quarta-feira, 1 de outubro de 2014

É proibido sonhar ?

                                       

          A presente eleição pode parecer uma fábula, mas infelizmente não é. Porque nas fábulas o bem costuma prevalecer no final, e no presente exercício aumentam as indicações de que neste caso não será assim.

          Pelo menos, ilustres passageiros do bonde Brasil, as coisas não parecem se encaminhar para o resultado desejado pela maioria.

          Pois maioria semelhava ser ao começo, quando correu a notícia da grande prova.

          Tudo havia sido preparado para que não houvesse surpresas, nem aquelas novidades que viessem contrariar a ordem estabelecida.

           A dissidente – que pelo seu poder carismático, comprovado  pelo movimento das ruas, poderia desafiar a ordem do velho líder – fora afastada do picadeiro, por induzida gentileza de terceiros.

           Sem embargo, as Parcas são divindades caprichosas, e num capricho – em que sua enigmática crueldade se pôs à mostra de modo tão incompreensível quanto horrendo – lá se foi pela corrente do Tempo o que o homem das barbas grisalhas engendrara com tanta astúcia.

           De repente, os céus aparentam dissipar-se e eis que outra vez surge, em meio à confusão, a dissidente.

          No gesto, ela traz a maneira ascética com que nascimento e existência a dotaram. Nos traços e nas maneiras simples, será a viajante que pela bagagem terá sempre muitas portas abertas e expectativas a muito poucos concedidas.

          Pelo jeito, postura e passado é a visita que será acolhida de bom grado por pobres e ricos, em saletas apertadas ou grandes salões. Em todo lugar ela traz consigo a esperança, essa entidade tão arredia nos tempos que correm.

          Ao adentrar esses lares, será saudada e recebida com gosto e mesmo entusiasmo. Pois faz tempo que não se vê nos caminhos desses brasis pessoas que a ela se assemelhem.

           No entanto, ao velho líder de quem ela se afastara um dia, mas a quem teima em continuar respeitando, não agrada a perspectiva de que ela possa ascender mais alto.

           À sua gente, que mudou bastante pelas usanças do poder, tampouco compraz a perspectiva de que venha a colocar-se no lugar mais alto das coisas de nossa terra, e que, desse modo, lhes arrebate o poder e suas imensas benesses.

           No início do processo, a dissidente é saudada por grande maioria, cansada das condições prevalentes no domínio do velho líder e de sua preposta. A força da desafiante está na circunstância de vir de fora, e não ter à volta os grupos enquistados na ordem estabelecida, que o povo deseja afastar pela gestão desastrada da discípula do velho líder.

           Mas ela está quase sozinha, eis que – se tem o apoio da maioria – não dispõe das muitas vantagens com que, homem providente, se armara o velho líder. Nesse banquete, a que chegou sem convite, não há muito espaço para ela, e recebe, por isso, as primeiras saraivadas de rumores negativos e de muitas novidades – aquelas que nossas avós detestavam – com a sua peçonhenta carga de meias-verdades e até mesmo de mentiras.

           Para o mal, o poder está armado até os dentes, e ela, esguia e sem os adereços do mando, se descobre indefesa.

           Pensa então na Geni e nas pedras que lhe jogam. São pedras em verdade abstratas, mas como doem ! E tantas palavras maldosas ao vento irão cair em ouvidos, a princípio arredios, mas que a repetição – e o silencio a que está constrangida por uma distribuição solerte e sobretudo iniqua – irá produzir os seus efeitos.

          Por força dessa luta desigual, a carga de simpatia e apoio que chovera copiosa a princípio, se desfaz pelas artes de  propaganda traiçoeira, cuja credibilidade se reforça pela ingenuidade dos ouvintes e, sobretudo, pela falta de respostas.  E de onde virá tal contestação, se o velho líder cuidou de cercá-la com a escassez das secas impiedosas, que soezes lhe negam o atributo mais comum que é a oportunidade de defender-se desses temporais que não cessam nunca, e que carregam com eles as plantinhas que a esperança trouxera.

          No combate sem quartel, a raiva do poder estabelecido é tal que até ajuda o terceiro candidato, a ponto de que a ex-discípula o tenha também às portas, a aproximar-se do seu farnel de apoio – antes abundante, hoje minguante – de modo tal que se pode até pensar que o poder do Velho Líder é tanto que vá até escarnecer da antiga ameaça.

          Nessa jornada, em que o céu límpido da vitória prometida se transforma no granizo da desgraça repentina, os olhos de nossa personagem mais uma vez se elevam para o firmamento onde se escondem tantas surpresas.

          Será que a sorte do Povo brasileiro pode ser tão madrasta? Será que as oferendas aos deuses continuarão a trazer maus presságios? Ou, por trás das nuvens, se esconde propícia divindade que, para surpresa de muitos, algum adivinho lerá para a gente boquiaberta ?


( Fontes subsidiárias: mitologia helênica, Chico Buarque de Holanda )

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