quarta-feira, 25 de junho de 2014

A Crise do Iraque


                                               

          Os primeiros assessores militares prometidos por Barack Obama já começam a chegar para o teatro de operações no Iraque, mas por foto divulgada pela imprensa o funcionário americano mais incômodo para o cambaleante governo de Nuri al-Maliki semelha ser o Secretário de Estado americano, John Kerry.

          Na fotografia, divulgada por O Globo, não há traços de calor humano, ou dos sorrisos tipo ‘noblesse oblige’[1] que costumam aparecer em tais ocasiões. Nem o carrancudo Kerry, nem o desconfortado Maliki (que parece ter problemas com o colarinho) fazem qualquer esforço de aparentar cordialidade. O único aspecto mais light  é o da intérprete que troca sorriso com alguém não visto na foto.

          No entanto, Kerry mostrou-se satisfeito com os resultados da reunião.  A Casa Branca já manifestara a conveniência de que al-Maliki renunciasse como passo necessário para conter a insurgência sunita. Sem embargo, ao cabo do encontro, se colheu a promessa do Primeiro Ministro (no poder desde 2006) de montar um gabinete até o dia primeiro de julho p.f.

          Havendo os Estados Unidos solicitado o afastamento do xiita al-Maliki, cuja política facciosa (e excludente da minoria sunita) constitui o principal motor da ofensiva do Isis (Estado Islâmico do Iraque e da Síria),  sem embargo,  John Kerry saiu da reunião satisfeito. Tal se deve muito provavelmente à circunstância de que o Primeiro Ministro lhe terá dado elementos para que confie na sua palavra. Com efeito, o Primeiro Ministro reafirmou seu compromisso com a data de 1° de julho para a solução da crise no governo do Iraque. O futuro dirá se a palavra de Maliki – com os elementos que terá fornecido - merece o crédito que lhe foi dado pelo Secretário de Estado americano.

          A reunião, que se desenrolou em ambiente por vezes tenso, terá pela promessa do Primeiro Ministro alcançado o seu objetivo.  Kerry, dentro de seu propósito de viabilizar uma solução política para enfrentar o desafio do Isis, também se reuniu  com o influente clérigo xiita Ammar al-Hakim, e os dois expoentes sunitas, Osama al-Nujaifi, presidente do Parlamento, e o vice-primeiro ministro  Saleh al-Mutlaq.

            Entrementes, os jihadistas do Isis consolidaram a sua posição no norte do Iraque, tendo assumido o controle de postos fronteiriços em disputa: o de al-Walid, junto à Síria, e o de Trebil, com a Jordânia. Nesse momento, o Iraque estaria separado pelo exército do Isis de qualquer contato nos postos de fronteira do Iraque com a Siria e a Jordânia.

             Por enquanto, existe a clara ameaça de que o Iraque se esfacele, sob o controle de poderes rivais: os curdos no norte, os insurgentes (jihad) sunitas ao norte e ao centro, e a maioria xiita no sul, esta sob os nervosos olhares de Ali Khamenei, o líder supremo da teocracia iraniana.     

             Depois do pavoneado desembarque no porta-aviões Abraham Lincoln do uniformizado Presidente George W. Bush, sob o slogan “Missão Cumprida”, semelha que as coisas não saíram como Bush Jr. e o seu grupo neo-conservador imaginaram, em termos de situação iraquiana.  O carrossel vienense de Arthur Schnitzler[2] reserva para os sucessores do bicho-papão Saddam Hussein surpresas para eles imprevistas, mas demasiado humanas e previsíveis para outros que não o então Vice-Presidente Dick Cheney e o Secretário da Defesa Donald Rumsfeld, cuja responsabilidade nessa tragédia americana tem sido magistralmente descrita por Mark Danner, em The New York Review.

             Após ter contribuído para a vitória eleitoral de Barack Obama (pela sua oposição à aventura militar iraquiana de Bush Jr.), a ironia de que o fantasma do Iraque – cuja guerra ruinosa sangrou o erário da Superpotência em mais de um trilhão de dólares) – retorne agora, com as vestes diferentes de um mesmo problema, para a administração Obama, com  fortes e inquietantes indicações de uma revisitada maldição (começada, é bom lembrar, com os assessores militares mandados por Eisenhower para outro teatro militar), mas com iguais danosos resultados, como foi a experiência do Vietnam para os Estados Unidos...

 

( Fontes:  O Globo, The New York Review of Books )



[1] ‘por obrigação de nobreza’.
[2] Arthur Schnitzler (1862-1931), escritor austríaco, autor da ‘Ronda’.

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