A Ucrânia entra em nova fase em
sua revolução. A arrogância do Presidente Viktor
Yanukovych se julgara com força bastante para contrariar o que parcela
substancial da opinião pública aspirava: a concretização de acordo de
associação com a União Europeia, longamente negociado com Bruxelas.
Dividida em
duas grandes regiões – a ocidental, de fala ucraniana, e voltada para a Europa
de Bruxelas; e a oriental, em que o russo é língua franca, com simpatias pró-Rússia
– a Ucrânia se desligou de Moscou com o desaparecimento da URSS, em princípios da década de noventa. É um país com 45 milhões
de habitantes e a sua ambiguidade nacional se reflete na própria denominação,
que significa região em torno ou próxima.
Não é a
primeira vez que Yanukovych bate de frente com a opinião pública ucraniana. Em
2004, a chamada revolução laranja,
movida por aspirações democráticas, forçara a anulação de pleito acoimado de
fraude. O paladino da causa democrática Viktor
Yushchenko venceria a nova eleição.
Na seguinte
eleição, em 2009, de novo encontramos Viktor Yanukovych e o seu partido das
regiões, que logrou superar a antagonista Yulia
Timoshenko, então Primeiro Ministro. Yanukovych, de linha
pró-Russia, foi favorecido pela impopularidade da gestão anterior de Yushchenko
e pela recessão da economia.
Ao assumir o
poder, com a sua tendência autoritária, Yanukovych julgou oportuno recorrer à
chamada judicialização na política,
montando um caso contra a sua principal opositora. Através de juiz singular e
de dúbias acusações, fez condenar à prisão a Timoshenko, líder da oposição. A
despeito da fragilidade das imputações, da clara motivação política do
processo, e da série de apoios, tanto na Ucrânia, quanto na Europa ocidental
colhidos pela prisioneira Yulia
Timoshenko, o presidente a mantém
trancafiada em um lazareto de Kharkov.
Releva
assinalar, a propósito, que Yanukovych é próximo do presidente Vladimir Putin, de quem imita os métodos
autoritários, incluído o emprego de dócil magistratura para a intimidação e
eventual neutralização dos adversários políticos. O seu tratamento da antogonista Timoshenko é
reflexo dessa postura. A despeito de repetidas promessas a líderes europeus de
que ‘considera’ a sua liberação, prefere ganhar (ou perder, segundo o prisma do
observador) tempo, e postergar para as calendas o indulto, enquanto permite que
líderes oposicionistas menos importantes ganhem a liberdade.
A atual
revolução na Ucrânia irrompeu por conta de mais uma postura autoritária de Yanukovych. Não
hesitou em romper com Bruxelas, às vésperas da firma de amplo acordo, comercial
e também político, em que boa parcela da população ucraniana depositava muitas
esperanças. Com a húbris dos líderes
autoritários – na linha Putin – jogou pela janela esse tratado longamente
costurado com Bruxelas, trocando-o por ingresso na União Aduaneira com a
Federação Russa.
Derrotada no
até então submisso parlamento, onde o partido situacionista, dito das Regiões, detém o controle, a opinião
pública desceu às ruas e praças – notadamente a Maidan, da Independência, no centro de Kiev – e, dentro da mecânica
das revoluções populares, encetou os protestos, de início pacíficos.
No entanto,
por força das circunstâncias – e do inverno boreal – o afluxo do povo se
dirigiu a ocupações de prédios públicos – como a Prefeitura – em que se
conjugasse o simbólico da posse com o relativo abrigo da intempérie.
Na dinâmica
das revoluções, do protesto moderado e quase-pacífico, a postura do poder (Yanukovych), por valer-se de suposto
fato consumado, contribuíu para o ulterior acirramento do ânimo da multidão –
que passou a manter postura quase-militar nas suas formações, com a compactação
dos grupos e a sua proteção por lâminas de metal.
Por sua vez, o
presidente pensou que a consolidação dos acordos com Putin – aquisição de quinze
bilhões de dólares em títulos da dívida ucraniana (uma aposta ousada do
presidente russo), além de redução no preço da energia (gás) adquirida de
Moscou, sem falar na integração da União Aduaneira – desalentaria os populares
de sua proposta europeia. Ao invés, a confrontação acirrou-se, com a ocasional
derrubada de monumento (estátua de Lenin), em que a animosidade do patriota
ucraniano se volta tanto contra o amo russo, quanto o aliado Yanukovych.
