sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Putin e a Ucrânia

                                             

       Como nos tempos do Império Romano, Viktor F. Yanukovych, o decaído presidente da Ucrânia, se refugia na velha metrópole. Escorraçado do país, onde até os membros do próprio partido e antigos beneficiários de seu poder, não mais o reconhecem, Yanukovych teve de fugir às carreiras da capital Kiev e da Ucrânia, como se temesse pela própria vida.
       É segredo de Polichinelo que gospodin Vladimir Vladimirovitch Putin mal o suporta. No passado, o deixava pacientar por longos quartos de hora na antecâmara do Kremlin, e agora a sua queda lhe cria um problemaço, dada a dependência de Kiev do gás russo, a par das estreitas relações econômicas entre a antiga metrópole soviética e a larga ex-república soviética, como o próprio nome do país – Ukrania – que lhe designa a proximidade.

       Outro complicador nessa questão é a virtual divisão ucraniana entre dois componentes – um ocidental de fala ucraniana,  que olha para a Europa e a U.E., e o outro oriental, próximo da Rússia, tanto no idioma, quanto nas simpatias. A questão decerto se agrava no que tange à Criméa, península do Mar Negro que a URSS, em 1954, adjudicou à república soviética da Ucrânia. Dada a origem da população, não espanta que – quando da derrubada de Yanukovych - repontassem logo distúrbios na Crimea.
      Se o primeiro ministro Dmitri Medvedev não considerou legítimo o novo governo ucraniano, a sua postura reflete certos cuidados, eis que não é o Ministro do Exterior Sergei Lavrov, nem muito menos o Presidente Putin  quem se manifesta. Dessarte, a manifestação de Medvedev, se assinala a importância da questão,  não tem decerto o peso de uma declaração do Presidente, ou de seu preposto Lavrov.

     O que fazer da Ucrânia, com a sua enorme dívida com Moscou? Se repontam intenções intervencionistas – e a provocativa postura do parlamento na Criméa é um sinal em tal direção – Putin, saído do ‘triunfo’ das Olimpíadas de Inverno em Sochi, apresentado como retorno glorioso à época dos certames da URSS – ao analisar-se a movimentação russa devemos atentar  para os dois lados da questão.
    À primeira vista, poderia semelhar um pesadelo para Moscou. Se não foi do dia para a noite – a queda de Yanukovych era fenômeno cujos contornos se tornavam mais marcados, sobretudo nos dias derradeiros – a reviravolta em Kiev retirou a vantagem obtida pelo Kremlin, quando do repentino anúncio pró-União aduaneira, em detrimento do Acordo Comercial com a U.E..  De repente, o presidente filo-russo está na rua da amargura, e todas as fichas colocadas por Moscou resultam em vão.

     Refugiado na antiga metrópole, Yanukovych é uma carta exposta, sobretudo após a descoberta dos ‘tesouros’ deixados pela partida em desabalada carreira.
     Se, por outro lado, a esfinge do KGB não se pronunciou explicitamente, as manobras militares de 150 mil homens do exército russo representam um atroador silêncio. Se a Ucrânia não é a diminuta Ossétia do Sul, que foi ‘arrancada’ à República da Georgia em 2008, tampouco estamos no século XIX, quando essas encenações castrenses, assim como antes o agitar dos escudos e lanças, poderiam desencadear movimentações e acomodações, sob a regra não-escrita da força bruta.

        O novo governo instalado em Kiev é relativamente inexperiente nas atribuições, mas tem estreitas ligações com a nêmesis de Yanukovych, Yulia Timoshenko, que saíu do cárcere político de trinta meses em Kharkov para a praça Maidan, de onde discursou, para um público também provado pelas intempéries da oposição.
       Dessarte, tanto o presidente interino, Olexander Turchynov, quanto o Primeiro Ministro Arseniy Yatseniuk tem experiência político-administrativa, dos tempos em que Yulia era a Primeiro Ministro.

       Por outro lado, se não se descortina nenhum Bismarck à vista para a organização de um Congresso de Berlin (em que completaria a sua obra, que o Kaiser Guilherme II mais tarde, por incompetência política, desfaria), a União Europeia, com a Chanceler Angela Merkel à frente, e os Estados Unidos, com o Secretário de Estado John Kerry, deveriam reunir-se com o Presidente Vladimir Putin, para que saia um acordo em que a independência de Kiev e do povo ucraniano seja preservada, e se construam pontes para a mútua cooperação.

 

(Fontes:  The New York Times;  Folha de S. Paulo; The New York Review)

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