segunda-feira, 24 de junho de 2013

CIDADE NUA VI -- Estórias Rodriguianas


Antunes, o Conquistador  (9)



               Lentamente, vai adentrando os espaços que restam por serem explorados. Embora esteja no seu apartamento,  a sensação que experimenta é de estranheza. Invade áreas que se bem sejam suas, naquela hora as vê transformadas em recantos do desconhecido.

               Aos poucos, o exame dos lugares o irá tranquilizando. Com a exceção de tantas cousas fora de seus lugares, ali nada de terrível acontecera.

               Gradualmente, Antunes se pilha recuperando o próprio controle.       

               Sem embargo, à medida que as batidas cardíacas se normalizam, e a impressão se firma de que o pior não ocorreu, outras percepções se insinuam. Ouvira dizer que o diabo está nos detalhes, e naquele instante compreendeu de que se tratava.

               Se nada de importante ali acontecera, nada que pusesse o seu apartamentinho na primeira página da Luta Democrática e dos demais diários sensacionalistas, não escapou a Antunes que lá existia fundamento para registro de ocorrência policial.                  

              Pelos dados que coleta na mente, várias roupas e outros pertences seus não tinham sido desdenhados por Corina de tal, corista de espetáculo de variedades na Praça Tiradentes. Para azar dele, lhe dera tempo suficiente para juntar numa trouxa, com os lençóis de suposta noite de amor, o que de melhor possuía no modesto guarda-roupa... O único haver salvo fora o seu pé-de-meia – uns míseros dois contos de réis – que ele escondera em canto à prova de larápio.

             Vítima de um arroubo romântico, Antunes acusa o golpe, mas não deixa de apegar-se ao orgulho singelo da gente do norte. Mais grave do que a perda material, seria para ele o ridículo de ter sido ludibriado por uma reles corista de teatro de revista.

             Para manter aquele segredo de honra – que não era decerto hermético, pois o faxineiro do prédio bem podia ter bispado o que levava a fulana na trouxa com que fugira do apartamento do reservado Antunes – o nosso herói diria ao Tavares da sorte que tivera com a corista do Walter Pinto...

             Da ocorrência policial, do escândalo na porta do teatro, e coisas do gênero, nem pensar...
                                                  *       *       *

Nenhum comentário: