Por vezes me pergunto se algum dia
iremos superar o trauma (e o vezo) da cultura inflacionária.
Não tenciono
referir-me ao Plano Real e ao
mega-esforço de varrer de Pindorama as deformações da carestia. Se pensávamos
que se Lula teve o discernimento de considerar o Plano uma conquista de governo
e não de partido, não nos entraria na cabeça que criatura sua, movida por
confusas ambições desenvolvimentistas,
viesse pôr a perigo uma política
de Estado.
A despeito de o
que poderíamos chamar as vivandeiras da
inflação – um punhado de economistas, saudosistas não se sabe de quê, e que
ora gravitam nas aras do Palácio, encantados por descobrirem alguém que lhes dê
atenção – existe no Brasil um perigo ainda maior do que a bem-fundada
incompetência econômica de Dilma Rousseff.
Será resquício da
indexação financeira – essa praga pluridecenal – que nem os pais do Plano Real
lograram erradicar.
A cada ano novo –
e os seus sôfregos idólatras já os empunham antes mesmo do pirotécnico ritual
de Copacabana – ressurgem os filhos diletos do Dragão, com a sua ominosa sopa
de letras dos índices.
Nessa repetitiva
luta entre Hércules e Anteu, quem perde sempre é o Povo Soberano, batido por
sociedades de interesses, que, por trás da hipocrisia da hipercorreção de
preços, logram assegurar a velha meta da
ganância ancestral. Que se evaporem as vitórias do herói que libertou Prometeu!
Assim, como nos ensina Lampedusa, tudo fica na mesma, enquanto se mantém a
epimetéica e infernal ordem das vantagens corporativas, em detrimento do
interesse geral.
No capítulo das
irresponsabilidades do Poder público, a prefeitura do Rio de Janeiro, como se
fora reflexo maquinal, faz aos taxistas uma barretada com o chapéu do povo. Não
bastasse a ridícula e demagógica concessão de dona Dilma aos atuais detentores
de franquias de taxista, que transformou em direito hereditário, agora a cada
ano o Senhor Paes se apressa em salgar ainda mais a conta do usuário.
Parece que os
poderes não se resignam a dispensar o povo das tabelas de ‘correção’ de
bandeirada. Como nada mudou, salvo o calendário, o carioca, depois de pagar por
todo o dezembro em uma tabela dois
que eterniza concessão demagógica de longínquo antecessor, se vê confrontado
com outra munificência do Prefeito, que, para variar, financia a própria
demagogia com o dinheiro do contribuinte.
Mas os artificiais males do Ano Novo não param
aí. Este blog noticiou nesta semana
que os proprietários dos ônibus entraram com ação junto ao judiciário carioca
para supostamente ressarcir-se dos alegados prejuízos que sofreram, quando o
povo nas ruas forçou governador e prefeito a engolirem os anunciados aumentos
nas passagens. Não sei como reagirão os juízes, que conhecerão da ação, e os
desembargadores que dela se ocuparão em segunda instância. O município nada
deve a esses senhores que controlam os consórcios de ônibus. Os aumentos do ano
passado foram desfeitos pelas passeatas do passe-livre da Paulicéia. As recusas
iniciais do prefeitos Haddad e Paes, caíram por terra, como despencou a
popularidade de dona Dilma. Seria bom que os dois prefeitos, cujas ambições
semelham desproporcionais às respectivas realizações, não se esqueçam do tropeço
do ano passado, quando tiveram de aceitar carrancudos o que pretendiam rejeitar
com soberba.
O carioca bem
sabe da qualidade desse transporte
coletivo. Na verdade, essa palavra em
grifo já parece deboche. Além da deficiente manutenção, de sua falta para
atender a demanda, o desconforto que se impõe ao usuário – ar condicionado não
é conforto, mas necessidade nas temperaturas desse estado – tornou a sua
utilização como um sacrifício permanente, agravado pelas enormes filas no
transporte entre zonas norte e sul (condições de resto pioradas pelas obras no
metrô).
O povo, tanto
carioca, quanto paulista, merece respeito efetivo, e não aquele pro-forma.
Transporte público de qualidade, com condições de conforto, seria uma
demonstração de espírito cívico e de atenção à cidadania.
Não é favor. De
nada adianta a publicidade enganosa, de que são useiros e vezeiros os poderes
federal (V., por exemplo, os anúncios do SUS),
estadual e municipal.
Tampouco semelha
aconselhável brincar com a paciência do Povo. Os alegres compadres de Brasília (e adjacências), como dizia Júlio
Tavares (aliás Carlos Lacerda) que ponham as barbas de molho.
(Fonte subsidiária: O
Globo)
Nenhum comentário:
Postar um comentário