quarta-feira, 12 de junho de 2013

Trincheiras da Liberdade (IV)

                                  

                Continua a perseguição na China. Nesse cenário repressivo, é muito estranha a pena cominada contra o cunhado de Liu Xiaobo, o Prêmio Nobel da Paz de 2010. Como se sabe, a decisão do comitê de Oslo provocara uma série de ameaças de Beijing contra a pequena Noruega. Liu Xiaobo já fora condenado a onze anos de cárcere pelo crime de haver coordenado uma petição através da internet que propugnava a adoção gradual pela China de uma constituição democrática.
                A histérica perseguição movida pela burocrática ditadura do PCC se acentuara deveras com a divulgação da concessão do Prêmio Nobel[1]. Além de expedir a vítima Liu Xiaobo para os cafundós dos infernos, em masmorra dos grotões interioranos do Império do Meio, aplicou-se à esposa de condenado, Liu Xia, uma privação branca de liberdade. Essa envergonhada e ilegal prisão domiciliar fulminada contra o cônjuge, se relembra o direito penal anterior ao Marquês de Beccaria – o das monarquias absolutistas do tempo de D. Maria a Louca – em que os descendentes e parentes próximos eram suscetíveis de sofrerem tirânico rigor, com a extensão das penas a várias gerações.
                Sem que a ditadura chinesa o declare abertamente, a esposa do perigoso agitador constitucionalista (e ainda por cima Prêmio Nobel!) acha-se trancafiada em prisão domiciliar, em vigor desde outubro de 2010, por coincidência decretada ao ensejo da divulgação por Oslo da comenda a Liu.
                E não é que o governo de Xi Jinping, que acaba de sair chancelado pelo ritual congresso do regime sino-burocrático-comunista, terá arranjado contra Liu Xui o cunhado de Liu Xiabo, e irmão da esposa Liu Xia, mantida esta em cárcere domiciliar,  outra sentença ?  E não se surpreendam com a sua severidade – igualmente onze anos ! – com a nebulosa fundamentação de fraude fiscal.
                A senhora Liu foi vista no passado domingo ao ser levada do tribunal em Huairou, nas cercanias de Beijing, ao ensejo do pronunciamento da sentença: ‘ Eu não posso absolutamente aceitar isto. Não passa de perseguição. ’ E acrescentou: ‘Esse veredito é totalmente ilegal’.  Por isso, ‘ela perdera por completo a esperança no governo’.
                 Não terá sido por acaso que mais esse atentado contra os direitos humanos tenha coincidido com a visita de Xi Jinping, o novo líder do PCC, à Casa Branca, para os dias de sessão do G-2, em que Barack Obama e o novel presidente chinês discutiram sobre a pauta das principais questões entre as duas maiores economias mundiais. Nessa linha de interpretação, passaria como recado da nova liderança de que em matéria de direitos humanos nada havia mudado em Beijing.
                A tal propósito, vem à lembrança recente reportagem do New York Times sobre a eventual participação dos atuais principais líderes chineses – o presidente do PCC e o Primeiro Ministro Li Keqiang – no meio que cercara o debate no final dos anos oitenta da opção democrática pela China.
                Não será a primeira vez que me ocupo deste período, em que o velho Deng Xiaoping, envolvido pela camarilha de Li Peng, e ao ensejo do propício afastamento, em visita oficial à Coréia Comunista, de Zhao Ziyang, então Secretário-Geral do PCC, e partidário da opção democrática, assinara ameaçador artigo contra os líderes estudantis. Com esta provocação, a composição com os estudantes se tornou impossível. A consequente reversão na atitude estudantil em Tiananmen forneceu o pretexto para o endurecimento conservador. Com isso, a linha de Li Peng logrou encaminhar o seu golpe, precipitando a série de acontecimentos que levariam ao massacre da Praça Tiananmen, à prisão dos líderes estudantis, e à deposição e posterior prisão domiciliar de Zhao Ziyang.   Com isso, a linha conservadora do PCC preparou o  engonço que até hoje permanece no poder na China, em sua versão burocrático-ditatorial.
                 Francamente, não vejo os atuais líderes chineses como enrustidos democratas, no gênero, v.g., de Mikhail Gorbachev. Não é por capricho da fortuna que eles foram parar onde hoje estão.  Se porventura alimentaram veleidades democráticas nos tempos de Tiananmen, souberam manter-se à distância dos heróicos líderes do movimento, que acabaram trucidados ou nos calabouços da ditadura.
                 Os gerarcas chineses estão bastante atentos a tais detalhes. Não será por aí que a China será retirada do beco em que foi metida, com a impossível conjugação da liberdade econômica e a ditadura política do PCC.   
 

 
(Fonte: International Herald Tribune )




[1] A outorga de 2010 só tem parâmetro na de 1935, quando o regime nazista impediu a ida a Oslo do  pacifista Carl von Ossietsky, a quem mantinha preso. Em 1935 como em 2010, a cadeira do Prêmio Nobel ficaria vazia, eis que tanto Adolf Hitler, quanto o PCC não admitiram que o agraciado fosse representado na cerimônia.

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