quinta-feira, 19 de junho de 2014

Correio da Copa (V)

                                         

       A rodada de ontem continuou a surpreender. A Holanda, franca favorita, penou para vencer a Austrália, em jogo marcado pela violência, com 43  infrações. A lesão mais grave foi a do holandês Bruno Martins Indi, em choque com o australiano Cahill. Indi sofreu traumatismo craniano (caíu com o rosto no chão) e ficará 48 horas em observação no hospital Mãe de Deus, em Porto Alegre. Van Persie, o centro-avante do gol mais bonito da Copa (o de cabeça contra a Espanha) levou o segundo cartão-amarelo, e ficará de fora no jogo com o Chile.

      Desse grupo, veio também a notícia mais surpreendente, com a eliminação da Espanha.  Depois da acachapante (e humilhante) derrota para a Holanda (5x1), a antiga Fúria, com o seu testado paradigma da linha de passes – em rápidos passes de bate-pronto para manter o domínio da bola, denegando-o ao adversário – tampouco conseguiu impor-se à equipe do Chile que com aplicação tática superou a desvantagem técnica.

      Vendo desmoronar-se o time espanhol – de  que era o espelho a imagem do  técnico Vicente del Bosque, que com seu terno e fleuma contrastava com o gestual e a  informalidade do chileno – a fisionomia do veterano orientador técnico se ensombrecia com a súbita inversão do controle do jogo. Em verdade, não mais se via a posse da bola sob o domínio da Espanha. Recordei-me de jogo com o Uruguai, em que os jogadores da Celeste foram levados ao descontrole emocional pela irritante situação de não poderem sequer tocar na bola, que era mantida na posse da esquadra espanhola. E, com exasperante facilidade, os espanhóis não se mantinham no que os perplexos adversários consideravam um antijogo, eis que com a mesma naturalidade completavam afinal a sua aparente infindável linha de passe em gol. Seria como se de repente o leitor de um parágrafo, a  primeira vista inconsequente, túrgido e cheio de meandros, chegasse abruptamente a um final que seria o esperado se não tivesse sido retardado por tanto tempo.

       Com esse novo paradigma técnico os espanhóis tinham arrebatado a Copa do Mundo – que antes sempre se esquivara da chamada Fúria – e duas taças da Europa. Mesmo com o ritmo acelerado da pós-modernidade,  os espanhóis foram surpreendidos com a desenvoltura dos adversários, que não mais os consideravam invencíveis. A seleção brasileira, ao derrotá-los na Copa das Confederações já tinha prenunciado esse desenvolvimento, que agora se confirma diante de seleção tecnicamente inferior, mas com aplicação tática que soube contornar a maior habilidade do time espanhol. Sob a incrementada tensão, também o goleiro Casillas mostraria falhas antes não detectadas tanto na partida com a Holanda, quanto no jogo com os chilenos.

        Por sua vez, em resultado esperado,  Croácia prevaleceu sobre os Camarões, que, infelizmente, não se dissociaram do padrão africano de desorganização tática e regressão técnica, que contrasta com performances anteriores. Diante desses resultados,  o Brasil só deixará de classificar-se para as oitavas de final se perder para os Camarões e houver empate entre Croácia e México.

        Em falha gritante da segurança, o Maracanã viveu na quarta-feira, dezoito de junho, nova invasão de torcedores. A desorganização – com o habitual jogo de empurra entre Fifa e os órgãos de segurança do Estado – foi determinante para que uma turba de 150 chilenos derrubasse grade e entrasse no estádio, invadindo sala de imprensa, com quebra de vidros e danificação de arquivos.  Outra vergonhosa falha, foi o arrastão de furtos de ingressos na saída da estação de metrô do estádio.

         O Comitê Organizador Local (COL) – que também falhou no jogo de Brasil x México em Fortaleza – se vê incriminado pelas autoridades federais de segurança ao não exigir das empresas contratadas o emprego do efetivo máximo de vigias. 

         Hábeis em montar desculpas, as entidades participantes parecem esgrimir-se mais na autodefesa, do que em fornecer efetivos confiáveis para evitar as contristadoras e desmoralizantes invasões, como a de ontem à tarde. A própria avaliação do ‘COL’, após os acontecimentos é que “a PM precisa mesmo intervir, pois a FIFA está acostumada a lidar com a torcida em países “mais civilizados” que o Brasil”.

        Em vez dessa guerra de desculpas – que apenas sublinham a incúria e a negligência dos órgãos encarregados da segurança – o que se deveria alinhar é uma segurança digna desse nome, com número e preparo suficiente para barrar essas invasões, que além de desmoralizarem a autoridade local, mandam uma imagem assaz negativa de nossa incapacidade  de lidar com esses baderneiros. Houve invasão de argentinos no jogo contra a Bósnia, e ontem, cerca de 150 chilenos invadiram. Parte deles foi presa (88) e será deportada em 72 horas. No entanto, as dúvidas permanecem, eis que os nomes não foram divulgados, e não ficou esclarecido se os ditos invasores ficarão detidos.

        É contristador o jogo de empurra  que tenta escamotear essa desorganização e a respectiva responsabilidade. Infelizmente às muitas regras corresponde uma burocrática ineficiência.

        Será que o Brasil não vai mudar nunca ? Será que ao invés de atribuir a culpa ao Outro, os poderes – municipal, estadual e federal – não poderiam organizar-se para assegurar o respeito à ordem e à preservação   da segurança dos assistentes ? Será que isso é tão difícil assim ? E pensam, acaso, que as elaboradas e torrenciais desculpas enganam o público nacional e internacional ?

 

( Fontes:  O Globo, Folha de S. Paulo )

Nenhum comentário: