quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

O Começo do Fim ?

                                      

         Há várias questões pendentes no balanço  da Petrobrás.  Primo, a Petrobrás ainda não sabe o montante exato do rombo causado pelos casos de corrupção investigados pela Operação Lava-Jato; Secondo, não obstante,  publicar, aos trancos e barrancos, o balanço não-auditado relativo ao terceiro trimestre de 2014 – com dois meses de atraso – a empresa apresentou os primeiros dados que podem servir de referência aos investidores: R$ 88,6 bilhões de 31 ativos foram superavaliados, com indícios de sobrepreço, consoante especialistas.

         Sem embargo, a estatal frisou que o chamado “ajuste” não inclui apenas o pagamento da propina, mas envolveria outros fatores, v.g., câmbio, custo de capital, preço do petróleo e deficiências no planejamento de projetos. E, alegadamente, por não lograr quantificar qual era o valor exato da corrupção, a Petróleo Brasileiro S.A. houve por bem não dar baixa por ora em seus ativos.

         Fiada no mesmo critério, tampouco a empresa lançou em seus resultados o efeito potencial de uma perda de R$ 4,06 bilhões baseada na aplicação do percentual de 3% de pagamento de propina informado pelo ex-diretor de Abastecimento Paulo Roberto Costa à Justiça Federal.

         Nesse contexto, a companhia tenta justificar o atraso por não haver “detalhes suficientes” em relação aos pagamentos, feitos por fornecedores e não pela própria estatal.

         Assim se pronunciou a presidente da empresa, Maria das Graças Foster, em carta a acionistas: ‘Concluímos ser impraticável a exata quantificação desses valores”. A assertiva em tela se refere à dificuldade de medir o impacto da Lava-Jato.

         Os analistas receberam com ceticismo a falta de informações precisas. Nesse contexto, eles classificaram como ‘desapontador’ o balanço. A queda na bolsa foi a maior desde 27 de outubro de 2014. As ações preferenciais, sem direito a voto, despencaram 11,21% para R$ 9,03. Já os papéis ordinários (ON, com direito a voto) caíram 10,48% (a R$ 8,63). Desde 27 de outubro passado – quando estourou o escândalo – foi o maior tombo diário.

         Em consequência, encolheu o valor de mercado de nossa maior empresa em R$ 13,9 bilhões. Já em New York, os recibos de ações (ADRs) caíram 11,95%, a US$ 6.56. O lucro líquido informado pela empresa de R$ 3,087 bilhões no terceiro trimestre de 2014 representou queda de 38% em relação ao mesmo período do ano anterior. Por fim,  no acumulado de janeiro a setembro de 2014, os ganhos montaram a R$ 13,439 bilhões, recuo de 22%.

         Conforme Fernando Zilveti, especialista em direito tributário e professor da FGV-SP: “O comunicado com os valores de ativos super-avaliados, em vez de explicar, gera mais dúvidas. Criou um novo problema.- a empresa não sabe dizer o tamanho do rombo da corrupção e tergiversa.”

         Em comunicado enviado a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), na madrugada de terça-feira, a Petrobrás disse que considerou em sua análise 52 empreendimentos em construção ou em operação que somam R$ 188,4 bilhões – cerca de um terço de seu total de ativos. A escolha dos projetos foi feita com base em contratos de fornecimento de bens e serviços firmados entre a Petrobrás e as empresas arroladas na Operação Lava-Jato entre 2004 e abril de 2012. Sempre segundo a estatal, esses projetos são passíveis de conter valores relacionados a atos ilícitos perpetrados por empresas fornecedoras, agentes políticos, funcionários da Petrobrás e outros.

        A  Petróleo Brasileiro S.A. contabilizou em  21 projetos uma subavaliação de R$ 27,2 bilhões.  Em fins de dezembro, foi proibida pela empresa a contratação de 23 empresas supostamente envolvidas num esquema de cartel para obtenção de contratos com a estatal (na lista, entre outras, há a Andrade Gutierrez, Odebrecht, OAS, Queiroz Galvão e Camargo Corrêa).

       A Estatal admite que existem erros nos valores de determinados ativos imobilizados. Tais ativos não puderam ser corrigidos pela empresa, estando em curso as investigações da Lava-Jato. Dentro desse raciocínio, assevera que tais “erros” não estão de acordo com as regras da International Accounting Standards Board (IASB), que é a junta que determina as normas internacionais de contabilidade.

       Na projeção externa – vale dizer em Wall Street – a coisa pode complicar-se para a Petrobrás. A Aurelius Capital Management – que é um Fundo Abutre (investe em empresas e governos em dificuldade)-  que é dona de títulos da Petrobrás nos Estados Unidos afirma que a companhia não está cumprindo as regras do citado IASB, que é exigência para a emissão de papéis nos Estados Unidos.  Mark Brodsky, presidente do dito Fundo,  diz: “Apesar das recentes garantias, a Petrobrás permanece em  calote de seus títulos que seguem a legislação de Nova York. Esses títulos requerem que a Petrobrás divulgue balanços financeiros que estejam de acordo com as regras do IASB.”

        Segundo analistas, a Estatal divulgou seu balanço sem as baixas para cumprir acordo celebrado em dezembro com alguns detentores de seus títulos. Eles aceitaram que a empresa divulgasse o documento sem o aval do auditor até o fim de janeiro.

        Se não cumprisse tal promessa, os credores poderiam pedir antecipação de pagamento, abrindo a cancela para que o restante dos detentores de títulos fizesse o mesmo,  o que muito  elevaria a própria dívida, que era de R$ 621,4 bilhões em fins de setembro p.p.

        Como se sabe, as dificuldades da Petrobrás aumentam para que cumpra com a obrigação de um balanço devidamente auditado pelo PricewaterhouseCoopers (PwC). Por razões compreensíveis essa empresa tem colocado dificuldades para dar o seu aval indispensável.

        O balanço auditado é exigido por maior quantidade de credores, segundo  cita Karina Freitas, analista da Concórdia. Uma parte importante desses credores – com US$ 50 bilhões em títulos – quer que o documento relativo a 2014 saia até o fim de maio. Note-se que essa data inclui o prazo de 120 dias após o fim do ano, determinado pela SEC (a Comissão americana de títulos e câmbio), e mais os trinta dias dispostos no contrato. 

        No horizonte, além de uma multa da SEC – em caso de inadimplência na obrigação contratual – pode sobrevir reação das agências de classificação de risco.  Nesse contexto, indica o Itaú BBA : “Tanto a Moody’s quanto a Fitch  esperavam que os ajustes, ou ao menos parte deles, estivessem no balanço do terceiro trimestre.”

          Sem embargo dos prazos e das multas que a respectiva inobservância possa implicar sobretudo na terra de Tio Sam, onde não há jeitinho,  a Petróleo Brasileiro não deu data para a publicação do balanço com o aval da PricewaterhouseCoopers (PwC). Por ora, só diz que isto será feito “no menor prazo possível”.

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          Em função de o que precede, a reação   de especialistas foi bastante negativa.  Os números informados ao mercado foram considerados pouco críveis, suscetíveis de serem comparados a “uma peça de ficção”.  Por isso, a péssima reação dos investidores e a queda dos papéis da Petrobrás na Bolsa de Valores  conforme acima descrita.

         Sem o aval de uma auditoria independente, os números informados ao mercado são pouco críveis e podem ser comparados a ‘uma peça de ficção’, segundo o relatório da Guide Investimentos.

        Consoante outro especialista, Guilherme Ferreira, da Jive Investments: “A direção da empresa passou dois sinais negativos ao mercado. Primeiro, não consegue dizer quanto valem seus ativos, o que mostra um total descontrole da companhia. E o segundo sinal é uma clara falta de vontade política de reconhecer qual é o estrago  causado pela corrupção na estatal e traduzi-lo em números.”

       A consequência lógica de tal situação é que, sem o parecer dos auditores independentes, os números divulgados pela Petrobrás não podem ser validados.

      Apesar de não conseguir concluir o impacto da corrupção em seu balanço, para Karina Freitas, da Concórdia, “com a queda do preço do petróleo e na economia brasileira, houve uma mudança considerável de cenário. Mas o valor de R$ 88,6 bilhões é muito elevado, sobretudo para um total de R$ 188,4 bilhões de ativos avaliados. É provável que a metodologia não tenha sido aplicada da forma correta”.

        Para outro analista de mercado,  não identificado na matéria de O Globo, disse: “sem as baixas contábeis, os ativos da estatal passaram de pouco mais de R$800 bilhões no fim de junho para R$ 825 bilhões em setembro. Os ativos superavaliados  representariam, portanto, quase 10% dos ativos totais da empresa:  ‘É um total muito alto e não deve ser tudo resultado de desvios. Mas um erro desse tamanho (na avaliação dos ativos) em princípio, sugere que tem algo de podre.”

(a seguir)

 

( Fonte:  O  Globo )

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