quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Crise na Argentina


                                             

         Aprofundam-se as suspeitas contra o governo e, em especial, Cristina Kirchner, a presidente da Argentina. A morte não-esclarecida do promotor Alberto Nisman é uma chaga aberta no que resta de credibilidade do regime peronista.

          Este promotor documentara um itinerário sombrio no que tange às tratativas entre o peronismo imperante e o regime dos ayatollahs. Além do acordo de escambo de mercadorias entre a Argentina e o Irã carregar grossas nuvens de um contubérnio para neutralizar a investigação da responsabilidade no monstruoso atentado contra a Associação Mutual Israelense Argentina em 1994. O promotor Nisman  procedeu a levantamento de vários telefonemas entre partes que receberiam a merecida atenção no seu comparecimento anunciado ao Congresso Argentino, quando denunciaria as tratativas.

         Conforme assinalado no blog anterior, as suspeitas quanto à inverossimilhança do suicídio, em pessoa tão determinada e corajosa quanto o promotor já eram fortes, apesar das dúbias indicações da autópsia. Ao verificar-se que a mão de Nisman não tinha vestígios de pólvora – como fatalmente ocorreria se ele houvesse detonado a própria arma – aumentaram as probabilidades (que se acercam da certeza) de que a vítima foi assassinada.

         As investigações posteriores – uma vez puxadas as cortinas enganosas arrumadas por funcionários governamentais, com subordinação ao Executivo – têm apontado para ainda maiores suspeitas quanto ao assassinato.

        A velha regra latina nos fornece o dedo acusador. Com efeito, o cui prodest ?(a quem beneficia?) está aí para sublinhar a quem interessa o crime. Se a tese do suicídio não faz sentido em quem se dispunha a concluir o respectivo e laborioso esforço de sinalizar as responsabilidades do governo – e que de resto não dera nenhuma indicação da contraditória disposição a renunciar à monumental tarefa a que se dedicara e que ora levava ao conhecimento de quem de direito – a voz do Povo, com cartazes de Justiça e de Cristina assassina -  recalca com ênfase qual é o sentir da opinião pública.

        Por outro lado, aumentam os indícios de que o apartamento de Nisman foi invadido. Além da vergonhosa falta de proteção de parte do governo justicialista, há detalhes que põem abaixo a espúria tese do suicídio. Um simples chaveiro de vizinhança não teve qualquer dificuldade de entrar no apartamento de Nisman pela porta dos fundos.

        Há outras inúmeras circunstâncias comprometedoras. Tão logo informado da ocorrência, o Secretário da Segurança argentina, Sergio Berni, adentrou o apartamento, supostamente para garantir que “ninguém entrasse, nem tocasse em nada”. Mas segundo a própria admissão, Berni entrara minutos antes do juiz Manuel de Campos e bem antes da promotora Victoria Fein.

        Por outro lado, o ex-presidente da Daia (Delegação de Associações Israelito-Argentinas) falou com parente de Nisman que “achara uma lista de compras para a empregada, para a segunda-feira”.

        “Proteção a Nisman”.  Dez policiais federais faziam a proteção de Nisman, que não dava sinais de ser rigorosa.  Nunca estavam na porta do apartamento, mas sim da do prédio. Nas horas anteriores ao óbito do promotor, nem isso.

         Tampouco se encaixa o perfil psicológico. O psiquiatra Hugo Marietán sustenta que o perfil de Alberto Nisman é o de um homem de ação, acostumado a altos níveis de estresse, e, portanto, não condiz  com suicídio induzido.

          Não obstante, os diversos indícios, armas calibre 22 (que lhe foi cedida por funcionário da promotoria) podem não deixar resíduos na mão de quem as deflagra. A incerteza é vincada por essa característica da arma do crime.

          Por último, mais um penduricalho irônico. Hoje, a edição do New York Times trás com foto a cores e em primeira página, instantâneo da denúncia popular da Kirchner, com a manchete: Na Argentina sugestões de esforço para proteger o Irã. A Argentina sempre sentiu essa necessidade de vínculos estreitos com a grande nação acima do Rio Grande. O próprio presidente Carlos Menem articulava em seu governo ‘aliança carnal’ com os Estados Unidos.  Que o desmoralizado regime de Cristina Kirchner – com o juiz nova-iorquino dando ganho de causa aos fundos ditos abutres – mereça mais essa pincelada, não sei como o interpretará o público portenho. Mas o episódio da estranha morte de Alberto Nisman de certa maneira exagera nos indícios incriminatórios, a ponto de o sol na manhã dissipar as brumas da noite.

        

(Fontes:  O Globo, The New York Times )

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