Não procede a tentativa brasileira de interpretar a
recusa de conceder a extradição para o condenado na Ação Penal 450 (processo do
mensalão), o ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato como retaliação à
não-extradição pelo Brasil para a Itália de Cesare Battisti. Como se sabe,
Battisti, sobre cuja condenação pela Justiça italiana –supostamente por
homicídios cometidos em seu país, no tempo das chamadas ‘brigadas vermelhas' – pairam
muitas dúvidas, pode viver legalmente no Brasil, em decorrência do asilo
político que lhe foi concedido.
A defesa de Pizzolato perante a
Justiça italiana se baseou nas péssimas condições dos presídios e prisões no
Brasil. Bastou para os seus advogados
apresentar fotografias e relatos pertinentes das cadeias brasileiras.
Todos nós brasileiros nos
envergonhamos desse estado de coisas, e o descalabro das condições prisionais em nosso
país levaram até o Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, a declarar: “As prisões no Brasil são
medievais e seria melhor morrer do que ficar preso por anos. Entre passar anos
num presídio brasileiro eu talvez preferisse perder a vida.”
Durante os debates na última eleição
presidencial, o assunto não deixou de vir à tona. As causas da lastimosa situação só se tem
agravado nos últimos anos. Excluídos uns poucos presídios de segurança máxima e
a Prisão da Papuda, o espetáculo proporcionado pelas nossas prisões parece
pedir o aparecimento de êmulo do expoente do Iluminismo Italiano, o Marquês de Beccaria[1],
com o seu celebérrimo livro Dei Delitti e delle Pene (Dos Delitos e das Penas).
É atribuída a Beccaria a afirmativa de
que, diante das condições dos cárceres de então, já se prenunciava um sofrimento
desproporcional ao eventual condenado.
Por sua vez, pesam contra assertiva do Ministro Cardozo duas
circunstâncias graves - o seu famoso antecessor é do século XVIII, e, por outro
lado, mesmo que não se duvide o empenho do atual Ministro da Justiça em começar
a pôr remédio ao permanente escândalo, o governo de Dilma Rousseff se tem
pautado pelo sistemático contingenciamento das dotações orçamentárias previstas
para a necessária reforma dos estabelecimentos penais brasileiros. É isso que
torna a declaração do responsável pelo nosso sistema carcerário um verdadeiro
oxímoro[2].
Enquanto os presídios de Porto Alegre – este tardia
e parcialmente implodido pelo Governador Tarso Dutra – e de São Luiz, parecem atrair o opróbio
nacional, mas não há negar – como o próprio procurador-geral da República,
Rodrigo Janot o admite, quando aludiu à estratégia da defesa de Pizzolato (‘que
foi explorar presídios que na verdade
são enxovias mesmo[3]’ ).
Diante da má gestão das contas
nacionais pelo governo petista da presidenta Dilma Rousseff – acaba de estourar
enorme déficit nas contas públicas – e a postergação contumaz em quase tudo que
se reporta ao sistema carcerário no Brasil, as perspectivas de uma renovação do
quadro não seriam muito risonhas nem mesmo para o nosso Dr. Pangloss,
personagem do romance Candide, de Voltaire, inspirado na filosofia otimista de
Leibniz.
Para o Procurador-Geral, a negativa
da extradição de Pizzolato pode abrir um precedente ‘muito perigoso’ para o Brasil de “não
conseguir mais extraditar ninguém da Comunidade Europeia”.
No recurso, os brasileiros vão
salientar que os locais indicados para Pizzolato cumprir a pena – Papuda
(Brasília), Curitibanos e Canhanduba (Santa Catarina) – são totalmente
adequados, sem a possibilidade de os presos serem submetidos a condições desumanas e degradantes.
Sem embargo de dois dos
estabelecimentos acima citados, a inserção de Curitibanos provoca algumas dúvidas, pela recente revolta de presos
aí verificada, e as tétricas consequências sofridas por alguns deles... Talvez
fosse o caso de diminuir a lista, o que já é indício de que o nosso sistema é
mesmo uma das vergonhas nacionais.
Nesse contexto, a única boa notícia
para aqueles que ainda acreditam que criminosos (seja os de colarinho branco,
seja os sem-colarinho) devem ir para a cadeia, é que Henrique Pizzolato teve
denegado pela burocracia italiana seu requerimento de segunda via da carteira de identidade. Na
ocasião lhe foi relembrado que não poderia receber novo documento, porque ele
não fora nem furtado, nem extraviado, mas apreendido pela Justiça italiana. Não
terá condições, portanto, de recuperar por ora a liberdade plena de circulação
em seu refúgio europeu...
(Fonte: Folha
de S. Paulo)