segunda-feira, 30 de junho de 2014

Correio da Copa XVI : Alemanha x Argélia


                            

         Na Copa do Mundo, não existe a categoria dos vencedores morais. No entanto, na partida jogada nesta tarde no Beira-Rio, a Argélia esteve muito perto dessa condição, pelo que ela significa.

         Para a equipe da Rede Globo, seria apenas uma formalidade, seguida pela esmagadora vitória da Alemanha, dada a manifesta superioridade da equipe teutônica diante da seleção argelina.

         Em qualquer tipo de jogo, há um erro que não se pode cometer - menosprezar o adversário, e julgá-lo batido de antemão.

         Ao vermos a esquadra alemã pisar no gramado,  sentia-se que o escrete da RFA estava ali para cumprir a programação. Com a sua fama de rolo compressor, tudo transcorreria conforme previa o retrospecto, e os gols logo viriam como consequência inevitável da disparidade nas duas equipes.

         Essa arrogância se descobria no campo do Beira Rio e se transmutava nos olhares condencendentes dos jogadores alemães, nas apreciações jocosas dos representantes da Rede Globo, e na geral suposição de que se assistiria a match pro-forma (a despeito de ser uma oitava de final), que  culminaria com uma goleada do time do técnico Lowe.

         Ninguém se perguntou como a Argélia conseguira chegar às oitavas de final, eliminando ao fim a Rússia.

         As avaliações de Júnior e os gracejos de Alex Escobar – que pretende com isso assinalar-se por um novo estilo, ao contrário das usuais imitações de Galvão Bueno – sem dizê-lo expressamente, nos apresentavam a equipe do Magreb como um quase rústico time de roça, que não teria qualquer condição de enfrentar o rolo compressor alemão.

          Nesses casos, a realidade sói bater forte. O time tosco que a bola costuma atrapalhar, apareceu como uma equipe valerosa, cujos contra-ataques principiaram a criar confusão no ordenado esquadrão teutônico. Por várias vezes, os jogadores, com rápidos passes e velozes investidas, lançaram em confusão os craques germânicos. As ações se repetiam, em evidente desrespeito às avaliações da equipe da Globo, e pior do que isso, criavam pandemônio nas linhas de Schweinsteiger, Muller e do próprio goal-keeper que no desespero tinha de transformar-se em beque para controlar as penetrações dos atacantes da Argélia.

           A arbitragem da peleja foi entregue a um árbitro e a bandeirinhas brasileiros. Talvez a decantada importância da esquadra germânica os tenha impressionado demasiado. De qualquer forma, diante do esforço e da habilidade dos jogadores argelinos, e da manifesta confusão que os acometeu – ao se darem conta que a outra equipe não tinha qualquer respeito pelos seus campeonatos mundiais, pelo seu renome e capacidade de destroçar as defesas contrárias, como o fizera com Portugal  - a seleção alemã passou a mostrar na fisionomia e no gestual não só a própria confusão, senão a exasperante suspeita de que um quadro de segunda ordem pudesse desmantelar todo o entrosamento, além de causar-lhe danos ainda maiores.

             Ao final, rasgou a considerada fraca equipe argelina, com um aglomerado de jogadores que juntos devem valer menos do que um Müller e outros craques alemães, a soberba do conjunto da RFA. Cercados pelos deferentes cumprimentos de nossos locutores, os futebolistas germânicos não conseguiram vencer no tempo regulamentar os argelinos. Além disso, passaram inúmeros sustos com os seus velozes contra-ataques e a sua generosa disposição. Os modestos argelinos desrespeitaram os craques germânicos, além de colher da torcida a admiração e o aplauso, que são expressões genuínas que pouco têm a ver com as mesuras dos comentaristas televisivos.

              Para esses jogadores, terá sido ao cabo uma derrota que para eles é mais do que um lenitivo. Forçar o rolo compressor alemão, e a empáfia de suas coortes, a atabalhoadas correrias e àqueles olhares perdidos, marca momentos que tem grande valia e podem motivar no futuro a transformar a habilidade e a desenvoltura em grandes esquadras, capazes de em novos torneios completar aquilo que hoje começaram, arrastando os craques germânicos aos incômodos e incertezas de uma prorrogação.

               Ao fim de tudo, pode ser que os alemães tenham apreendido uma lição: devem respeitar o adversário e nunca subestimá-lo. É um ato tanto de inteligência, quanto de caráter, que pode poupar-lhes muitos dissabores.

 

( Fonte: Rede Globo )      

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