal de Angelo Giuseppe Roncalli se dá conta da dignidade da camponesa pobreza dos pais do futuro Pontífice.

            A santidade plena do Papa do Concílio iria tardar, menos pelas qualidades de seu Pontificado, do que pelo seu caráter inovador e revolucionário. Sucedido pelo hamletiano Paulo VI, que daria ao Secretario de Papa Giovanni, Loris F. Capovilla,  a alegria de receber o nome de bispo-titular  de Mesembria, mas pouco mais do que isso, negando-se sempre a elevar o Papa Buono aos altares.

            O domínio conservador na Igreja – que o grande teólogo jesuíta Karl Rahner chamaria de inverno na Igreja (depois da primavera do Concílio) criaria as condições para que Papa João XXIII só fosse beatificado pelo sucessor conservador Papa Wojtyla. Caberia a Papa Francisco canonizar Papa João XXIII, o que seria feito em conjunto com a santificação de João Paulo II, o papa polonês de linha conservadora.

                 Ao ser eleito, Papa Francisco já inovara, pedindo aos fiéis congregados na Praça de S. Pedro, que rezassem por ele.  Quero crer que Papa Francisco se sente próximo de Papa Giovanni – que surpreenderia o mundo, como o atual, pela liberalidade de seus gestos - e é neste sentido que fala de um pontificado breve. Alguém pode passar muitos, demasiados anos no Sólio pontifício, e não deixar marca alguma.Tal, decerto, não foi o testemunho dado por um Papa que se limitou a dar durante a sua curta permanência na Sé de Pedro o exemplo que já prestara durante toda a sua peregrinação nesta Terra.

                  Talvez seja o que queira dizer o primeiro Papa jesuíta aos fiéis e seguidores. A duração do Pontificado, ainda que curta, não será limitação à transmissão da respectiva mensagem.

                   Por muitos anos, a orientação conservadora do Papado, que chegava até à freiras que se ocupavam da cripta da Igreja de São Pedro, aonde estão os túmulos de inúmeros Papas, tinham uma única resposta quanto às manifestações dos fiéis no que tange a então negada santidade de Papa Giovanni. Sem curar-se dos eventuais católicos que ali se encontrassem a render-lhe homenagem, muita vez através de orações, essas freiras, com a desenvoltura que lhes é consueta, cuidavam de retirar as flores que, copiosas, mais diziam sobre o que pensava o laicado.  Ter-se-ão algum dia dado conta que ao retirar-lhe  da tumba as flores trazidas pelos fiéis que o homenageavam, essas silentes agentes da face temporal da Igreja como poderiam atinar que se cingiam a arar o oceano com a sua pontual mesquinhez ? Malgrado as barreiras temporárias, dispor sobre a aura de santidade não lhes pertencia em verdade. Enquanto isso, um outro pontífice só podia ambicionar a púrpura rosa que lhe colocava  na solitária campa alguma irmã que ali diuturnamente a deixava por incumbência de autoridade do seu tempo.

 

( Fontes:  Folha de S. Paulo; O Globo; estudo de Marco Aurélio Valente )



[1] Por fatos de todo alheios à minha vontade, não foi possível noticiar a seu devido tempo o aniversário pontifical de Papa Francisco.
 

sábado, 28 de março de 2015

Pobre Ucrânia


                         

         Existem três partes na guerra da Ucrânia, guerra essa de que Kiev não é a causadora, mas a vítima. Não há dúvidas de que o agressor é a Federação Russa, sob a direção de Vladimir Putin. O que ele pretende, além de enfraquecer o vizinho, resta a determinar.

         Vítima da corrupção do governo filo-russo de Viktor Yanukovich, escorraçado pela rebelião da Praça Maidan, infelizmente este mais importante país dos o que os russos chamam ominosamente de estrangeiro próximo (a política e os objetivos do Kremlin variam segundo tal cercania) registra duas fraquezas principais: (a) a sorte madrasta de uma série de administrações corruptas e (b) tradicional displicência quanto às províncias orientais, de fala russa.

