Não está escrito que as forças
populares prevalecerão na Ucrânia. Sem embargo, como outros tiranos no passado,
será a húbris do poder, ou a eventual
promessa do modelo russo, o presidente Viktor Yanukovych semelha viver em
alguma esfera inacessível aos clamores da própria gente.
Parece
esquecido da chamada revolução laranja
que, por forçá-lo a novo pleito contra Viktor
Yushchenko – a fraude pairava sobre os comícios anteriores - o deveria tornar mais atento à vontade
popular, e ao caráter por vezes imperioso de seus reclamos.
Pensou poder
escarnecer do sentir da cidadania quanto à necessidade de aproximação com a União Européia e às perspectivas de liberdade
do Ocidente.
Enquanto finge
escutar os anseios da multidão, ele tem preferido, por mais de uma vez, a porta
aberta da Federação Russa. Se evita conversar com Bruxelas, ele atende de
pronto aos chamados de Vladimir Putin,
com seus acenos de descontos no gás que compra da antiga metrópole, a par de dúbia
participação em União Aduaneira, sob a égide de Moscou.
A multidão
ucraniana que na praça da independência volta a expressar o seu voto, decerto
buliçoso, libertário e nobre, se recusou a baixar a cabeça diante da arbitrária
e fascistóide lei que tenta proibir manifestações na capital.
Yanukovych
terá como triste modelo o regime autoritário de Putin. Espanta que após
conquistar a ansiada liberdade, com a dissolução da União Soviética, esse
presidente se ponha como objetivo a sujeição ao velho império dos tzares e dos
comissários do defunto PCUS. Confrontado por repetidas vezes com o sentir majoritário da nação ucraniana, ele finge conformar-se, acena negociar com Bruxelas, para em seguida correr para Moscou, onde gospodin Putin não negaceia acenos de renegociação de dívida, de preços menores para o combustível, sem falar de um projetado empréstimo. Dado o tamanho da Ucrânia, compreende-se o quanto o senhor do Kremlin julga relevante trazê-la para o aprisco, eis que para aquilatar o valor da presa basta olhar no mapa. Essa união aduaneira mostra por ora a Bielo-Rússia, a Moldava e a Armênia, como associadas da Federação Russa.
Ontem, o
movimento ucraniano deu mais um passo no caminho da revolução. Até então, nos
vários confrontos com a polícia de choque, os manifestantes tinham logrado
prevalecer sem perda de vidas. Com a morte de quatro manifestantes, e os
ferimentos sofridos por cerca de trezentas pessoas, a escalada da violência
atinge novo patamar.
Nesse contexto,
de seu catre do lazareto de Kharkov, a líder oposicionista Yulia Timoshenko
declarou que Yanukovych ‘não é mais o
presidente da Ucrânia, mas um assassino’. Por ora, três partidos de
oposição – os de centro Batkivshina e Udar, e o de direita, Svoboda –
responsabilizam pelo derramamento de sangue ao Presidente e ao Ministro do
Interior Vitali Zajárchenko. A reivindicação imediata das oposições é a
exoneração do primeiro ministro, Mykola
Azarov, que chamou os manifestantes de ‘terroristas’ e culpou os líderes da
oposição pelo incitamento à violência e consequente desestabilização do país.
Após a reunião
com o presidente, Vitali Klitschko (Udar) pediu unidade aos manifestantes,
concentrados na praça central de Kiev, e afirmou que ‘se Yanukovych não fizer concessões amanhã (hoje, 23), passaremos à
ofensiva’.
No âmbito
internacional, a Federação Russa significou que o apoio europeu aos
manifestantes é indecente (sic), e pediu à U.E. que não aplique sanções a Kiev. Por sua vez, o presidente da Comissão
Européia, José Manuel Barroso não excluíu a possibilidade de que o bloco viesse
a tomar medidas contra a Ucrânia.
(Fonte: Folha de S.
Paulo)
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