quarta-feira, 13 de novembro de 2013

O PT do Poder

                         

       O recente processo eleitoral interno por que passou o Partido dos Trabalhadores reflete, de forma acurada, qual é a realidade hodierna da agremiação partidária criada no começo dos anos oitenta em torno de um dirigente sindical  de nascente renome, com base no ABC de São Paulo, e que teve o apoio de poucos, mas grandes intelectuais.
       O general João Figueiredo – como os magos da mídia de então julgavam lhe fosse a designação mais politicamente adequada – encarou com desconfiança, alimentada pela elite que ainda apostava na sobrevida do regime militar, aquele partido, saído do meio sindical não-peleguista, com o apoio simbólico de um punhado de grandes nomes da intelectualidade.

      O PT se via como a porta para o futuro. Ligado ao novo meio sindical – que o torneiro-mecânico divulgara e realçara – nada queria ter a ver com o peleguismo de antanho.  Com laivos socialistas, e simpatias cubanas, o Partido dos Trabalhadores se lançava em ambiente dominado por um regime militar de que a morte anunciada ainda era segredo para a maior parte dos mortais, excetuado punhado de crentes e visionários.
       Todos sabiam o que o PT não pretendia ser. Não era um partido como os outros – pelo menos, assim se propunha – nem podia ser cotejado com o PTB, que o general Golbery abastardara, ao barrar-lhe a entrada de Leonel Brizola. Na esquerda, com os trabalhadores, mas não os pelegos! Todo o novo sindicalismo, aberto e progressista, simbolizado por Luiz Inácio Lula da Silva.

       Fora do poder, por ele não contaminado, o PT seria por muito tempo a agremiação do não programático, a que acorriam os deserdados da sorte, os intelectuais e os jovens. Votado para a oposição, banhava-se com gosto e regozijo nas luzes da mídia e nos crescentes celeiros da negação a tudo que está aí, no combate sem peias aos avatares do poder estabelecido que, por amarga ironia da sorte, fora acabar caindo no colo do ex-presidente do PDS (a última carantonha do golpe de primeiro de abril), o vice de Tancredo, nosso rei dom Sebastião, a saber, José Sarney.
        Naqueles aúreos tempos, ser jovem e ser PT constituía espécie de cara e coroa, soldada pelo idealismo de uns, e o oposicionismo programático de outros. Expressos muita vez pela férrea linha absolutista – implantada esta a ferro e fogo nos eventuais trânsfugas – o Partido dos Trabalhadores podia nos dar imagem contestada, mas, eivada de negacionismo (à composição política, à própria Constituição Cidadã), buscava não assemelhar-se à turba malta dos demais.

        Como então teria problemas com a juventude o PT se, pelo símbolismo e atuação consequente, fosse a projeção do ideário jovem, a um tempo, aberto e absolutista ? Expressão desse Partido dos Trabalhadores, generoso e intolerante, já se encontraria no jovem militante Rui Falcão que, em São Paulo, muitos problemas criou para a Prefeita Erundina, eis que a ele repugnava qualquer composição, mesmo se voltada para assegurar um mínimo de governabilidade.
       Tanto Falcão infernizou a Prefeita, que foi um dos fatores que a levaram a sair do PT, na época da Presidência Itamar (um remanso depois do furacão Collor).

        Não é minha intenção fazer histórico pormenorizado da progressão do Partido dos Trabalhadores.  O que me parece quase desnecessário sublinhar é a garrafal diferença entre a agremiação fora do poder – programática, indo às últimas consequências na oposição (vide negação do Plano Real e questionamento judicial de seus marcos principais, como a Lei da Responsabilidade Fiscal) - e o PT depois do Lulinha Paz e Amor do marqueteiro, que abraçou tudo o que antes negara, e passou a alinhar-se com os mesmos personagens que antes votara à geena.

       A história do PT é reminiscente da fábula do encontro do cachorrão robusto e do vira-lata magricela. Não importa que o PT tenha assumido os dois papéis, na sua até hoje relativamente breve história.
       O recente processo eleitoral interno por que passou o P.T. é outro símbolo dessa involução. Por ironia da sorte, quem infernizara a militante Erundina, o companheiro Rui Falcão virou presidente reeleito do PT no poder, em cujo poleiro é mantido por determinação da Presidenta  Dilma e do grande nome partidário (e fazedor de postes) Lula da Silva.

       Em manifestação que até comove – pela aparente impossibilidade de compreensão – Lula recomenda às instâncias partidárias que trabalhem para recuperar a militância jovem. No passado, a decorrência da condição de petista implicava na comunhão com os jovens. Hoje em dia, pelas características (notadamente, a coleira) de cachorro gordo no poder, estão dadas as condições para que os jovens (salvo os com vocação para chapa branca) se afastem desse partido, que por condicionamentos de poder (e da corrupção que costuma vir junto) não mais pode ser atraente para a juventude das passeatas de junho. Não foi por acaso, de resto, que uma das férreas determinações dessa turma idealista, foi afastar a escumalha das bandeiras partidárias (PCdoB, PT e similares) para não desvirtuar, instrumentalizar e conspurcar um movimento que nascia espontâneo.  
     O que foi feito das passeatas de junho?, perguntam hoje muitos. Espraiaram-se por esses brasis afora, e a sua marca continua no pusilânime Congresso das quartas-feiras. Quem dirá a última palavra, só Deus sabe.

     Se nos é forçoso reconhecer que o velho jornalista Janio de Freitas tem carradas de razão ao asseverar que, em eleição interna, o PT mostra que não tem nada a dizer, só nos resta, uma vez mais, confiar nos jovens, e esperar que a atual podridão encontre o seu destino natural – a rejeição nas urnas -, e que saia um novo Brasil, mais próximo de sua eterna fonte da juventude.

 

(Fontes subsidiárias: Folha de S.Paulo,  O Globo )

Um comentário:

Mauro disse...

Me pergunto se o PT mudou por conveniência ou caráter. Discordo da análise de que o PT era programático, no sentido de ter um programa próprio. Era na verdade anti-governo e criou seu acervo eleitoral com critica destrutiva sistemática e vendendo felicidade social futura, como uma religião. Como ficou claro depois de sua ascensão ao poder e sistemática demolição da oposição, o PT nunca teve caráter democrático, busca se perpetuar no poder por qualquer meio - felizmente as instituições ainda não permitiram crimes maiores, mas o PT as vai roendo (basta ver o STF). Não creio que Lula o PT terá dificuldades em "atrair os jovens". Basta decretá-lo. Quem insistir em resistir só pode ser reacionário e por definição não interessa. Serve contudo para reforçar a unidade e o encastelamento contra as forças da direita... Sem oposição, o futuro é desanimador para a democracia no Brasil, mas isto só é irônico para quem se recusou a ver a verdadeira cara to PT desde muito antes de chegar ao poder.