segunda-feira, 10 de junho de 2013

CIDADE NUA VI -- Estórias Rodriguianas



Antunes o Conquistador (3)

                                                           
       Na sexta, como era seu feitio, Antunes chegou mais cedo. Podia entrar logo, mas preferiu esperar  o Tavares. Este veio pouco antes do espetáculo começar, o que deixou irritado o outro que viera na hora. Havia muita gente, o que, pelo dia da semana, era de  prever.

       “Hein, seu Tavares, sempre atrasado, né?”

        Esbaforido, o companheiro engrolou desculpa que o amigo mal escutou.

        “Vamos tratar de entrar logo, se não a gente acaba ficando lá pra trás.”

         Naquele tempo, os espetáculos do Walter Pinto faziam muito sucesso. Mulheres bonitas e bons cômicos, a sua receita. A censura era o problema que tinha de enfrentar. Precisava medir as roupas das vedetes e das coristas. Naqueles tempos moralistas, em que tudo fechava na semana santa, o empresário tinha a missão de mostrar o máximo das curvas das meninas, sem afrontar os censores. Por isso, seria mais cuidadoso na estréia. Não podia, contudo, exagerar no bom comportamento, porque com isso o público torceria o nariz, e nos dias seguintes viria menos gente.

         Agora, se exagerasse nos decotes e no que entremostrasse, podia ser apanhado pela censura. Assim, a turma do ramo admirava Walter Pinto, pela sua notória habilidade em navegar por aqueles mares com tantos recifes e redemoinhos, e acabar sempre tendo a casa cheia.

          Antunes, o sisudo, riu bastante com José Vasconcelos e Brandão Filho, gostou da plástica de Mara Rúbia e das capitosas insinuações de Virginia Lane, mas entusiasmou-se mesmo pelo jeito e formas de uma das coristas.

           Em meio ao mulherio do espetáculo, algo viria a prender-lhe a atenção para a fileira de trás das moças. Estavam lá para compor o quadro. Emolduravam, assim, com passos não muito coordenados, o fundo da cena e o veludo das cortinas traseiras do palco. Não espantaria, portanto, que por aí não costumassem pairar as excitadas vistas dos espectadores.

           Não obstante, ao contrário dos demais, os olhos de Antunes caíram sobre a jovem alourada, e a procuraram com tamanho afinco que ele, na sua ilusão de neófito naqueles domínios, chegou a pensar que a sua eleita corista se apercebera do interesse.

           Na saída, como Tavares acenasse em afastar-se da calçada fronteira ao teatro, achou esquisito que o amigo não arredasse pé dali.

           “Ô Antunes, não tou te entendendo... Parece que estás esperando alguém...”

           O outro desconversou, mas continuou parado.

           A maior parte da assistência se afastava sem muita pressa, rumo aos pontos das conduções. Alguns grupos comentavam o espetáculo, e falando alto, lembravam as passagens mais divertidas. A noite, cálida mas aprazível, os livrara da canícula do dia, e para muitos, ela ainda era uma criança.

           Como o companheiro ficasse plantado, Tavares acabou perguntando:

           “O que, afinal, ‘cê tá esperando ?”

           O amigo riu amarelo, mas resolveu abrir um pouco o jogo.

           “Tem aí uma mulher em que estou interessado...”

           “Ô Antunes, essa turma não é pro nosso bico...”

           “É o que se verá.”

           Lá com os seus botões, Tavares, ainda que a contragosto, tinha de tirar o chapéu para a cara de pau do amigo.

           Agora, havia pouca gente na frente do teatro. Tão só uma que outra roda de homens que, pelo visto, aguardavam a saída do elenco. Enquanto Antunes não aparentava ansiedade, o companheiro esfregava as mãos repetidas vezes. Era como se sofresse por antecipação em ver o outro quebrar a cara.

           “Fica calmo Tavares. Só te peço pra não me atrapalhar.”

           Minutos depois, por uma porta lateral começou a sair gente. A princípio, homens e mulheres apressados, que pareciam pessoal de serviço. Depois, mais devagar, moças bem apessoadas, que os dois presumiram fossem as coristas do show. Logo ao seu encontro se encaminharem diversos conhecidos.

           Em pouco tempo, acompanhadas, quase todas se afastaram. Das três que ficaram, duas cochichavam, e olhavam em torno, como se esperassem quem viesse buscá-las.

           Antunes, ao vislumbrar a terceira, quase não teve dúvidas. O coração batendo, apertou o passo na sua direção.

           “Você é ainda mais bonita de perto...”

           A jovem o encarou, entre divertida e intrigada.

           “Nos conhecemos,  por acaso ?”

           “Sou seu admirador, desde que você apareceu no palco...”

           Sentiu que a moça, tocada pelo galanteio, o olhou com outro jeito.

           “Você é muito amável, mas tenho um compromisso...”

           “Seja quem for, ele não te merece.”

           A resposta, de bate-pronto, a pegou desprevenida.

           “Você é muito ousado...”, disse ela, quase num cicio.

           Incontinente, Antunes, que lhe dera o braço, saíu com a corista, em busca de táxi.

           De longe, Tavares acompanhara toda a cena. Ao ver, surpreso, o desenlace, resmungou, entre dentes: ‘Esse Antunes, hein, que sacana... Nunca pensei...’

                                                           *

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