Como se
dispusesse de sólidas vantagens, o Presidente ucraniano permaneceu inamovível
e, dentro do acirramento da tática repressiva, penalizou através da assembleia
muitos dos procedimentos da oposição. Aumentou, outrossim, a ação policial, reforçando o efetivo da
capital com o das províncias. A par disso, determinou o acirramento da violência – cinco mortes entre
os manifestantes – , introduziu a tortura, chegando, por fim, à proibição de
manifestações políticas. Esta última, em meio a diversos outros casuísmos, foi
aprovada pelo parlamento a dezesseis de janeiro corrente.
Dentro do
típico autismo político de ditador, diante da contestação, a sublevação
cresceu, alimentada pelas provocações do poder. Sem decerto o desejar, a sua
inabilidade conduziria ao aumento da tensão. Nesse instante, Viktor Yanukovych
resolveria apelar para a concessão, posto que ainda limitada. Por primeira vez,
reuniu-se com dois líderes oposicionistas – Vitali Klitschko (Udar) e Arseniy
Yatseniuk (Pátria). Não foi chamado talvez o mais exaltado, Oleg Tyagnibok, do
partido Liberdade (nacionalista).
No afã de
afastar os motivos do recrudescimento da indignação popular, o presidente
mandou que seus líderes na assembleia desfizessem o pacote do arrocho,
instituído a dezesseis. As ordens foram cumpridas, mas nas circunstâncias, o
povo as julgou como não existentes, e não como eventuais créditos de Yanukovych
para composição pacífica.
Por outro
lado, como ficou patente, a negativa dos dois políticos oposicionistas de
participarem de uma acomodação com o poder correspondia a uma decisão para a
qual não tinham alternativa. Yatseniuk e
Klitschko declinaram da oferta presidencial de formar gabinete, porque se
anuíssem à proposição de Yanukovych seriam desautorados pelo movimento popular.
Ao Primeiro
Ministro Mykola Azarov, informado à distância de sua demissão, não restou outra
opção senão a de apresentar o próprio humilhante pedido de uma exoneração já do
geral conhecimento.
Desse modo, as concessões tardias de
Yanukovych foram rejeitadas pelo sentir comum do movimento, que, em
consequência, se fortaleceu, e, conforme a lógica adversarial do processo,
acompanhado pelo correspondente enfraquecimento do poder. Nesse contexto, o
desrespeito do timing que preside o
evoluir da situação pode – e muitas
vezes tem – consequências que tendem a ir muito além das aparentes implicações
envolvidas.
Assim, após
a usual insolente recusa de atender os reclamos iniciais dos populares pode
repercutir mais além e ter consequências incomparavelmente mais graves para a
autoridade denegadora. A esse respeito,
ao descobrir-se refutado em propostas
que teriam grandes possibilidades de serem aceitas e acolhidas em momentos
anteriores, o presidente Yanukovych vê evidenciada a respectiva posição de um
consequente isolamento progressivo.
Ainda há
muito caminho a percorrer e o poder de Yanukovych dispõe de trunfos, como o do
suposto apoio dos chamados oligarcas, grandes bilionários que têm enorme
influência nas bancadas do parlamento. Um deles – e o mais rico – Rinat Akhmetov, compreensivelmente
inquieto diante dos distúrbios, divulgou a sua posição, na declaração seguinte:
“o único caminho é sair de confrontos nas ruas e tentativas de acabar com eles,
para negociações construtivas com o objetivo de atingir resultados”. Se não é
pronunciamento oracular, como os da pitonisa de Delfos, a admoestação é
inclusiva, ao abranger as duas formações que deveriam enveredar pela negociação
de resultados. Não se vá esperar que o homem mais rico da Ucrânia queira ver o
circo pegar fogo. A sua proposta será necessariamente conservadora, mas atenta
ao bom senso.
Yanukovych,
que tem visto o seu poder diminuir, ainda não está no fim do caminho, mas, se
não tiver juízo, em breve entrará em processo de aceleração da respectiva
queda. Resta verificar se ainda tem margem de manobra, posto que reduzida.
(Fontes:
O Globo, CNN, The New York Times)
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