quarta-feira, 18 de junho de 2014

CIDADE NUA VII


                                             A     DAMA   DO   ELEVADOR



                                                         X   X   X  I  I             

 

                                            A retomada do trabalho, com a volta às velhas rotinas e os cochichos das barangas, Albano via com certo enfado. Havia duas coisas que lhe preocupavam: a rotina sem perspectivas, que de novo o trazia para o pequeno mundo da repartição,  e a súbita incapacidade de  falar com a namorada. Por primeira vez, desde que haviam passado a viver juntos, o contato com Yvone como que entrara em um túnel, onde as comunicações via celular tinham cessado.

                                            Para sua surpresa, as chamadas caíam sempre em caixa postal. O que, a princípio, pensara contratempo passageiro, começava a dar-lhe incômoda impressão. Sobreviera algo diverso, depois de dias inteiros transcorridos juntos, seja nas caminhadas por repartições e delegacias, seja até no confinamento do apê de João. Lá e cá poderiam surgir rusgas e amuos, mas no convívio permanente a relação se fortalecia ao lidar com o cotidiano. Para ele, não obstante as agruras da situação, ambos dispunham em tais momentos da oportunidade de se curtirem mutuamente. Seria como se fossem apresentados a vida nova, de forma talvez um tanto brutal, mas que tinha o fascínio do proibido, temperado com reconfortante sensação de unidade diante das peripécias do dia-a-dia. 

                                            Tudo isso Albano pensava e projetava na companheira. E de repente, veio a incerteza.

                                            Ele guardava como seu norte a perspectiva de radical mudança de vida. Sempre alimentara a idéia de sair do Rio de Janeiro, e de ir para outro meio, com dois pressupostos: uma existência nova em cidade do Nordeste, em que pudesse valer-se do apoio inicial de parentes.

                                           Quando voltou para o apê de João, achou estranho que Yvone não estivesse  lá. Sabia de seu desconforto em estar naquele local apertado, e tão pouco acolhedor. Por isso, pensava na possibilidade de alugar um por temporada.

                                           Uma hora mais tarde ela afinal apareceu. Lá com ele, estranhou que não dissesse palavra acerca de o que fizera. Yvone não tinha parentes no Rio, nem amigas mais chegadas. No entanto, como o seu humor não parecia dos melhores, ele preferiu não perguntar-lhe nada. De todo modo, ficou na espera de o que diria sobre as suas andanças.

                                           O espanto cresceu diante de seu quase silêncio. Ela, de resto, não lhe dava a impressão que estivesse a fim de conversar. Como o companheirismo caracterizara até então o estar junto do casal, a situação principiou a inquietá-lo mais. Não queria contribuir para turvar ainda mais o ambiente, mas se via forçado a tomar alguma iniciativa.

                                           “Meu amor, sinto que qualquer coisa te incomoda. Como não sei o que possa ser, me pergunto se não há jeito de te ajudar?”

                                            Em resposta, ela o encarou de um modo esquisito.

                                            “Bobagens, Albano. Bobagens de mulher.”

                                                                  *

                                             “Que tal se a gente fosse comer fora ?”

                                             Naquela noite, Yvone não deixava de surpreendê-lo. Depois de passar bom quarto de hora metida no quarto remexendo nas suas coisas, eis que reaparece com ar de quem não aguenta mais o confinamento no apê do amigo.

                                              “Tudo bem. Acho que é boa ideia. Assim, espairecemos um pouco.”

                                              Como fazia um friozinho naquela noite, no limitado guarda-roupa invernal do carioca, ele vestiu jaqueta bege e ela, um casaquinho de malha.

                                              Caminham pelas redondezas que mal conhecem, a despeito dos muitos dias em que estão arranchados no apê de João. Talvez a sua negação de explorar a vizinhança falasse mais acerca da insatisfação que ambos sentem pelas limitações do pouso.

                                              De qualquer modo, sem muita convicção, acabam batendo no barzinho antes visitado. A comida, muito gordurosa, deixa a desejar. A única qualidade do local estaria menos nas próprias limitações, do que na circunstância de que já as conhecem. De certa forma, preferiam não correr riscos ulteriores.

                                            Sair para a rua, porém, não desata a língua de Yvone. Além da cara de enfado, com que ele não logra acostumar-se, avulta na sua mente a impressão – e, mais tarde, a certeza – de que algo a incomoda, algo que não sabe deva pôr para fora ou não. E, sem embargo, a despeito dos silêncios, ele não se resolve a perguntar-lhe o que está acontecendo com ela. Seria como desejasse evitar ouvir o que não queria. Tem presente que não poderá contornar indefinidamente o evidente mau humor da namorada. Mas, levado por temor que não se anima a confrontar, naquela noite vai falar compulsivamente, sem na verdade nada dizer de concreto ou pertinente.

                           

                                                                                *                   *      

                                                               

                                            “Boa noite,  Albano.” 

                                            Como a sua atitude não mudara até a volta, essas eram as únicas palavras que ouvira de Yvone. Em silêncio, tinham atravessado o restante da medíocre refeição. Em silêncio, haviam percorrido as poucas quadras que os separavam do edifício de João. Em silêncio, fora cumprido o ritual da noite.

                                            Tudo aquilo o cansara. Embora por um átimo hesitasse, achou melhor agir como se com eles nada estivesse fora dos eixos.

                                            “Boa noite, Yvone.”   

 

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