         Como se a Ucrânia devesse ser castigada pela sua opção majoritária de preferir o Ocidente (i.e., a União Europeia) ao invés da União aduaneira de gospodin Putin, a série de falsos movimentos autônomos, orquestrada por Moscou, constitui a solução autoritária, modelo de entre-guerras (reporto-me aos ditadores Benito Mussolini e Adolf Hitler) que o cleptocrata  e ex-KGB (V. Putin’s Kleptocracy, de Karen Dawisha)[1] já deu vários indícios de admirar e até imitar.

         Petro Poroshenko foi eleito democraticamente, vencendo a rival Yulia Timoshenko, que Yanukovich, decerto inspirado pelo mestre russo, fizera condenar à longa reclusão por um juiz de primeira instância. À Timoshenko de nada valeu o singular elogio do Senhor do Kremlin (que a definira como o único homem com quem tratara no governo anterior da Ucrânia – ela era então Primeiro Ministro).  

         Poroshenko, que é um oligarca oriundo da região oriental, só pode ser responsabilizado pelo Ocidente por causa da rebelião separatista e de outras desgraças na Ucrânia, se utilizarmos a vara de mensurar de mestre Putin.

        Através das porosas fronteiras ucranianas,  os separatistas de Donetz e adjacências haviam recebido orientação e, sobretudo, armas dos irmãos russos. Esse processo é endêmico naquela área – quando da derrota do tzar Nicolau II, já irrompera nessa cidade um projeto independentista, que foi esmagado pela tropa soviética, então sob a chefia de Leon Trotski. Desta vez, seja pela fraqueza do governo interino de Kiev, seja pela assistência dos ‘voluntários’ russos, criou-se o núcleo que justificaria o ingresso de mais tropas e equipamentos de Moscou.

       No entanto, no ano passado, o ataque mais grave contra a soberania da Ucrânia foi a invasão da Crimeia (que em 1954 Nikita Krushev transferira, dentro da União Soviética, para o governo de Kiev). A movimentação russa funcionou como experimento, tanto no plano tático, quanto naquele político. Precedida por soldados não-uniformizados, a tomada da península foi rápida, sendo seguida em curto espaço de tempo por um plebiscito fajuto (o uso do adjetivo é proposital, para sublinhar a grosseria dos métodos empregados). Em coisa de mês, estava tudo acertado, inclusive com o Senado russo aprovando a anexação. O próprio arremedo de referendo tinha redação confusa, e falta de fiscais que lhe atestassem a legalidade. Mais parecia eleição argelina, cujas totais partidários eram conhecidos de antemão, inclusive com o requinte dos percentuais exatos... Nada disso impediu esta gritante afronta ao Direito Internacional Público e à regra pacta sunt servanda[2].  Nesse aspecto, tanto o Itamaraty, que Dilma conseguiu o que nem os militares tinham perpetrado, vale dizer, se prestar a validar tal afronta. A militante ignorância petista e da atual Presidenta, ao enfraquecer princípio básico de nossas fronteiras, terá mandado às favas o trabalho da diplomacia brasileira, que sempre foi de Estado, na lição dos diplomatas do Império e do Barão do Rio Branco.

        A estripulia de Putin, contudo, lhe sairia mal, não só pelas inúmeras sanções ad hominem da diplomacia americana, mas também pela colaboração de Bruxelas. Até hoje, a lei internacional não se aplica na Crimeia, nem tampouco essa península é servida pelas linhas aéreas internacionais.

        Mas o presidente russo é homem pertinaz e,  por causa de sanções, não foge à  luta. Através dos chamados acordos de Minsk, se sucede uma série de supostas tréguas, que não tem detido o invasor russo, nem os bem-armados rebeldes, mas apenas lhes dado certo floreio legal para o seu plano de assenhorear-se da parte oriental da Ucrânia, máxime aquela próxima da Crimeia.

        Se nos afastarmos do dia-a-dia, forçoso é reconhecer que o plano de Putin por ora se afigura com clara – posto que constrangedora – vantagem.

        O exército ucraniano não está equipado para enfrentar o poderio russo. Esta circunstância não é culpa de Poroshenko. Soterrada de dívidas, Kiev não tem condições de armar-se. A sua condição de devedora dá a seus ‘amigos’ ocidentais uma fácil, quase embaraçosa, desculpa.

        O único fator que discrepa desse pacifismo à outrance, é o atual comandante da NATO, o general Philip M. Breelove. Steve Erlanger, no seu artigo no New York Times, indica a respeito: o general disse que o Ocidente deve responder ao contínuo fornecimento por Moscou de tropas e armas aos rebeldes. Nesse sentido, enfatizou: “Poderia ser desestabilizante? A resposta é sim. Também a inação pode ser desestabilizante. É a inação a ação apropriada?”

         Escusado dizer que tais palavras do velho militar não é música agradável para os ouvidos de altos funcionários na Europa e nos Estados Unidos.

         A fraca posição da União Europeia ficou muito clara no comparecimento ao 2º Minsk de parte de Angela Merkel e François Hollande.  Essa postura se torna até escandalosa na sua passividade, quando se explicita que a U.E. não favoreceria o envio de armas pesadas para a defesa de Kiev. No entanto, a atitude fica tingida ou de derrotismo, ou de até mesmo de cinismo, se, como se adianta, a U.E. não veta apenas as armas ofensivas ao exército ucraniano. Também sequer considera o envio de armas defensivas.      

         Com amigos como estes de Bruxelas, de que serviria à Ucrânia o apoio da União Europeia?  O próprio Barack Obama, com a mesma prudência, não tem sido de muita ajuda para o atribulado presidente Petro Poroshenko.

          As sanções americanas, por pontuais que sejam, não têm detido o avanço russo.  Agora, Moscou estaria considerando o depósito de material nuclear na ‘sua’ Crimeia. O escopo intimidatório é tão óbvio, que chega até a parecer provocação.

          Vejam, além disso, que a sorte, orientada ou não, persiste em favorecer Vladimir Vladimirovich Putin. Não é que um opositor pertinaz opositor dessa guerra não-declarada, Boris Nemtsov, que era personagem de peso (foi Primeiro Ministro de Boris Yeltsin) saíu de cena há pouco, abatido por um contract-killer [3]. Para o final da semana em que morreu,  organizara ele uma demonstração de repúdio à guerra não-declarada da Russia contra a Ucrânia.

           Por fim, há um elemento relevante, que decerto o general Breedlove leva muito em conta – e que a apatia do Ocidente só contribui para açular ainda mais as hordas invasoras orquestradas por gospodin Putin. Reporto-me à implícita ameaça a muitos países que estão no próximo estrangeiro, que continua a ser computado nos cálculos do Kremlin.

            Rodeando o espaço vital do antigo Império dos Tzares, estão muitos países que já sofreram sob as tropelias soviéticas (como Finlândia e Polônia), e outros que eram repúblicas dentro da defunta União Soviética, como a Estônia, Letônia e Lituânia, isto sem falar nos pequenos países mais a leste, como a Geórgia e a Moldova, de que foram recentemente retirados bons nacos pelo urso russo...     

          

( Fontes: The New York Times: Não se vê saída fácil para a Ucrânia; O Globo, Folha de S. Paulo)



[1] Professora de Ciência Política e Diretora do Centro de Estudos russos e pós-soviéticos, da Universidade Miami em Oxford, Ohio, USA.
[2] Os pactos devem ser obedecidos.
[3] Matador de aluguel.

sexta-feira, 27 de março de 2015

Rescaldo da Véspera

                                         

Situação do PIB

 
        A previsão do dia anterior apontava para resultado negativo no PIB de 2014.  Na verdade, o resultado divulgado hoje pelo IBGE se aproxima bastante dessa indicação, eis que no ano passado o PIB do Brasil cresceu apenas 0,1%,  o que está muito próximo da estagnação.

 

Desastre com avião da Germanwings

 

         O copiloto Andreas Lubitz, do voo 9525, de Barcelona para Düsseldorf, segundo demonstra a caixa preta, trancou-se na cabine de comando, e impediu o retorno a seu posto do comandante. Este, consoante o registro, procurou abrir o cockpit com um machado. A blindagem dessa porta comprovou-se de ótima qualidade,  mas não exatamente fora da proteção específica a que se destina, i.e. preservar a segurança de piloto e copiloto de eventuais ataques de passageiros.

