Se o Rio sempre foi quente no
verão, a maldição climática nos dias de hoje se reflete na mudança geral do
ciclo das estações. O inverno, que existia no passado, sobretudo nos meses de junho
e julho, ora praticamente saíu de cena. Quando aparece, é por um dia ou dois de
temperaturas amenas, sem qualquer semelhança com os períodos de antanho que
exigiam cobertores na cama, e suéter de lã na rua.
A
descaracterização sazonal – que levou ao dizer-se que por cá há duas estações:
o tempo do calor e o verão – desequilibra mãe-natureza, e como inexiste um frio
digno deste nome, a produção de insetos e pragas de toda espécie funciona sem
os turnos benfazejos de passadas décadas. Não há benéficas interrupções para a
soalheira e a resultante canícula.
As chuvas
torrenciais do verão se sucedem quase o ano inteiro. Para um país com tão
poucas defesas porventura eficazes contra inundações, os cruéis caprichos naturais, com
suas autênticas trombas d´água leva de roldão o casario, seja por estar
construído nas faldas de verdes montes, seja demasiado próximos, debruçados quase, sobre
riozinhos tranquilos e córregos mofinos,
que repentina tempestade transforma em torrentes assassinas, em súbitos,
soturnos lagos e nas demais turbulências das enxurradas, que tudo carregam, afogam,
estropiam ou inutilizam.
Não há total
proteção para esse malvado alvoroto que vem dos céus. No dia seguinte, repontam
os governantes, tangidos pelo dobre das desgraças. Prometem muito, se dizem
consternados e costumam sair de cena com idêntica rapidez. Como se tem visto
amiúde nada deixam de permanente. São visões efêmeras, que fazem parte do
cenário e, como as miragens do deserto, tampouco modificam a realidade
circunstante.
Se tudo fica
ao deus dará, entende-se que a divindade se descubra incapaz de prover a tantos
necessitados e flagelados. O poder – que se apresenta confrangido, na sua
função de prometer e de acenar com dias melhores – se na essência será sempre igual,
as máscaras - que lhe recobrem o semblante sisudo, demasiado próprias para a
ocasião - em verdade pouco diferem entre si tanto na aparência quanto no
resultado.
O povo sofrido finge que acredita, enquanto
as autoridades, com o gesto compenetrado e contraído, malgrado fadadas a serem
eternas figurantes, participam da encenação com o zelo da vez, buscando mostrar
interesse, ainda que ocasional e transitório.
Por
experiência antiga, o povo sabe que as demonstrações de apoio e solidariedade se
bastam a si mesmas. Como no velho mambembe, se o elenco é imutável, a variação
aparente estará sempre no público. Nesse quadro simbólico, que fique bem claro:
ao voltarem as excelências para os helicópteros e as viaturas com vidraças
indevassáveis, estará concluída a sua participação na miséria e no infortúnio
da vez.
Enquanto o povo tomará como verdadeiro o
que tem prazo de validade que não excede aquela jornada tudo continuará no
mesmo diapasão. As súbitas desgraças, as inundações e os demais flagelos, as
mortes e a devastação generalizada do casario pobre e, por isso, indefeso, as
aparições das autoridades – escalonadas pela hierarquia dos desastres e das
calamidades – todos esses personagens continuarão a cumprir seus papéis, sob
protocolo tão rígido no respectivo formalismo, quanto vão e inútil nos efeitos
práticos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário