segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

O Superávit Ficcional

                                      

         A seriedade é importante na política – e na economia - não só pelo aspecto ético, mas também pelos benefícios que pode trazer àqueles que se pautam por seus princípios.
         Já diziam os nossos maiores que a confiança é a alma do negócio. Quem nessa esfera de atividade não respeita tais normas perderá em breve tempo todo o crédito que logrou ganhar no curto e médio prazos.

          O excesso de esperteza é o galardão dos néscios, que pensam tirar vantagem em tudo. No Brasil, até se legislou sobre isso, com a notória lei de gerson, que, na verdade, ao invés de estímulo à prática, mais serve como advertência a evitá-la.
          Como a verdade teima sempre em aparecer, quem pensa contorná-la, seja por habilidades pirotécnicas, seja por sigilos impostos artificialmente, está condenado a enfrentá-la em situação de desvantagem.

           Antes de descer ao primarismo dos nossos falsos mágicos, é oportuno relembrar que a mentira terá sempre pernas curtas. Por mais longeva que aparente ser – como no caso da maciça coleta de informações pela Agência de Segurança Nacional (NSA) no que tange ao americano comum, por muitos anos negada de pé-junto por seus diretores, até que um obscuro contratado de nome Edward Snowden pusesse fim à pantomima – a verdade tenderá, ao fim e ao cabo, a surgir e a pôr no ridículo os grandes sacerdotes da Razão de Estado.  
            Nesse contexto, é confrangedor o comportamento do principal personagem da cena econômica no atual governo. De acordo com os princípios da Presidente Dilma Rousseff, a gastança é a norma. Dentro dessa filosofia, as despesas têm a precedência, e independem de considerações como a verificação da necessária contrapartida fiscal.

             Fica difícil, portanto, despender à tripa forra, e ao final observar normas da boa administração, como pagar os juros da dívida com a economia do superávit fiscal. Assim, quando o Ministro Guido Mantega revelou o montante do superávit primárioR$ 75 bilhões, dois bilhões acima da meta – houve não pouca surpresa, em reação vizinha da dúvida.

            No entanto, o mercado não desconhecia que boa parte dessa poupança se originara de receitas una tantum (não recorrentes) como do leilão do campo de petróleo de Libra e do pagamento do chamado refis (negociação de débitos tributários de empresas). Sem embargo, como a notícia – posto que discrepante do comportamento fiscal do governo – era boa, a tendência a aceitá-la foi mais forte. 
            Antes que outras suspeitas viessem a lume, o Ministro da Fazenda explicou a sua antecipação do superávit primário com o intuito de acalmar os “nervosinhos” com o estado das finanças governamentais. Com o caráter um tanto chulo do propósito da iniciativa, sem querer Mantega preparava os espíritos para ulteriores decepções. Outro percentual do superávit terá derivado do adiamento para 2014 de despesas que deveriam ter sido pagas em 2013, i.e., os chamados ‘restos a pagar’.

            Como os comentaristas econômicos têm assinalado, os restos a pagar processados (relativos a serviços já efetuados) teriam chegado a R$ 51 bilhões em 2013 (frente a R$ 26,2 bilhões no final de 2012).
            O crescimento dos restos a pagar se insere na maquiagem fiscal, eis que eles se tornam verdadeiros orçamentos paralelos. A contabilidade ‘Dilma’ abandonou a exação que surgira com o Plano Real. Dadas as liberdades com as contas, e a consequente impossibilidade de ter um orçamento aberto, eis que as despesas de muito superam os haveres, ingressamos na ficção contábil.

            Se confirmado, esse floreio do superávit primário de R$ 75 bilhões será o que ele é efetivamente: um embuste fiscal, cuja serventia se esfarela com a mesma rapidez que os raios de sol desfazem o orvalho.
            A efêmera beleza das gotículas nas mádidas pétalas na manhãzinha difere, no entanto, dos artifícios da mentira contábil. Enquanto da primeira se ocupavam os poetas, esses truques canhestros nos livros fiscais não enganam ninguém e podem até servir de pretexto para que a mítica nota do Brasil venha a ser rebaixada pelos espantalhos da vez, que são as agências de avaliação de risco.

 

(Fonte: Folha de S. Paulo)

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