         A  Germanwings é empresa de voos econômicos, dentro do conglomerado da Lufthansa.

         Motivado pela atitude demencial do copiloto, o desastre levou o suicida e mais o piloto, os comissários de bordo e os passageiros, em um total de cento e cinquenta pessoas. Nesse voo da morte, haveria mais de uma dúzia de países representados.

         Como muita vez ocorre, a falha no sistema de proteção será corrigida, com o consequente aperfeiçoamento do sistema de segurança no futuro.  Se a proteção total contra as eventuais ameaças se afigura teoricamente impossível, a saída será tornar a falha sempre mais estreita e dificultosa.

         Lubitz tinha namorada e vivia em Montabaur,  pequena cidade alemã, de doze mil e quatrocentos e oitenta e seis habitantes, situada no estado da Renânia-Palatinado. Fora comissário de bordo e, com  27  anos de idade, como gostava de voar, logrou obter o  brevet de piloto. No entanto, ocultou da companhia a sua patologia. Para o próprio dia do acidente por ele provocado, tinha do seu psiquiatra atestado médico, o qual foi encontrado amarrotado entre os seus papéis.          

 
Entrevista de FHC

 

         Talvez por causa da discrição do candidato Aécio Neves,  o ex-Presidente Fernando Henrique tem falado amiúde para a imprensa. Em entrevista à Folha,  disse que a Presidente se tornou refém do Ministro da Fazenda, Joaquim Levy.

         Nisso o ex-presidente é original, porque hoje se ouve mais que Dilma seja refém do PMDB, e notadamente de Eduardo Cunha e de Renan Calheiros.  O movimento atual de insatisfação popular seria o somatório da corrupção, do estelionato-eleitoral e da economia. Mas no seu entender a corrupção pesou. “Tudo se concentrou simbolicamente no anti-Dilma. Não quer dizer  que  efetivamente queiram tirar a Dilma de lá. Até porque, pela corrupção, não é ela a responsável maior. (Pois) ela herdou. Todo esse sistema que está aí não foi criado no governo dela. Ela tentou se livrar. Demitiu ministro, mexeu na Petrobrás. Agora o povo não percebeu assim. Simbolicamente centrou na Dilma. Ela está numa armadilha.  Não sei se acham que ela é corrupta.  As pesquisas dizem que acham que ela sabia e não fez nada. A imagem da Dilma que fez a faxina sumiu.” (meu o grifo)

 

( Fontes:  Folha de S. Paulo, O Globo, CNN )

Razões para Impeachment

                                       
 
          A aparente implosão do mandato de reeleição de Dilma Rousseff não é apenas decorrência da reviravolta na sua avaliação pela maioria dos votantes no Brasil. Pode-se mesmo dizer que a revolta da população em sentir-se enganada por uma propaganda tão agressiva quanto mentirosa não é suficiente para determinar-lhe processo de perda de mandato.

         Pode, se tanto, criar condições políticas desfavoráveis, mas não necessariamente deslanchar um processo de impeachment. A impopularidade pode ser o caldo em que o eventual alvo dessa medida extrema na democracia venha a ser preparada para arrostar tal mecanismo.

         No entanto, a incompetência política não se afigura por si só causa bastante para ativar este recurso do Legislativo.

         Para que se forme um quadro em que o impeachment possa vir a ser o fator político adequado para superar funda crise institucional,  impõe-se a existência de uma situação política danosa para o Brasil, situação essa que recomenda a remoção de um governo basicamente pela ameaça à ordem jurídica democrática.

        O governo Fernando Collor disso constituíu exemplo lapidar, pelas suas práticas e recursos no que tange à democracia no Brasil.

        O fato de Collor ser um aventureiro político, sem base parlamentar sólida, se terá facilitado a determinação do impeachment, não prejudica de forma alguma as motivações e as razões jurídicas que condicionaram o recurso a esse mecanismo de emergência na preservação da ordem democrática.

        Há dois fatos graves nesse processo que pode ou não conduzir o segundo governo de Dilma Rousseff a ser julgado por esse mecanismo excepcional de defesa democrática.

        Por um lado, a consciência de larga parte do eleitorado brasileiro que pelo menos Dilma Rousseff – que foi por longos anos presidente do Conselho de Administração da Petróleo Brasileiro S.A – além de seu patrono e mentor não desconheciam a existência de um procedimento criminoso de pagamento regular pelas empreiteiras de propinas como forma de adjudicação de contratos, o que constituiria o chamado Petrolão.  Deve-se à ação do Ministério Público e da Polícia Federal a realização da Operação Lava-Jato, operação essa que acolhida pelo Poder Judiciário ora procede ao indiciamento pelos eventuais réus, que incluem políticos, empreiteiros, diretores da Petrobrás, além de doleiros e operadores partidários.

       Retidas, por circunstâncias várias, do conhecimento público as graves implicações para o governo do Partido dos Trabalhadores, essa ignorância do Povo Soberano não mais existe, o que causou vertiginosa perda de popularidade – e o que é mais relevante – a quebra da confiança na isenção e na autoridade para atender aos interesses da comunidade nacional e não a conveniências de partido. Mais uma vez o tesoureiro do PT vai para a prisão.

        Não é que o governo de Dilma II tenha perdido força. Por motivo da mudança na avaliação da sociedade brasileira – de que muitos dos partidos são, mal ou bem, a caixa de ressonância – de repente as condições que presidiram aos dois turnos da eleição presidencial mudaram radicalmente.

        Além da rejeição de parte de larga maioria da sociedade brasileira – que a convocação de passeatas de entidades chapas-branca e próximas do poder petista,  pela sua fraqueza numérica não podem dissimular – registrou-se na presidência Dilma um processo acelerado de descontrole e sobretudo de omissão no exercício de o que se espera do Poder Executivo.

        Pelo seu retraimento e mesmo pelo vácuo consequente, o Planalto vem regando assiduamente o jardim do assemblearismo, com o inelutável avanço do Legislativo, personificado nas lideranças de Eduardo Cunha e de Renan Calheiros, em Câmara e Senado.

         O PMDB, formal aliado do PT – o vice da chapa vencedora Michel Temer é o líder  do antigo partido de Ulysses Guimarães – vem sédula e competentemente ocupando os vácuos deixados pela Presidenta que não deixa de mostrar, na provação extrema de uma crise, o quanto é importante a longa e provada militância política, que Lula da Silva, por critérios próprios, preferiu ignorar ao indicar a Mulher do Lula para sucedê-lo em 2010.

          Se o primeiro dílmico mandato foi desastroso econômica e financeiramente – estão aí a inflação trazida de volta, junto com os déficits nas contas públicas et al. – o segundo, que está nos seus vagidos, expõe a incapacidade política daquela que o torneiro mecânico proclamara como a grande gestora.

          E como a natureza abomina o vácuo, outros, como Eduardo Cunha, na Câmara, e Renan, no Senado, surgem para reivindicar a direção e o encaminhamento das questões de estado.  Além da Pec da bengala  - que me parece, de resto, recomendável -  o poder legislativo parece ávido de assenhorear-se de outras competências, como a da indicação de juízes para o Supremo, terreno que incrivelmente Dilma deixou sáfaro por larguíssimos meses, a ponto de merecer puxão de orelhas do Decano do Supremo, Ministro Celso de Mello.

          Como se sabe, a norma de que  o poder abomina o vácuo continua muito válida, e é outra explicação da aparente acédia[1] da Presidente Dilma Rousseff em exercer as faculdades que incumbem ao Poder Executivo.

(Fontes:  O  Globo, Folha de S. Paulo)

                                                                                      ( a continuar )

         



[1] Enfraquecimento da vontade, inércia, tibieza (Houaiss).

quinta-feira, 26 de março de 2015

A Licença Partidária desmoraliza a Democracia




       Tudo começara com sentença do Supremo que se poderia definir como teórico-romântica. O STF acolheu a contestação jurídica da suposta inconstitucionalidade de uma lei que estabelecia limites para o número de partidos políticos no Brasil.

       De início, seja dito que a referida lei não poderia ser acoimada de antidemocrática pelo fato de estabelecer barreiras para o número de legendas partidárias em nosso país. A República Federal da Alemanha, decerto tendo presente a fraqueza da constituição de Weimar que permitira o fortalecimento do nazismo no imediato período de entre-guerras, cuidara de estabelecer normas vinculantes para evitar a multiplicação excessiva de novas legendas, com a consequente fragmentação no Bundestag (assembleia federal) e a resultante dificuldade de alianças de governo.

       Na democracia alemã, o regime é o parlamentarista, e a cláusula mínima dos 5% da votação nacional tem funcionado a inteiro contento. Nela se alternam os gabinetes seja da CDU (União Cristã-democrática), seja da SPD (Partido Socialista da Alemanha). Em geral, essas grandes agremiações carecem para formar maiorias governantes da aliança de partidos menores, como são o partido cristão-democrático da Baviera (parceiro da CDU), e o Partido Verde (aliado da SPD).

       Na atual legislatura, como o FDP (partido liberal da Alemanha) não logrou preencher a quota de 5% na votação nacional, os sufrágios a ele destinados foram redistribuídos paritariamente aos partidos que tinham preenchido os requisitos legais.  Não é a primeira vez que o FDP tropeça nesta cláusula.  Sem representação nacional, nada o impede de retentar na próxima eleição federal alemã, e se lograr superá-la, voltará a ser restabelecido como partido.  No caso presente, o tropeço do FDP forçou a CDU e  sua candidata Angela Merkel a negociar a chamada grande coalizão com a SPD, e é por isso que o atual gabinete germânico está formado por aliança entre os dois maiores partidos, i.e.,  a União Cristã-Democratica (centro-direita) e o Partido Socialista da Alemanha (centro-esquerda).

        Com esta sensata cláusula, a Alemanha pós-guerra evitou a instabilidade do regime parlamentarista  da Constituição de Weimar, uma das causas do fortalecimento do nazismo, com as consequências que todos conhecemos.

        Alguém em mente sâ poderá declarar que vige na atual Alemanha  cláusula antidemocrática? Basta examinar a composição dos Bundestag seja na segunda metade do século XX, seja nas primeiras décadas do século XXI, para que a resposta sublinhe o traço essencialmente democrático do regime parlamentarista alemão.

         Essa modificação que poderíamos chamar evolutiva dentro do parlamentarismo obedeceu à necessidade de preservação da governabilidade. Tal requisito se via bastante dificultado no que definiria como parlamentarismo romântico, de que os principais exemplos foram a França, notadamente na 3ª República e a Itália, no regime parlamentarista do pós-guerra (em que os grandes partidos eram a Democracia Cristã, o Partido Comunista e, em menor grau, o Partido Socialista), e a já citada Alemanha, especialmente a do período entre 1919-1933, quando a entente democrática ruíu com a convocação pelo ancião Marechal Hindenburg do cabo Adolf Hitler para um governo que os mentores da manobra – em que sobressai Franz von Papen[1] - pensavam fosse temporário.

        Mas voltemos à determinação do Supremo e às suas consequências.  Ao dispor, em uma interpretação bastante larga, da Constituição Cidadã, de que não seria admissível estabelecer cláusulas de limitação do número de partidos – com a consequente derrubada da lei que estabelecia  barreira ao pluripartidarismo, a maioria do Supremo caíu na imprevista armadilha de uma interpretação stricto sensu da Constituição de 5 de outubro de 1988.

         Ao dispor sobre a falta de qualquer cláusula quanto ao número de partidos, a súmula do Supremo, sem dar-se conta, criava as condições para um contrassenso, que na prática desmoralizaria a sentença quanto à alegada impossibilidade de estabelecer um limite ao pluri-partidarismo.

          No momento existem 28 partidos políticos representados no Congresso brasileiro e 32 partidos reconhecidos pelo Tribunal Superior Eleitoral ([2]). Em consequência dessa luxúria partidária, já existem 40 ministros no gabinete ministerial, em número que além de inconveniente é escandaloso.

          Por outro lado, como se tal não bastasse, o Senhor Kassab, antes associado de José Serra e hoje de Dilma Rousseff, cuida no momento de criar mais uma agremiação. Aliás, Kassab é especialista em reviver velhas legendas. Trouxe de volta o PSD, que na Constituição de 1946 era o partido do poder (criado por Getúlio Vargas, era o oposto governista do então PTB, sigla trabalhista). Agora, com o apoio da Presidenta, Kassab tenta trazer de volta o PL (um dos que se desmoralizou por sua participação no primeiro grande escândalo petista, o Mensalão, com o deputado Waldemar Costa Neto).  É contrária a essa ressurreição a frente partidária PMDB, não por questões de princípio, mas por ver no futuro PL outra manobra de Kassab (na do PSD esvaziara o DEM). 

          Semelha que os políticos dessa floresta ou sopa partidária – com partidos grandes, partidos históricos, partidos mirins, legendas de aluguer, etc. - não logram ver nessa luxuriante criatura a desmoralização ou o deboche dessa racionalização dita romântica da explosão das legendas, que dariam contexto à liberdade das tendências políticas.

          Tal posição de abraçar esse crescimento weimariano (ou até congolês) parece ser do presente agrado da prisioneira Presidenta Dilma Rousseff. Como ela parece cativa de uma democracia pluripartidária (e põe pluri nisso), o seu comportamento semelha indicar que ela no caso é adepta do quanto maior, melhor.

           Não é de escapar aos observadores que todas essas manipulações tendem a desvirtuar a real vontade do eleitor. Com o derretimento na prática de sistema partidário que por ser crível e autêntico faça jus a ser considerado sério, o que presenciamos ora é  decorrência da decisão decerto bem-intencionada, mas infeliz nas suas consequências.

           Reporto-me, como é óbvio, à determinação do Supremo quanto à alegada impossibilidade de que cláusulas de barreira – como a assaz modesta estabelecida na lei declarada inconstitucional – possam ser erigidas para disciplinar o pluripartidismo.

           Com a devida vênia, creio que estão dadas as condições para que a sentença anterior do STF seja revista, para pôr cobro ao excesso de partidos e à excessiva manipulação da cláusula da liberdade da criação partidária.

   

( Fontes subsidiárias:  O Globo, Folha de S. Paulo )




[1] Que depois estaria no banco dos réus no Tribunal aliado de Nuremberg, quando foi absolvido. Von Papen (1879-1969) que era membro do Zentrum (partido católico) e pertencente ao círculo de Hindenburg, foi Chanceler do Reich entre julho e novembro de 1932. Teve breve participação no primeiro gabinete de Adolf Hitler, como Vice-Chanceler. A sua intermediação na manobra que abriu o poder para Hitler mostrou a falta de visão do respectivo círculo, ao abrir as portas para a ditadura nazista.
[2] Há um partido, no entanto, a Rede Sustentabilidade, propugnado pela candidata presidencial Marina Silva, que fruíu do dúbio galardão de ser rejeitado pela maioria do TSE (o Ministro Gilmar Mendes foi o único voto discordante).

quarta-feira, 25 de março de 2015

Uma Herança Difícil


                                           

          Joaquim Levy é o síndico da massa falida.  O seu trabalho, no entanto, de repor as coisas no seu lugar se vê bastante dificultado pela própria Chefe, a presidente Dilma Rousseff. A culpa, no entanto, é de atribuir-se à respectiva gestão presidencial.

          O desastroso primeiro mandato só apareceria na sua terrível transmissão para o segundo. Por conta de hábil retenção de informação, a verdade – esse personagem incômodo que ao cabo sempre aparece – pôde ser maquiada na travessia de Silas e Caríbdes, o que permitiu que muitas mentiras e falsidades fossem recobertas pelo diáfano véu da aparência e conveniência política.

          A construção do marqueteiro – e as assertivas da Presidenta nos debates – conduziram a candidata ao afanoso desembarque no porto seguro da reeleição. Mas a mentira, como reza o ditado, tem pernas curtas.

          A raiva do Povo soberano em sentir-se enganado, ela a sentiria mais tarde, ao despencarem os respectivos índices de aprovação sob o toque do tambor de outros arautos, que rasgavam os sedosos tecidos das estórias de faz-de-conta, para mostrarem a face verdadeira do mau governo, a que se acrescia a incrível estória do Petrolão.

          De repente, os velhos fantasmas da revolta popular, acicatada pelo ressaibo amargo de autêntico conto do vigário, foram buscá-la no seu carcomido pedestal. E é forte, incontornável, agressiva a cólera do Povão. Ninguém gosta de ser ilaqueado, e ainda mais com a empáfia e a soberba da Presidenta nas assertivas dos debates.

          Em consequência, na sombra da Lava-Jato,  os índices no Datafolha a colocaram junto da incômoda companhia de outro Presidente, de nome Fernando Collor. O viés da popularidade de Dilma roça de forma inquietante os percentuais da rejeição ao presidente da Casa da Dinda.

          Essa  súbita debilidade presidencial a expõe a todo tipo de dissabor. O  Partido dos Trabalhadores se vê sombreado por crise maior do que o Mensalão. Com  o Palácio do Planalto fragilizado, aumenta a certeza de que Dilma Rousseff já perdeu a força dos recém-empossados.

          Contrariada na véspera pelo Prefeito Eduardo Paes, que foi à Justiça para diminuir a dívida da municipalidade, a dílmica fraqueza se vê exposta em votação na Câmara, na quarta-feira, 24 do corrente, que investe contra a Lei da Responsabilidade Fiscal, ao determinar a mudança de indexador no ajuste fiscal, com a redução das dívidas de Estados e Municípios.

           Se desejamos pôr a casa em ordem, os truques fiscais – que proliferaram no quadriênio passado, no seu primeiro mandato -, essa mágica do Congresso não entra no compasso do tratamento sério, que venha a pôr ordem na nossa economia.

            Tem as pernas curtas como a mentira o intento de fazer agrados a estados e municípios devedores, renegociando as dívidas respectivas. Como o voluntarismo e a irresponsabilidade fiscal, que Dilma  mostraria no malogrado primeiro mandato, não há nesta esfera lugar para passes de mágica. A grande virtude da L.R.F. havia sido reimplantar  o realismo fiscal no Brasil.  Note-se que o PT então recorrera a uma alucinada oposição à responsabilidade fiscal, indo até ao Supremo para contestá-la.

              Se começarmos a tratar o ajuste fiscal dessa forma irresponsável, com falsos remédios e isenções intempestivas,  a maior preocupação está com o sinal que a renegociação das dívidas possa emitir em  momento de crise, como o atual.  Como não há medicação mágica para tais casos, qualquer eventual “perdão” de parte das dívidas estaduais e municipais poderia levar ao rebaixamento da nota do país pelas agências de avaliação de risco. Valendo-se de critérios heterodoxos, a economia brasileira se afastaria da lição de casa a aplicar no caso,  em que a ortodoxia é obrigatória. A incerteza dessas intervenções quebraria a confiança (fundada na obediência às regras), eis que não há espaço para mágicas no domínio fiscal.  Voltaríamos a uma condição que é própria das economias sob regime especulativo, sem a segurança do dever de casa bem feito.

              De qualquer forma, todas essas confusões e fórmulas extemporâneas, lançam a dúvida sobre as perspectivas do ajuste fiscal para pôr um cobro nas insânias fiscais do Dilma I.

              Se a irresponsabilidade e a demagogia prevalecerem – o que nesse Congresso sob domínio do PMDB não há de espantar – o ajuste fiscal irá para o brejo, e junto com ele as perspectivas de recuperação da economia brasileira.  Mas o quê esperar de um Congresso presidido por Renan Calheiros e Eduardo Cunha?

 

 

( Fontes:  O  Globo, Folha de S. Paulo )