domingo, 29 de junho de 2014

Colcha de Retalhos B 25

                                

Imagem x Realidade

 
               Peço vênia para discordar de algumas observações do interessante artigo de Matias SpektorA Virada, publicado na Folha de 25 de junho de 2014. Reporto-me à discussão entre realidade e imagem, no contexto da utilização pontual de grandes eventos. Sem desmerecer da função marqueteira, cuja importância cresce na atualidade, as embaixadas  não semelham incluir  tais encargos em suas funções precípuas. Sem dúvida, é um trabalho que tem muito mais a ver com as repartições consulares e os serviços comerciais.

                  Nesse contexto, continua válida a itemização por Hildebrando Accioly dos deveres do agente diplomático para com o seu próprio Estado. Tais encargos são óbvios, mas carecem de ser especificados. Como é sabido, eles se dividem em três categorias: representação, observação e proteção. São os deveres clássicos do agente diplomático para com a sua sede de origem, usualmente denominada de Secretaria de Estado.

                  Já com relação ao Estado onde esteja exercendo suas funções, o agente diplomático tem outras obrigações, que como Heffter o assinalou, são deveres de lealdade para com o soberano estrangeiro. O linguajar pode parecer antiquado – o “Tratado de Direito Internacional Público”, 2ª edição, é de 1956 – mas tais funções nas duas esferas de ação são aplicáveis à atualidade. Os meios disponíveis – aqui entra o progresso – podem mudar, mas as respectivas funções não variam.

                  Assim, quando se fala em embaixada atuando para a divulgação de uma imagem determinada, na essência a função continua a mesma, se nos ativermos ao objetivo precípuo, mas não aos meios que devam ser empregados. Sendo repartições permanentes, as respectivas chefias, por iniciativa própria ou coordenadas pela Secretaria de Estado, poderão ocupar-se de questões atinentes à imagem do país. Não estão, decerto, entre as funções específicas de uma missão diplomática, dada a mutabilidade de uma imagem respectiva.

                  O que me parece mais consentâneo é que a política de promoção de determinada imagem seja concertada nos seus grandes traços pela embaixada, que se encarrega da missão política de promoção do país. A viabilização dessa campanha caberá a serviços auxiliares, dada a orientação tópica da questão.

                  No meu serviço na carrière, em que completei dez lustros, tive mais de uma vez de lidar com esse falso problema, que é a suposta contraposição entre a dita imagem e a realidade subjacente. Na verdade, a promoção da imagem – qualquer que seja – é uma função tanto individual, quanto coletiva.

                  É bem verdade que essa questão se reporta mais aos anos finais da minha presença no Itamaraty. Seria um vezo da última década do século vinte, quando surgiram na Casa de Rio Branco assessorias encarregadas especificamente da dita imagem.

                  Convém, no entanto, precisar que, como toda política promocional, ela deve ser manipulada com cautela.  A sua premissa é a realidade que o agente diplomático representa. O que ele não deve esquecer é que a embalagem, por melhor que seja, não altera a qualidade do produto. Por episteme, dispomos da verdade que o país representa.  Por maiores habilidades e meios tecnológicos de que o agente disponha, há um limite bastante claro quanto à mensagem a ser passada para Garcia. Na promoção de campanha para a obtenção de patrocínio para grandes eventos, há uma normativa a ser seguida. Na transmissão da imagem, o conteúdo é importante, não só nas suas qualidades técnicas, mas também na medida em que reflita algo concreto e factível, e não estórias da carochinha, com curtíssimo prazo de validade.

                  Contrariando a opinião de um colega – que infelizmente não está mais entre nós – permiti-me referir  minhas dúvidas sobre a validade de política que privilegiasse os aspectos superficiais da imagem em detrimento do conteúdo.

                 É o antigo debate entre valor epistêmico de uma questão e a sua derivada projeção como imagem.

                 A imagem, se veraz, será necessariamente um aspecto adjetivo de uma determinada situação. As posições políticas, os dados relativos ao estado presente de nosso país, são relevantes enquanto projetam uma determinada realidade. A imagem decorrente será necessariamente adjetiva, por constituir função de um estado de coisas preexistente.

                 Por ser derivada, a imagem só terá real importância se corresponder à realidade.

                  Nesse caso é bom lembrar a sapiência popular sobre a mentira. Ela costuma ter as pernas curtas.

                   E quando a imagem, uma vez projetada e fixada, briga post-factum com a realidade, o desserviço ao interesse nacional tem de ser multiplicado por um coeficiente na razão inversa de seu suposto êxito quando de sua tópica utilização

                   E aí se volta a verificar um velho truísmo. A imagem será tanto mais deletéria quanto mais contrária for determinada a sua relação com a realidade.     

 

Poroshenko assina acordo com U.E.

 
                    Estão pendentes de esclarecimentos futuros as razões que levaram o então Presidente Viktor Yanukovych a jogar na cesta o acordo comercial longamente discutido e negociado com a União Européia. Por força desta inopinada decisão – que os escaninhos da História um dia hão de esclarecer – Yanukovych bateu de frente com a vontade majoritária do povo ucraniano, vontade essa que não tardaria em repontar na Praça da Independência e na continuada rebelião civil que se espalharia pelos diversos prédios oficiais de Maidan, numa épica resistência que recordaria as revoltas da Paris oitocentista, com as suas barricadas e a coragem dos populares.

                    Agora, o pleito nacional com a sua abertura para a Europa ocidental  - leia-se promessa de progresso econômico e financeiro, em ambiência democrática – é atendido pelo novel presidente Petro Poroshenko, com a firma nesta sexta, 26 de junho, dos acordos com Bruxelas. Ao contrário da via estreita da submissão ao Kremlin, pela adesão à União aduaneira que a Rússia quer impor, o presidente ucraniano preferiu a senda mais ampla e promissora da abertura para o Ocidente. Dos benefícios de tal opção – que gospodin Vladimir Putin alegando sérias razões deseja à força impedir – basta um olhar para a vizinha Polônia para cientificar-se do potencial proveito de ingressar na União Europeia.  O caminho para tal propósito, como muitos ideais, principia por um passo singelo, quase burocrático, i.e., a firma do pacote de acordos negociados com as instâncias de Bruxelas. O povo ucraniano, máxime aquele das regiões ocidentais, deseja desvencilhar-se do sufocante amplexo do urso russo, que é um misto de autoritarismo, dependência, e estreiteza burocrática, em uma receita que, por conhece-la bem, o ucraniano opta pela promessa de tempos melhores da Comissão de Bruxelas.

                 Segundo Amanda Paul, do Centro de Política Europeia, o grande perdedor nesta questão seria o Presidente Putin: ‘Criou uma série de problemas internos para a Ucrânia, mas só conseguiu jogá-la ainda mais nos braços do Ocidente de o que antes acontecera.’ Sem embargo, as ‘sérias consequências’ mencionadas pelo governo russo começam a concretizar-se.  Dentre as medidas retaliatórias – não se deve esquecer que o Kremlin controla a torneira do gás para a Ucrânia – está incluída a retirada de tratamento preferencial para as suas exportações para a Rússia.

                Coincidindo a cerimônia em Kiev com cerimônia diplomática no Kremlin, Putin fez a seguinte declaração: “A aguda crise na vizinha república nos perturba muito (sic). O golpe inconstitucional em Kiev e intentos para artificialmente impor uma escolha entre a Europa e a Rússia pelo povo ucraniano empurraram essa sociedade para uma fratura e dolorosa confrontação.” Mesmo para conhecedor superficial das relações da Ucrânia com o seu poderoso vizinho, essa declaração é um amálgama de inverdades e omissões.  A escolha europeia do povo ucraniano custou-lhe a anexação da Criméia, em cínica agressão ao direito internacional e ao princípio dos pacta sunt servanda.

                Também por trás das tentativas de secessão na região oriental está o governo Putin, com o envio de ‘voluntários’ (alguns dos quais voltam em caixões),  assim como apoio aos milicianos pró-Rússia nas províncias do Leste, notadamente os diversos centros servidos por via férrea na bacia do Don, em cuja fronteira se acham 40 mil homens do exército russo. Há uma visão russa – que Putin deseja firmar com a ideologia eurasiana, que claros pendores autoritários -  de que é chamado “o exterior próximo” (near abroad), cujos países deveriam pautar-se por uma visão deferencial com relação ao vizinho do Kremlin, como principal herdeiro da União Soviética.

                As sanções impostas pelo Ocidente – inclusive os Estados Unidos – ainda são de natureza ‘light’, e refletem a ambivalência diante dessa ‘potência regional’, como a definiu Obama em relação a Moscou.

                A própria OTAN (organização do Tratado do Atlântico Norte) tem evidenciado atitudes conciliatórias no que tange à Federação Russa. Essa vontade de conciliação não favorece muito a países que desejem liberar-se do sufocante amplexo do urso russo.

                Por isso, malgrado as alusões do presidente Poroshenko, não semelham muito brilhantes por ora as perspectivas de em futuro próximo serem admitidas na União Européia a Ucrânia, a Moldova e a Georgia. O pretexto seria a oposição da opinião pública europeia a uma ampliação da UE, considerada já demasiado grande e de difícil manejo (conta atualmente 28 membros plenos). No entanto, a assinatura do acordo comercial (e de outros correlatos) pelo governo de Kiev é um marco relevante, porque caracteriza o início de um processo, que pode levar a uma eventual adesão política da Ucrânia (como foi o caso da Polônia).

                  Por sua vez, a organização favorecida pelo Presidente Vladimir Putin – a União Eurasiana, que deverá começar a funcionar em 2015, só registra por ora três membros: a Federação Russa, a Bielo-Rússia e o Kazakhstão. Por oferecer pouco mais do que o amplexo hegemônico do antigo império russo, o interesse em aderir dos países ativamente requestados tem sido baixo, mais preocupado em preservar a própria autonomia, do que cair nos braços de um imperialismo de que têm sobejo  conhecimento.

 
Captura de suspeito no ataque de Benghazi
 
                    Os comandos da Marinha estadunidense - os Seals (focas) que realizaram o raid que levou à eliminação de Osama ben Laden - capturaram na Líbia o principal suspeito pela morte do Embaixador americano J. Christopher Stevens e outros três americanos. O assassínio do embaixador Stevens resultou de ataque terrorista à missão americana em Benghazi, e a instalações vizinhas, utilizadas pela CIA.

                   Segundo investigações posteriores, do Congresso e de comissões especiais, a ação em apreço fora tornada possível por segurança deficiente no ‘compound’ americano, inclusive no que dizia respeito à proteção do chefe da missão. O ataque em que morreram quatro cidadãos americanos, inclusive o Embaixador, se efetuou na noite de onze de setembro de 2011.

                   Detido em navio de guerra americano, o suspeito, Ahmed Abu Khattala,  levado em seguida a New York, e daí transportado de helicóptero para Washington. Na capital, neste sábado, 28 de junho corrente, compareceu perante um juiz, para o respectivo indiciamento relativo a três imputações,  a cargo do Departamento de Justiça, e relativas à ação criminosa em Benghazi, em setembro de 2011.

                   Por intermédio de seu advogado, o suspeito alegou inocência.

 

( Fontes: Folha de S. Paulo, The New York Times )

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