terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Dilma e a Presidência

                                       

        A frase de Buffon nos vem à memória com pequena adaptação determinada pelo avanço da posição da mulher. Assim, o estilo é a própria pessoa.

        Nos anais da presidência, a personalidade de Dilma Rousseff só encontraria similar em um general-presidente, Ernesto Geisel. Nos tempos do AI-5, de tudo ele pensava entender e com o poder discricionário que tinha, em tudo metia o bedelho, chegando ao ponto de fazer emendas em regulamentos técnicos.
       Para os que enfrentaram a prova das reuniões de trabalho no Palácio do Planalto – pois o irmão de Orlando Geisel – que lhe tinha garantido a escolha – queria de tudo saber, e para tanto não desdenhava descer até o nível de chefe de divisão, na vasta hierarquia burocrata.

       Nessa mesa presidencial costumava pairar um prudente e transido silêncio. Dar opinião ou ‘palpite’ – de acordo com o humor do chefe – não parecia aconselhável. Se interrogado – o general-presidente não consultava – o melhor era ser curto e breve, desde que dominasse o assunto. Nessa hipótese, guardaria ainda algum trunfo, se outra estocada viesse. Se não soubesse, ou tivesse apenas noção, melhor limitar-se ao mínimo, ou então encomendar a alma funcional ao Deus ex-machina e orar por um momento de tolerância.
      Ora, esse tipo de atmosfera não está no interesse de ninguém. Se o respeito ao chefe é a regra primeira, que prevalece sempre, não se deve confundi-lo com o terror dos infelizes. Em primeiro lugar, pela simples razão de que ele não aproveita a ninguém, a começar pelo chefe iracundo. Em segundo, porque a tensão enrijece cérebro e músculos. No esporte, se for mantida de forma indiscriminada, o atleta estará prejudicado, pois ela só carece de aparecer em momentos cruciais. O mesmo, mutatis mutandis, está nos grupos de trabalho, ou reuniões assemelhadas, como serão as mesas reunidas em torno da presidente.

      Em outro blog  mais antigo, ocupando-me igualmente da personalidade de Dilma Rousseff enquanto presidente, procurei mostrar que os grandes chefes buscam criar atmosfera conducente ao diálogo. Os convidados à mesa aí estão por causa das respectivas funções e, por conseguinte, em princípio, pela sua capacidade ou maior conhecimento técnico na matéria específica. A esse propósito, comparei os presidentes autoritários e centralizadores (V. Geisel) às grandes árvores na floresta, em torno das quais só se vê vegetação rasteira. Daí o precípuo interesse do líder em tornar mais aberta a atmosfera, para que o conhecimento ou a visão informada possa circular livremente.
     Dilma, pelo autoritarismo e a maneira com que trata os subordinados – de qualquer escalão – não semelha cuidar desse aspecto, a que deveria, por interesse próprio, atentar mais. JK é a sua antítese. Em geral sorridente, atencioso, simpático mesmo, distinguindo grandes e pequenos, colhia o melhor de cada um. A par de seus inegáveis dons e capacidade intrínseca, não estranha que esteja entre os grandes presidentes da República.

     A imprensa é rica em episódios do autoritarismo de Dilma e da sua tendência ao secretivo. Como foi referido, democracia é o regime aberto, onde a agenda de Presidente – e mormente em viagem – não se supõe seja carimbada de confidencial ou até secreta.
       Querendo ocultar suas escalas turísticas ou ad hoc nas respectivas viagens, Dilma Rousseff corre o risco de tentar guardar ‘segredos de Polichinelo’. Primo, porque em país democrático, a cidadania deve, em princípio, saber onde está a Chefe da Nação. Secondo e a fortiori, se se trata de escala turística – motivada em geral pela falta de autonomia de voo do Aero-Dilma. Por mais solícitos que sejam os serviços competentes, o assunto (a escala turística ou não) irá transpirar mais cedo ou mais tarde.

       Então, mesmo contra a vontade, porque não sorrir para com os deveres de ofício? E é inadmissível que, por causa de capela em Palermo, ou de restaurante em Portugal, se tente dar ares de segredo de estado ao que não passa de um capricho.

                                                                                            (a continuar)

(Fonte: O Globo)

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